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Governadores assumem mandatos com risco de crise das contas públicas

Estados enfrentam uma piora na arrecadação com a lei que estipulou um teto para a cobrança de ICMS em itens considerados essenciais. Perda pode chegar a R$ 125 bilhões em 12 meses

Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli
Foto do author Renée  Pereira
Por Luiz Guilherme Gerbelli e Renée Pereira

Sem um ajuste fiscal nos próximos anos, os Estados correm o risco de enfrentar uma nova crise das contas públicas. Os governadores reeleitos e os novos que tomam posse em 1º de janeiro vão assumir com uma incerteza grande em relação ao desempenho da arrecadação, sobretudo, depois da lei que estipulou um teto para a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) em itens considerados essenciais, como telecomunicação, combustível e energia elétrica.

O ICMS é o principal tributo arrecadatório dos governadores. Em julho, uma lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro impôs um limite entre 17% e 18% para a cobrança da alíquota do imposto - antes, ela chegava a superar 30%. Os governadores questionam a medida e trabalham para conseguir uma compensação em caso de queda de receita. Um grupo criado no Supremo Tribunal Federal (STF) tenta chegar a um acordo sobre o tema até o início do próximo mês. De acordo com o Comitê Nacional de Secretários da Fazenda dos Estados e Distrito Federal (Comsefaz), a perda aos cofres estaduais pode chegar a R$ 125 bilhões em 12 meses.

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Em 2023, uma reestruturação fiscal nas contas dos Estados já é dada como certa. Nas projeções do Itaú, o custo do ajuste deve chegar a R$ 70 bilhões, para que o resultado primário - aquele que não leva em conta o gasto com pagamento de juros - dos Estados fique em 0% do Produto Interno Bruto (PIB), num cenário em que a cobrança de ICMS não sofra alterações. Se nada for feito, os Estados colheriam um déficit de 0,7%. Em 2022, a previsão do banco é que os governadores entreguem um superávit de 0,5%.

“Os Estados vão perder receita pelo desempenho das commodities, pela desaceleração do crescimento econômico, pela lei do ICMS”, diz Pedro Schneider, economista do Itaú. “Com certeza alguns Estados vão sofrer mais do que os outros. Serão os Estados que têm um alto peso de arrecadação de energia, telecomunicação e combustível.”

O futuro das finanças estaduais preocupa, porque não faz muito tempo boa parte dos Estados enfrentou uma crise fiscal severa. Salários de servidores foram atrasados, pagamentos de fornecedores suspensos e obras deixaram de ser concluídas. Serviços públicos também foram afetados. Os Estados têm um papel importante na condução de políticas públicas, sobretudo nas áreas de educação, saúde e segurança pública.

“Tudo vai depender de como os Estados vão reagir à perda de ICMS, porque esse efeito vai ficar cada vez mais visível”, afirma Juliana Damasceno, economista da consultoria Tendências. “É possível que nesse período de início de mandato, chamado de lua de mel, haja uma tentativa por parte dos governos estaduais de recomporem a sua receita de ICMS por meio de novos tributos ou pela revisão de regimes especiais.”

Teto para alíquota de ICMS na cobrança de combustível prejudicou a arrecadação dos Estados Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Os números mais recentes já dão uma dimensão da perda provocada pela lei que limitou a alíquota de ICMS. Um levantamento da Instituição Fiscal Independente (IFI) mostra que a arrecadação com o tributo somou R$ 174,061 bilhões no terceiro trimestre deste ano, uma queda de 6,5% na comparação com o mesmo período do ano passado.

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“Não é uma situação dramática como a gente observou na última eleição, com vários Estados com dificuldade de pagamento, mas é um cenário que traz uma preocupação se nada for feito”, diz Vilma Pinto, diretora da IFI.

Melhora na arrecadação

Nos últimos anos, as contas estaduais foram beneficiadas por uma conjuntura inédita. Por causa da pandemia de coronavírus, a União realizou transferências bilionárias para o caixa dos Estados e houve a proibição do reajuste dos salários dos servidores em 2020 e 2021. Os governadores também foram ajudados pela reabertura da economia, depois de superada a pior fase da crise sanitária, o que aumentou a arrecadação do ICMS, e pela alta nos preços das commodities.

