Descrição de chapéu Reforma administrativa

Em entrega de reforma, Maia diz que Guedes proíbe equipe de conversar com ele

Proposta prevê mudanças no funcionalismo do país

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Brasília

Depois de quase um ano de promessas, o governo encaminhou, no início da noite desta quinta-feira (3), a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que prevê mudanças no funcionalismo do país. O evento, porém, foi ofuscado por episódio que evidenciou os atritos entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro Paulo Guedes (Economia).

O texto foi entregue pelo ministro Jorge Oliveira (Secretaria-Geral) a Maia. Também participaram do ato os líderes do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), e no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO).

Em coletiva, Maia afirmou ser possível avançar rapidamente na tramitação da reforma pelo menos na Câmara dos Deputados. "Nós não podemos mais tirar dinheiro da sociedade com os impostos e do outro lado sair muito pouco em serviços para a sociedade", disse. "Entra R$ 1 real aqui, certamente sai menos de R$ 0,20 do outro lado."

A harmonia exibida na entrega foi quebrada após o evento. Em entrevista à GloboNews, o deputado fez fortes críticas ao ministro Paulo Guedes (Economia) e disse que ambos não têm conversado.

Presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, e o ministro Jorge Oliveira (Secretaria-Geral)
Presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, e o ministro Jorge Oliveira (Secretaria-Geral) - Adriano Machado/Reuters

"Ele tem proibido a equipe econômica de conversar comigo. Ontem [quarta], a gente tinha um almoço com o Esteves [Colnago] e com o secretário do Tesouro para tratar do Plano Mansueto, e os secretários foram proibidos de ir à reunião", disse Maia, que afirmou ter decidido que a relação da Presidência da Câmara será com o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).

"E o ministro Ramos conversa com a equipe econômica, para não criar constrangimento mais para ninguém. Mas isso não vai atrapalhar os nossos trabalhos, de forma nenhuma."

Maia disse ainda ter encerrado a interlocução com Guedes.

Ambos já tinham entrado em atrito durante a tramitação da reforma da Previdência. Após o desgaste, Maia passou a falar apenas por meio de interlocutores.

O ministro se irritou com a estratégia adotada pelo deputado e passou a cobrar de sua equipe que, caso fossem procurados pelo presidente da Câmara, encaminhassem a demanda para Guedes.

Nos bastidores, o ministro interpreta que Maia usava a interlocução com técnicos da Economia para obter informações e dados e atuar contra os interesses da pasta na tramitação de matérias legislativas.

Esse ponto ficou mais evidente, na visão de integrantes do governo, com a tramitação da reforma tributária. Maia estaria estimulando o repasse de recursos a estados e municípios, a título de compensação pelas mudanças, em detrimento da União (ponto que desagrada Guedes).

Agora, o ministro aproveitou o fortalecimento da liderança do governo na Câmara para dar um basta nas conversas entre Maia e a equipe econômica. A função agora é exercida por Barros, considerado pelo governo um "faixa-preta" em comparação ao antecessor Vitor Hugo (PSL-GO).

Após meses afastados, Maia e Guedes até ensaiaram uma reaproximação em julho, pouco antes da entrega da primeira fase da reforma tributária do governo. Eles passaram a almoçar juntos para discutir os próximos passos da proposta e outros temas econômicos.

No entanto, a iniciativa de Maia de continuar acionando os secretários, em vez de tratar diretamente com o ministro, ajudou a azedar novamente a relação. A gota d'água teria sido justamente um almoço nesta quarta, em que Guedes proibiu os integrantes de sua equipe de participar.

Procurado sobre a declaração de Maia, o Ministério da Economia preferiu não comentar

Na cerimônia de entrega, o ministro Jorge Oliveira afirmou que a reforma busca preservar os direitos de servidores que exercem os cargos. "Ao mesmo tempo, rever diante da evolução do Estado novas formas de provimento em cargo que possibilite um estado mais moderno, mais enxuto, capaz de fazer frente à demandas sazonais sem gerar um impacto previdenciário", disse.

