Em São Paulo

Governos de Doria e Nunes deixam 14 mil crianças sem vaga na 1ª série do ensino fundamental

Essas crianças estão sem vaga na rede pública da capital paulista e sem perspectiva de prazo para que o problema seja resolvido. Educadora aponta impactos negativos

Governo de São Paulo/Divulgação
Governo de São Paulo/Divulgação
"É de corresponsabilidade da capital e do estado a garantia dessas vagas. A gente precisa apurar qual o motivo delas faltarem em uma etapa que não tinha esse problema há anos", aponta Andressa Pellanda

São Paulo – O ano letivo de 2022 na capital paulista começa na próxima segunda-feira (7), mas cerca de 14 mil crianças, que deveriam iniciar o primeiro ano do ensino fundamental, não poderão frequentar a escola, devido à falta de articulação e planejamento dos governos estadual de João Doria (PSDB) e municipal de Ricardo Nunes (MDB). Essas crianças estão sem vaga na rede pública e sem nenhuma perspectiva de prazo para que o problema seja resolvido.

Segundo o jornal Folha de S.Paulo, que abordou o tema ontem (3), o problema se deve à expansão mal planejada do ensino integral pelo governo Doria, o que reduziu o número de vagas na rede estadual. Havia 417 escolas estaduais de tempo integral, em 2019. Hoje são mais de 2 mil. A rede municipal não foi capaz de absorver a demanda e milhares de crianças de 6 anos ficaram sem vaga. Uma situação de que não se via pelo menos desde 2007.

A situação é mais grave nas Diretorias Regionais de Ensino de Itaquera, na zona leste, com 2 mil estudantes sem vaga. Assim como Santo Amaro, na zona sul, com outros 1.300 alunos excluídos. A frequência escolar é obrigatória e as matriculas no ensino fundamental devem ser compartilhadas entre estados e municípios, conforme a Constituição.

E a solução?

A coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), Andressa Pellanda, destaca que, independentemente da causa para essa falta de vagas, estado e município precisam apresentar uma solução o mais breve possível.

“É de corresponsabilidade da capital e do estado a garantia dessas vagas para as 14 mil crianças que não conseguiram matrícula no primeiro ano do ensino fundamental. A gente precisa apurar qual o motivo de faltarem essas vagas em uma etapa que não tinha esse problema há anos. Se realmente foi por uma política de ampliação de matrículas em educação integral, por parte do Estado, e sem planejamento sobre a necessidade de expansão concomitante de infraestrutura, o estado vai ser responsável por resolver o problema provocado em consequência desse não planejamento. E, de toda forma, vão ser necessários investimentos e cooperação também em termos de financiamento para resolver a questão. O que não pode é ter crianças fora da escola”, contesta.

As secretarias da Educação estadual e municipal informaram apenas estar trabalhando nos casos. Mas não apresentaram um prazo para que as crianças voltem a frequentar a escola. Além do problema de má gestão entre Doria e Nunes, o Censo Escolar, produzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), traz outros resultados preocupantes. 

Evasão escolar já é um problema

O documento mostra que 653 mil crianças de até 5 anos abandonaram a escola nos últimos dois anos, em meio à pandemia de coronavírus. De acordo com o Inep, a maior redução de matrículas se deu nas creches, com queda de 9% entre 2019 e 2021. Na rede privada a queda foi de 21,6%, enquanto na rede pública foi de 2,3%. Na pré-escola, que atende crianças de 4 a 5 anos e já é uma etapa com matrícula obrigatória, a redução foi de 6%. Com queda de 25,6% na rede privada e de 1,3% na pública. 

Andressa considera grave que essas crianças tenham abandonado a escola e avalia que será preciso um tempo maior para recuperar a perda que essa situação vai causar no desenvolvimento delas.

“Isso é grave porque as crianças pequenas precisam não somente de cuidados específicos como também de uma educação que incentive seu desenvolvimento. É uma faixa etária que tem um impacto de desenvolvimento integral que vai impactar todos os outros momentos de vida dessa criança. É claro que isso não é irreversível, a gente acredita na garantia do direito de forma plena para outras etapas da educação que podem reverter isso, são seres humanos complexos. Mas vai demorar um pouco para conseguir recuperar esse impacto no desenvolvimento dessas crianças”, pontua a coordenadora da CNDE.

Prejuízos sociais

A especialista também afirma que os prejuízos desse abandono escolar são ainda mais amplos, com consequente aprofundamento nas desigualdades sociais e de gênero. “Vale lembrar que a educação infantil e a escola, de forma geral, são espaços de proteção das crianças e adolescentes. E para a primeira etapa da educação, na educação infantil, é também um espaço que permite o desenvolvimento de profissões no mercado de trabalho das mães que são geralmente as que ficam responsáveis por crianças pequenas. E, com a inviabilidade de colocar a criança na creche, isso também impacta numa desigualdade gênero muito grande no mercado de trabalho e todas as esferas de socialização da mulher. O impacto não é só para a criança pequena, mas para a mãe e toda a sociedade”, adverte.

Essa evasão afasta ainda mais o Brasil do cumprimento do Plano Nacional de Educação. O PNE prevê que 50% das crianças de zero a 3 anos estejam matriculadas em creches até 2024. O número mais recente, de 2019, indicava que apenas 35% das crianças dessa faixa etária estavam matriculadas.

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