De olho num agrado ao eleitorado evangélico, o governo finalmente chegou a um acordo para votar na Câmara o projeto de lei que regulamenta o ensino domiciliar. O texto impõe mais regras do que queriam inicialmente representantes do Ministério da Educação e evangélicos, mas os governistas cederam para viabilizar a lei antes da eleição.
A deputada Luísa Canziani (PSD-PR) insistiu que o projeto precisava estabelecer regras mínimas para que os pais possam ensinar os filhos em casa, mas sem comprometer a formação e segurança das crianças. “Não pode ser um libera geral. O parecer traz balizas para proteger a criança contra uma má formação e possíveis abusos familiares”.
Um dos pontos que mais enfrentava resistência dos evangélicos e do governo era a exigência de que os pais precisavam ter ensino superior completo para adotarem o “homeschooling”. Após muita pressão, o acordo envolveu permitir também o ensino doméstico para aqueles tutores com educação profissional tecnológica. Foi a principal concessão na versão final do projeto.
Os pais também não poderão ter antecedentes criminais, precisarão matricular os filhos numa instituição de ensino para avaliação periódica, deverão seguir o conteúdo da Base Nacional Comum Curricular, garantir o convívio dos filhos em comunidade e frequentar reuniões semestrais com a escola para troca de experiências.
Outro ponto do parecer que enfrentava resistência do governo e dos pais acabou ficando do jeito que Canziani propôs. O parecer prevê que uma criança que reprovar duas vezes seguidas ou três alternadas terá que frequentar a escola, com os pais perdendo direito ao ensino doméstico. “No fim houve entendimento de que havia risco de abusos e prejuízo à criança se essa regra fosse retirada”, afirmou a relatora.
Mesmo após essas restrições, os partidos de esquerda continuam contra o projeto. A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) acredita que o projeto promoverá “um apartheid”, já que, em caso de aprovação, tirará estudantes do convívio de pessoas que tenham outra realidade. Ela defende que o ensino domiciliar seja aplicado apenas para aqueles que tenham laudo que comprovem suas dificuldades em acessar a escola. “É a condenação a um jovem de conviver com o diferente”, disse Alice ao Valor.
Já entre os governistas, o acordo foi confirmado pelo líder da bancada evangélica, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), e pelo líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), para votar o projeto, possivelmente em maio. “Vou conversar com os líderes [sobre a data]”, disse Barros.
O entendimento ocorreu em meio à troca de gestão no Ministério da Educação, com a saída de Milton Ribeiro por causa das acusações de irregularidades na distribuição de verbas e pedido de propina de pastores evangélicos que atuavam informalmente. O ex-secretário-executivo Victor Godoy assumiu a pasta na semana passada.
Crítica ao eventual avanço do texto, a advogada Ligia Ziggiotti avalia que, em caso de aprovação, é preciso ter mecanismos que controlem a permanência e a frequência dos estudantes dentro do ambiente educacional, que proporcionem um canal de escuta para que alunos possam fazer denúncias caso estejam enfrentando problemas dentro de casa e que garantam que estudantes tenham lazer e convívio social.
Defensor do texto, Jônatas Dias Lima, presidente da Associação de Famílias Educadoras do Distrito Federal, disse que o parecer de Luísa “é viável, equilibrado e capaz de conseguir apoio majoritário no plenário”. “Muitos dos críticos não são contra o ‘homeschooling’ em si, mas contra o modelo de educação domiciliar sem fiscalização. O texto da Luísa prevê o vínculo com a escola, garante a avaliação e mantém a adesão ao currículo comum”.
O projeto tornou-se necessário porque uma decisão de 2019 do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a inconstitucionalidade do ensino doméstico enquanto não houver regulamentação em lei. Com isso, os pais que se recusaram a matricular os filhos em escolas tradicionais passaram a ser responsabilizados civil e penalmente.