Por Fabrício Araújo, G1 RR — Boa Vista


Nova lei foi sancionada por governador; advogado diz que texto é incompatível com texto de lei de autoria de Mecias de Jesus (PRB) — Foto: Divulgação/Secom

O governador Antonio Denarium (PSL) sancionou uma lei que prevê a valorização da mulher e o combate ao machismo em escolas públicas de Roraima. O texto foi publicado no Diário Oficial do Estado dessa quinta-feira (1º).

A Lei 1.322/19, de autoria do deputado estadual Renan Filho (PRB), aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR), propõe uma campanha permanente de combate ao machismo. Para isto, professores e equipes pedagógicas passarão por capacitações.

Um trecho da lei cita que um dos objetivos é "reprimir atos de agressão, discriminação, humilhação, diferenciação, a partir da perspectiva de gênero, e qualquer outro comportamento de intimidação, constrangimento ou violência contra as mulheres".

A norma também prevê que deve ser incluído no regimento escolar regras que coíbam práticas em que mulheres são discriminadas, diferenciadas ou diminuídas em razão de gênero. Nesse contexto, a rede estadual deve realizar debates e reflexões sobre o tema.

Cada escola deverá ser responsável por planejar ações de combate ao machismo, "incluindo a semana de combate à opressão de gênero e valorização das mulheres, no âmbito de seu calendário de atividades escolares, com o objetivo de efetivas medidas previstas na Campanha Permanente de Combate ao Machismo e Valorização das Mulheres.

Lei proíbe 'ideologia de gênero nas escolas'

Na avaliação do advogado André Montenegro, esta nova lei possui conteúdo incompatível com a Lei nº 1.245, de autoria de Mecias de Jesus (PRB) e sancionada pela ex-governadora Suely Campos (PP), que proíbe discussões sobre gênero em escolas de Roraima.

"Há um conflito entre as leis. Com a sanção da nova lei, que é muito mais clara e ampla, ela revoga a lei anterior. Mesmo que não esteja escrito de forma expressa, pode-se resumir a revogação, porque são totalmente incompatíveis e porque regula toda a matéria sobre educação de gênero nas escolas", explicou o Montenegro.

Ele explicou que trata-se de uma revogação tácita, que ocorre em casos de incompatibilidade entre uma nova lei e outra que já existia. Mas o advogado afirmou que no futuro pode haver conflitos causados pelas divergências das duas normas estaduais.

"Vamos supor que um colégio comece um novo projeto social voltado para igualdade de gênero e pais questionem evocando a lei anterior, daí começamos a ver conflitos sociais envolvidos. Caso isto seja levado ao judiciário, ele deve fazer uma interpretação das leis", pontuou Montenegro.

O governo, no entanto, entende que a lei de valorização da mulher não afeta o objeto da lei anterior. "Pelo contrário, se complementam com o foco na valorização sobre o tema", defendeu o governo do estado.

'É preciso educar', avalia socióloga

A socióloga Andréa Vasconcelos, do Nucleo de Mulheres de Roraima (Numur), avaliou que a lei é positiva, uma vez que uma pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a pedido do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), revelou que 93,5% dos entrevistados (estudantes, pais e professores) têm preconceito de gênero.

"Trazer o tema do machismo colado com o tema da violência contra as mulheres foi acertado, pois uma das piores consequências do machismo é o sentimento de posse, de propriedade que muitos homens ainda têm sobre suas namoradas, companheiras, ex-companheiras", disse.

Andréa disse ainda que a teoria de gênero é ampla, contempla diversas áreas de estudo, por isso não a discussão não pode ser resumida ao campo da sexualidade. "É preciso educar para o fim da violência contra meninas e mulheres".

"Não podemos acreditar na narrativa distorcida da chamada "ideologia de gênero", que confunde as pessoas, fazendo-as a acreditar que é possível ensinar ou impor determinada orientação sexual. Nenhuma produção científica reconhece essa narrativa", afirmou.

Professores proibidos de usar o termo 'gênero'

No início do mês de junho, professores da escola estadual Gonçalves Dias, localizada no bairro Canarinho, zona Leste de Boa Vista, foram proibidos de usar o termo "gênero" no tema de um show de talentos que ocorre anualmente na instituição.

Uso das cores também foi uma forma de responder a frase da ministra Damares Alves: "menino veste azul e menina veste rosa" — Foto: Arquivo pessoal

O tema seria "A Arte Não Define Gêneros" e foi escolhido pelos próprios alunos. Dois pais procuraram a gestão da escola para questionar a escolha da palavra e a gestão impôs a retirada do termo palavra para que o festival fosse realizado.

Os professores alegaram que não havia nada de errado e se recusaram a trocar a palavra. Diante da proibição, alunos protestaram na escola em defesa dos professores e da escolha do termo gênero. Na ocasião, meninas usaram azul e meninos rosa.

Conquista do voto feminino no calendário estadual

Na mesma edição do DOERR dessa quinta, Denarium sancionou a Lei nº 1323/19, que inclui o Dia Estadual da Conquista do Voto Feminino no Brasil no Calendário Oficial de Roraima.

A norma visa a realização de eventos alusivos a conquista do voto feminino no país, "como símbolo de cidadania e democracia".

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