Para acelerar a tramitação da PEC, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou que iria sugerir a Maia a criação de uma comissão mista, formada por deputados e senadores, para que o texto seja analisado de forma conjunta pelas duas Casas.

Após a entrega, no entanto, Barros descartou essa tramitação. A ideia é votar um projeto de resolução que reabre as comissões, entre elas a CCJ (cidadania e justiça), primeiro passo para apreciação do texto.

A seguir, haverá a instalação de uma comissão especial na Câmara, onde o mérito é avaliado, antes de ir para votação em plenário –a aprovação requer votos favoráveis de três quintos dos deputados (308) e dos senadores (49), em dois turnos de votação nas duas Casas.

Para Barros, a reforma terá uma aceitação muito boa no Congresso. "O texto foi cuidadosamente escrito para justamente permitir que haja uma tramitação célere e mais um sinal para a sociedade brasileira de que temos compromisso com o rigor fiscal, com o teto de gastos e que queremos o equilíbrio das contas públicas."

O líder do governo na Câmara afirmou que a decisão de que as mudanças valessem apenas para os novos servidores foi para facilitar a aprovação do texto. "Evidentemente, a partir da aprovação desse novo marco será cobrado também dos demais que se enquadrem na nova regra", disse. "Mas isso é um passo à frente. Quando terminarmos essa tarefa, começaremos outra."

Em linhas gerais, o texto busca reduzir gastos com o funcionalismo, proibindo progressões automáticas de carreira e abrindo caminho para o fim da estabilidade em grande parte dos cargos.

Oficialmente, a PEC foi bem-recebida por líderes de partidos de centro-direita, enquanto a oposição qualificou a proposta de “falsa solução milagrosa”.

Nos bastidores, porém, alguns avaliam que há riscos de a proposta do governo travar, por não conter nada de substancial e provocar um desgaste com uma categoria de trabalhadores que tem forte poder de lobby sobre os políticos.

Líder do partido Novo na Câmara, Paulo Ganime (RJ) elogia a proposta, por separar a carreira de estado das demais carreiras e “acabar com os privilégios”.

No entanto, disse estar decepcionado com o resultado. “A reforma não abarca os cargos de poder, magistrados, Ministério Público, parlamentares”, criticou. “E algumas medidas que não entendemos como direito adquirido não vão ser aplicadas aos atuais servidores, como férias acima de 30 dias.”

Já o deputado Arnaldo Jardim (SP), líder do Cidadania na Câmara, avaliou que só será possível ter uma ideia fechada da proposta do governo quando toda a reforma for enviada.

“Esse corte de que só vale para os novos funcionários limita a reforma. Achamos que podiam ter pensado em algumas coisas para dar enxugamento maior”, disse. “E poderia ter sido mais abrangente. O Judiciário fica intocado, o que é um descritério.”

Já a deputada Perpétua Almeida (AC), líder do PCdoB na Câmara, qualificou a reforma administrativa do governo Bolsonaro de “mais uma falsa solução milagrosa”.

“Significa mais um passo no desmonte do Estado nas áreas da saúde, da educação e da segurança. Já o patrimônio daqueles que ficaram mais milionários na pandemia, permanece intocável. E a desigualdade social segue galopante”, afirmou.

No Senado, o projeto da reforma administrativa também foi recebido com apoio dos governistas e críticas da oposição. O senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou que, mesmo sem conhecer o projeto em profundidade, já foi possível perceber que a proposta não cumpre a missão necessária.

"As primeiras avaliações mostram que o projeto não cumpre sua função, que deveria ser promover uma melhora no serviço público".

O senador Antonio Anastasia (PSD-MG) elogiou o governo. Segundo ele, foi acertada a decisão de deixar de fora os atuais servidores. "O primeiro passo para uma gestão moderna é termos um conjunto normativo que permita essa modernização. A administração não é estática. Em determinado momento, deve haver um freio de arrumação."

Lasier Martins (Podemos-RS) também defendeu a proposta. "É mais do que necessário fazer uma profunda reforma do Estado brasileiro, tanto para reduzir seu peso no bolso do contribuinte quanto para torná-lo eficiente e justo."

Para Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o projeto não vai reduzir o gasto público.

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