Por Rafaela Moreira, g1 MS — Mato Grosso do Sul


Escola estadual em MS — Foto: Lucas Lourenço/ G1 MS/Arquivo

O governo de Mato Grosso do Sul proibiu o uso de linguagem neutra nas instituições de ensino, documentos oficiais e confecções de materiais didáticos no estado, conforme publicado no Diário Oficial do Estado, do dia 30 de dezembro de 2021. A medida foi sancionada pelo governador Reinaldo Azambuja (PSDB).

O decreto estabelece que é obrigatória a utilização da norma culta da língua portuguesa, como forma de padronização do idioma oficial do país. Contudo, a norma não se aplica nos casos em que houver necessidade da utilização da língua indígena em ambiente escolar.

Na linguagem neutra, vogais "a" e "o" são geralmente substituídas por "e" ou "x". Como por exemplo, a palavra "todos", refere-se ao gênero masculino, mas grafada "todas" no feminino. Já no gênero neutro, ela pode ser escrita tanto como "todes" ou "todxs", que não são nem masculinas nem femininas.

A discussão sobre a validação do uso de pronomes neutros, que incluem o gênero não binário, não é de hoje, principalmente nas redes sociais e entre o público LGBTQIA+. Para o presidente da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, Henrique Medeiros, a mudança deve ser naturalizada com o passar dos anos.

“A neutralidade da linguagem é um assunto muito discutido, que só poderá ser resolvido com o andamento dos tempos, por meio da sequência social. Ainda temos graves problemas de intolerância, nem todo mundo aceita o gênero neutro, apenas com crescimento social poderemos entrar em um consenso”, avalia Medeiros.

O especialista destacou que a discussão sobre a neutralidade da linguagem representa, para uma parte da sociedade, a influência em crianças, mas a expectativa é que estas palavras entrem no vocabulário e se tornem comuns.

“Ao meu ver isso deveria ficar livre, é uma questão das pessoas terem o seu direito, não se pode introduzir a necessidade de utilizar ou não. No momento em que a gente vive, temos uma discussão profunda de conceitos pessoais, religiosos e formação educacional em questões que não cabem”, alega.

Projeto de lei

O projeto de lei para proibir o uso da linguagem neutra foi aprovado na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (Alems), no dia 8 de dezembro de 2021. A proposta é de autoria do deputado Márcio Fernandes (MBD), que, na justificativa, afirmou que as novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa contrariam às regras gramaticais consolidadas e nacionalmente ensinadas.

Para o parlamentar, usar pronomes neutros não ajudaria a combater o preconceito. "Sabemos que o preconceituoso não mudará seu comportamento por conta dessas alterações, já que a intolerância não tem a ver com a gramática, mas sim com o comportamento de cada um", declarou.

Conforme as determinações do projeto, a língua e suas regras gramaticais amadureceram ao longo de séculos, mas de modo lento e extensivamente refletido. “Não há como se falar em mudar toda uma estrutura de linguagem em um país onde a cada ano aumenta o número de crianças e adolescentes analfabetos”, diz a justificativa.

Discussão

Para o professor e doutor em ciências sociais, Tiago Duque, o indivíduo deve ser tratado pelo gênero com o qual se identifica, para que assim aconteça a inclusão. “Mato Grosso do Sul não produz políticas de inclusão, a linguagem neutra já faz parte da sociedade. Se idealizarmos um estado laico e inclusivo, essa medida é um retrocesso”, disse.

Em novembro do ano passado, após aprovação da lei que proíbe o uso da linguagem neutra nas escolas públicas e privadas de Rondônia, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) solicitou, com urgência, que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarasse a medida inconstitucional.

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Duque reitera que a linguagem se renova com o tempo, por isso o pronome neutro deve ser aceito, conforme o uso recorrente. “Esse decreto vem em um conjunto de outras iniciativas que são antidemocrática, que buscam dar visibilidade a ultraconservadores em torno de questões de gênero”, destaca.

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