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Governo cria comissão para inspecionar questões do Enem

Ideia é retirar da prova deste ano enunciados que o governo considere de viés 'ideológico'; iniciativa foi publicada no Diário Oficial da União nesta quarta-feira, dia 20
Candidatos entrando em universidade de Brasília para fazer a última prova do Enem, na edição 2018 Foto: Jorge William / Agência O Globo/11-11-2018
Candidatos entrando em universidade de Brasília para fazer a última prova do Enem, na edição 2018 Foto: Jorge William / Agência O Globo/11-11-2018

BRASÍLIA - O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia ligada ao Ministério da Educação (MEC), criou uma comissão para inspecionar as questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A informação foi publicada nesta quarta-feira, dia 20, no Diário Oficial da União.

A iniciativa, conforme revelou O GLOBO em fevereiro, consiste em fazer uma revisão das questões para retirar da prova deste ano enunciados que o governo considere de viés “ideológico”. Essa é a primeira vez que uma comissão como essa é criada para fiscalizar a prova.

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A comissão que fará esse pente-fino no exame será composta por Marco Antônio Barroso Faria, secretário de Regulação e Supervisão do MEC; Antônio Mauricio Castanheira, diretor de Estudos Educacionais do Inep; e Gilberto Callado de Oliveira, procurador de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina, que entrará como representante da sociedade civil.

A finalidade do grupo, segundo a portaria, é “realizar leitura transversal dos itens disponíveis no Banco Nacional de Itens (BNI) para a montagem das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) - edição 2018”.

Essa leitura transversal dos itens, ainda conforme a portaria, tem como objetivo “verificar a sua pertinência com a realidade social, de modo a assegurar um perfil consensual do Exame”.

Prazo de dez dias para avaliar prova

A portaria estabelece que os trabalhos da comissão sejam feitos em um prazo de dez dias, a contar da publicação do Diário Oficial da União. Os integrantes do grupo terão acesso a um espaço físico reservado e a informações privilegiadas. Eles trabalharão no Ambiente Físico Integrado Seguro, que fica na sede do Inep, em Brasília, onde ocorre todo o processo de montagem do Enem e de outros exames de responsabilidade da autarquia.

O ambiente é isolado, sendo acessado apenas por uso de digitais. O Inep argumenta que, por ter caráter sigiloso, não haverá publicação do relatório de trabalho sobre o processo. A portaria diz ainda que os membros da comissão assinaram um Termo de Compromisso de Confidencialidade e Sigilo e Declaração e, devido a isso, não poderão se pronunciar sobre a atividade

A comissão vai ler as questões para recomendá-las ou não antes da montagem da prova. A Direção de Avaliação da Educação Básica do Inep emitirá um parecer para cada questão vetada.

Caberá ao presidente do Inep, Marcus Vinícius Rodrigues, dar a palavra final em caso de discordância.

Questionado pelo Globo se a revisão de itens do Enem não seria uma espécie de censura, o MEC negou. Disse, repetindo trechos da portaria, que o objetivo da comissão é analisar as questões para verificar sua "pertinência com a realidade social, de modo a assegurar um perfil consensual do exame." Embora afirme que as questões considerada inadequadas não serão retiradas do Banco Nacional de Itens, elas não irão para o Enem.

Sobre os critérios de escolha dos membros do grupo de revisão, principalmente o integrante que representa a sociedade, restringiu-se a dizer que "os especialistas da comissão são nomes reconhecidos na área."

Qualidade do exame em risco

Para entrar no Banco Nacional de Itens, que fornece questões para Enem e outros exames aplicados pelo Inep, o enunciado passa por diversas fases. Primeiro, há um edital público voltado aos interessados em elaborar as questões, em geral as universidades. Depois, elas passam por revisão e um pré-teste, sendo aplicadas a uma população semelhante ao destinatário real da prova.

O item pré-testado passa também por uma análise técnica, para calibrar o grau de dificuldade, possibilidade de acerto ao acaso, entre outras questões. Só então fica disponível no Banco Nacional de Itens para ser efetivamente usado em avaliações educacionais do governo federal.

Educadores criticam a decisão do governo de criar  uma comissão para inspecionar os itens da prova. De acordo com eles, a medida coloca em risco a qualidade do exame e sua pluralidade. A presidente-executiva do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Anna Helena Altenfelder, manifestou preocupação sobre a iniciativa.

— O Enem é uma prova que é elaborada com uma lógica muito específica que requer conhecimento técnico muito grande. Toda questão da prova é testada, tirar uma delas ou mudar seu aspecto desconstrói toda a lógica do exame e faz com que a prova perca sua eficiência. Vejo isso com muita preocupação — analisou Altenfelder.— Isso pode até trazer problemas de judicialização da prova a partir do questionamento de sua validade. O senso comum pensa que elaborar o Enem é como fazer uma prova de escola e não é assim, é muito sofisticado e requer muito conhecimento especializado. É um perigo muito grande pessoas que não têm esse conhecimento se envolverem no processo.