Brasil Educação

Governo quer terceirizar para 'associações' a fiscalização do homeschooling

MP a que o GLOBO teve acesso coloca 'organizações de educação domiciliar' como responsáveis pelo cadastro dos estudantes, pelos dados de avaliações e pela divulgação de boas práticas
Regulamentação da educação domiciliar é uma das prioridades do governo Foto: Isabella Guerreiro / .
Regulamentação da educação domiciliar é uma das prioridades do governo Foto: Isabella Guerreiro / .

BRASÍLIA — Autor de uma Medida Provisória (MP) em elaboração para liberar o homeschooling no país, o governo quer terceirizar para "associações" e "organizações de educação domiciliar" as tarefas de cadastrar os estudantes submetidos ao modelo e de acompanhar seus resultados nas avaliações oficiais que terão de fazer. Essas entidades também serão responsáveis pela "divulgação de guias de boas práticas para as famílias educadoras", aponta o texto da MP ao qual o GLOBO teve acesso.

A proposta, que passará pelos últimos ajustes nesta semana para ser anunciada no âmbito dos cem dias de governo, já terá força de lei assim que for editada e enviada ao Congresso Nacional. O texto afirma que os pais poderão "formalizar" a opção pela educação domiciliar "mediante autodeclaração em meio virtual ao Ministério da Educação" ou "alternativamente" por meio das entidades "credenciadas" na pasta.

Como o MEC não tem qualquer tipo de sistema hoje para acompanhamento dessas famílias, na prática, as próprias associações interessadas vão gerenciar o processo de fiscalização. O texto deixa claro que esse trabalho ficará a cargo das entidades.

Falta detalhar critérios para avaliar rendimento

"As associações ou organizações de educação domiciliar devem ser responsáveis pela manutenção dos cadastros dos estudantes domiciliares, de seus dados avaliativos, bem como pela divulgação de guias de boas práticas para as famílias educadoras", afirma trecho da MP. O texto aponta o que cabe ao MEC como obrigação: "além de credenciar as entidades de apoio à educação domiciliar, deve, anualmente, receber e manter atualizado, eletronicamente, o banco de dados dos estudantes domiciliares".

Uma versão anterior da MP previa que "constará do cadastro, para cada estudante, o plano pedagógico individual e o termo de responsabilização". Na atual redação, basta que os pais ou responsáveis mantenham o "registro das atividades pedagógicas do estudante, para fins de comprovação".

A MP também coloca uma "alternativa" para os estudantes domiciliares fazerem exames de aferição do aprendizado. Além de provas oficiais oferecidas pelo governo, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), os pais poderão optar por "instituições de ensino públicas ou privadas que ofereçam avaliações para essa modalidade".

O texto da MP prevê avaliações para certificar o aprendizado em quatro momentos da educação básica: conclusão do 2° ano do ensino fundamental, no 5º ano (fim da primeira etapa do fundamental), no 9º ano (fim do ciclo fundamental) e na conclusão do ensino médio. Diz o texto que a certificação não será concedida caso o desempenho não tenha sido satisfatório, sem detalhar quais critérios vão ser usados para medir o rendimento do aluno nos testes.

Influência de associações é clara na MP

A influência das entidades defensoras do homechooling na elaboração do texto é explícita. Conforme o GLOBO revelou, a MP em sua primeira versão foi escrita pela Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned). O assessor jurídico da entidade, Alexandre Magno Moreira, faz parte do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. É exatamente a pasta, comandada por Damares Alves, que vem tocando o texto, por influência das associações que militam em favor da prática, embora o tema fosse mais relacionado ao Ministério da Educação.

Segundo o texto da MP, os estudantes domiciliares terão direito a participar de concursos, competições e eventos pedagógicos e culturais. Dessa forma, poderão fazer parte, por exemplo, de olimpíadas voltadas a estudantes da educação básica, como a de matemática.

A "isonomia de direitos entre os estudantes em educação escolar e em educação domiciliar", diz o projeto, "estende-se aos pais ou responsáveis". Esse trecho foi colocado para que os pais que submetem os filhos ao homeschooling possam deduzir gastos com educação do Imposto de Renda, como ocorre hoje quando a escola é particular.

O texto afirma ainda que o modelo será regido por quatro princípios: "Liberdade Educacional, Igualdade Educacional, Autonomia Familiar; Apoio e Proteção do Estado à Família". E coloca como "plena" a liberdade de pais ou responsáveis optarem pela educação domiciliar.

A MP muda a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), para acrescentar no item que trata do "dever dos pais ou responsáveis" de "efetuar a matrícula das crianças na educação básica" a possibilidade de "declarar a opção pela educação domiciliar". Também inclui os mesmos termos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que menciona a mesma obrigação da matrícula na rede regular de ensino.

Condenados em 2ª instância não podem optar

Ficam proibidos de optar pela educação domiciliar pais ou responsáveis condenados por crimes, conforme o GLOBO revelou em março. O texto da MP atualmente em discussão define que os sentenciados em segunda instância estão vetados de praticar a modalidade do homeschooling com os filhos ou dependentes.

A MP traz a especificação dos crimes que configurarão essa proibição de optar pela educação domiciliar: os relacionados a drogas; como tráfico; os hediondos, a exemplo de homicídio, estupro e latrocínio; e os previstos no ECA, como produzir ou divulgar imagem pornográfica de criança ou adolescente.