Goiás e Paraná devolvem livro criticado por bolsonaristas às escolas

Os governos de Goiás e do Paraná vão devolver para as escolas o livro "O Avesso da Pele", censurado no mês passado após críticas de bolsonaristas.

O que aconteceu

A Secretaria da Educação goiana afirmou que a obra passou por uma análise após "reclamações" das famílias de alunos, segundo ofício ao qual o UOL teve acesso. "Após a identificação de que a obra era destinada ao ensino médio, eles passaram a compor o acervo da biblioteca destinado a esse público", diz o documento.

Já o governo do Paraná afirmou que a devolução dos livros às escolas está em processo "de análise e orientações". "A devolução às escolas deve ser realizada até o fim do mês de abril", diz nota enviada à reportagem. Em resposta à Justiça, a secretaria informou também sobre o processo de inclusão da obra no acervo escolar.

As advogadas da editora HSF entraram com mandado de segurança contra o recolhimento dos livros. A decisão de devolver as obras aconteceu após os estados serem intimados a prestarem mais informações à Justiça.

Paraná foi o primeiro estado a mandar recolher o livro, Goiás seguiu na sequência. Os estados são comandados por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Ratinho Júnior (PSD) e Ronaldo Caiado (União Brasil), respectivamente. O UOL procurou a secretaria de Goiás na manhã desta sexta, mas não teve retorno.

Os estados informaram, na época, que decidiram retirar os livros das escolas para realizar uma "análise necessária". Eles citaram "expressões, jargões e descrições de cenas de sexo explícito" apresentados no texto.

A obra, entretanto, passou pela análise de mestres, doutores, professores e especialistas do MEC (Ministério da Educação) antes de serem oferecidas às escolas. Só depois disso, ela foi incluída no PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) do governo federal — o que ocorreu durante a gestão de Bolsonaro. O título foi aprovado para ser usado pelos alunos do ensino médio.

Assim como determina as regras do PNLD, o título foi escolhido pelos professores e gestores das escolas. Além dele, mais de 500 outras obras literárias foram apresentadas aos colégios no momento da seleção.

As ordens de recolhimento da obra determinadas pelas secretarias de Educação do Paraná e de Goiás são evidentemente ilegais, uma vez que nenhuma delas possui competência para avaliar um livro do PNLD, mas é tranquilizador que isso tenha sido rapidamente revisto.
Tais Gasparian, advogada da editora HSF

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É importante destacar que não houve qualquer censura ou cerceamento da autonomia das unidades escolares, ou retirada da obra por cunho preconceituoso, mas sim para a apropriação na íntegra da obra e restituição na sequência, o que inclusive encontra-se em processo.
Trecho de documento da Educação do Paraná enviado à Justiça

Relembre o caso

Vencedor do Prêmio Jabuti em 2021, o livro é do escritor e professor Jeferson Tenório, colunista do UOL. Na obra, o autor retrata a história de um jovem negro que teve o pai, um professor de literatura também negro, morto pela polícia em Porto Alegre — o racismo e a violência são temas centrais da narrativa.

As críticas ao livro começaram após a publicação, em redes sociais, de uma diretora de uma escola do Rio Grande do Sul. Ela afirmou que a obra apresenta "vocabulários de tão baixo nível para serem trabalhados com estudantes do ensino médio". Na época, o governo de Eduardo Leite (PSDB) disse que não orientou pela retirada do livro.

O título obra faz parte também das obras literárias abordadas no vestibular do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), considerado o mais difícil do país. Depois da polêmica, ele passou a ser incluído como obra obrigatória no vestibular da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Deputados chegaram a pediram investigação ao MPF (Ministério Público Federal) da ação tomada pelos estados. Eles afirmaram que a decisão era uma "medida antidemocrática".

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São atos violentos e que remontam dias sombrios do regime militar. Inaceitável uma atitude antidemocrática como essa em pleno 2024. Não vamos aceitar qualquer tipo de censura.
Jeferson Tenório, escritor e colunista do UOL, em março de 2024

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