“Não adianta achar que, pelo fato de os caixas estarem mais cheios, há uma capacidade de assumir mais gastos. Na verdade, constitucionalmente, parte disso está comprometida e vinculada, como é o caso de gasto com saúde e educação”, diz Juliana.

Para o Comsefaz, a breve melhora dos índices em 2020 e 2021 deve ser vista com cautela, pois são resultados apenas “ilusórios que não se sustentarão ao longo dos próximos anos”. O comitê argumenta que o efeito da inflação poderá mascarar ainda mais a situação. Isso porque a correção inflacionária eleva a arrecadação enquanto os reajustes das despesas são mais espaçados. “Esse descompasso temporal gera uma falsa sensação de aumento das receitas públicas.”

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Outro ponto é que, apesar das mudanças do ICMS, o Congresso Nacional aprovou uma série de medidas para melhorar a qualidade dos serviços públicos, como o Novo Fundeb, o Piso Nacional da Enfermagem. Grande parte dessas responsabilidades é dos entes subnacionais. “O Fundeb, por exemplo, é financiado majoritariamente pelo ICMS. A equação não fecha, não é possível garantir sequer a manutenção quanto mais a melhoria dos serviços públicos”, afirma o Comsefaz.

O que dizem os Estados

Para os governadores, a continuidade da lei como está, sem medidas compensatórias estruturais, poderá inviabilizar a administração dos Estados e municípios, ameaçando a manutenção dos serviços públicos e a responsabilidade fiscal. O secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, Leonardo Busatto, diz que só neste ano a perda de ICMS foi de R$ 2 bilhões. O resultado, diz ele, obrigou a administração pública a rever novos serviços e investimentos.

Em 2023, o cenário é mais preocupante, pois a pressão será maior. “Se não houver mudança ou compensação, teremos uma situação deficitária. No orçamento do próximo ano, o secretário afirma que a previsão é de um déficit de R$ 3,7 bilhões. Com isso, novos investimentos foram cortados e mantidos apenas aqueles que estão em andamento. “Também não incluímos nenhuma reposição dos salários dos servidores nem expansão de serviços públicos.”

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O Estado do Rio de Janeiro ainda que ainda analisa quais são os reflexos da perda de arrecadação de ICMS no Estado de agosto a outubro - nos cálculos da IFI, a perda para os cofres fluminense foi de 13,2% no terceiro trimestre.

A Secretaria de Fazenda do Estado diz ter “recursos garantidos para manter suas atividades normalmente, viabilizando a prestação dos serviços públicos e os pagamentos em dia a servidores e fornecedores, em razão das medidas adotadas para o ingresso no Regime de Recuperação Fiscal.”

O secretário da Fazenda de Minas Gerais, Gustavo Barbosa, diz que a mudança no ICMS ocorreu num momento em que o Estado estava em franca recuperação. De janeiro a junho, as receitas haviam crescido 5,5% frente a Lei Orçamentária e 16,8% em relação a 2021. Mas, com as alterações, entre julho e outubro, tivemos uma redução de 5,4% e 4,2%, respectivamente.

“Depois de nove anos, em 2021 tivemos um equilíbrio nas contas. Em 2017, o déficit foi de R$ 13 bilhões e conseguimos equilibrar isso no ano passado. Neste ano, ainda vamos conseguir manter o resultado por causa dos números do primeiro semestre e pela compensação do não pagamento da dívida.”

Mas, como no caso do Rio Grande do Sul, a preocupação é com o próximo ano. Mantido o quadro atual, a expectativa é de um déficit de R$ 3,5 bilhões. O secretário já prevê dificuldade para manter, por exemplo, a malha rodoviárias com as obras em dia. “Nossa alíquota de ICMS foi reduzida de 31% para 18%. É um peso grande nas nossas contas já que o imposto sobre combustível corresponde a 21% da arrecadação do Estado.”, afirma Barbosa.