Economia

Geração Z chega ao mercado de trabalho e muda vínculos

Oferecer o que eles querem não significa dar margem a um comportamento mimado
Grupo de pessoas nascidas entre 1995 e 2000 estão entrando agora no mercado de trabalho Foto: Pixabay
Grupo de pessoas nascidas entre 1995 e 2000 estão entrando agora no mercado de trabalho Foto: Pixabay

RIO - Altamente conectados, inovadores, criativos, ágeis e engajados. Mas também ansiosos e com uma boa dose de resistência à hierarquias e críticas. Abertos à diversidade e preocupados com a sustentabilidade, não aceitam ofertas que consideram ruins apenas pelo dinheiro, dando mais valor ao propósito de onde vão trabalhar do que a posições altas na empresa. Preferem horário flexíveis. E, ainda, estão mais propensos a ser empreendedores e criar relações de trabalho cada vez mais virtuais.

Talvez você não se encaixe em nenhuma das definições acima. Mas não se preocupe, pois esse é o perfil do profissional do futuro, que já começa a fazer parte de indústrias, escritórios e agências por todo mundo. Essas características são comuns — embora não definitivas — da chamada Geração Z (ou Gen Z), um grupo de pessoas nascidas entre 1995 e 2000 e que, agora, estão entrando no mercado de trabalho.

— A Geração Z é ligada socialmente por meio dos meios eletrônicos, quer resolver tudo rápido, leva inovação às empresas e busca, constantemente, melhores desafios na carreira. Eles prezam por um ambiente dinâmico para trabalhar, com crescimento profissional acelerado e liberdade para falar de igual para igual entre todos de uma equipe, e preferem jornadas flexíveis — define a gerente de RH da UniCarioca, Cristina Telles, que destaca também o grande potencial deles para a criação e a inovação.

AVESSOS A CRÍTICAS

Em contrapartida, outro traço desse grupo recém-chegado ao mercado é a dificuldade de aceitar críticas.

Outra característica dos “Gen Z” é que, por serem de uma geração que já nasceu dentro de um universo digital, com acesso rápido às informações, podem ter dificuldades para desenvolver um raciocínio analítico e mais profundo, além de trazerem um comportamento mais individualista.

O coordenador do curso Master em Liderança e Gestão de Pessoas da Fundação Getulio Vargas (FGV) e coordenador do módulo de Liderança e Alto Desempenho do Programa CEO FGV, João Brandão, corrobora que é uma geração engajada, ágil na busca por informações e com resistência às críticas.

— Uma característica boa dessa geração é saber conciliar bem o trabalho e o lazer e, se a empresa souber valorizar seu perfil inovador, pode ser bem produtiva. Por outro lado, se levar uma dura, não sabe o que fazer, pois não tem muito amadurecimento emocional, e não sabe lidar com barreiras — diz o professor.

Outra marca dessa nova juventude, aponta o professor, é a vontade de ser protagonista:

— De uma forma geral, esse jovem quer dar opinião e se manifestar. Ele tem uma consciência social e econômica, valoriza o que é sustentável, e se preocupa em fazer parte da mudança daquilo que acredita para o mundo. E tende contra o capitalismo, preferindo estar em um lugar com qual se identifica com o propósito da empresa e do que a faz ganhar mais, por exemplo — completa

Há duas outras peculiaridades dessa Geração Z. Uma é a propensão para empreender mais. Outra, que apreciam o trabalho remoto e em poder administrar o próprio tempo. Essas duas características trazem novas relações de trabalho e reflete em todo o mercado. O home office , por exemplo, que era uma exceção, passa a ser cada vez mais aceito, levando, inclusive, os empregadores a pensarem em novas formas de monitoramento.

Trabalhar sem espaço físico, remotamente, é outro modelo que deve ser cada vez mais aceito, assim como o jovens empreendedores, chefes de si mesmo, que entregam demandas e não cumprem horários fixos.

Segundo Luis Testa, diretor da Catho, há uma tendência cada vez maior de as pessoas trabalharem por demanda e remotas, com vínculos diferentes dos tradicionais.

— Essa geração está acostumada a se relacionar entre si e com sua família virtualmente, e não fisicamente. As empresas estão vendo isso cada vez mais e se estruturando para oferecer o trabalho remoto — afirma Testa.

De acordo com os especialistas, não devem haver muitos conflitos entre as gerações Z e Y, até porque a diferença é pequena, de cerca de 10 anos.

Entretanto, a postura frente às chefias deve mudar. Segundo o professor Brandão, diferentemente das gerações anteriores, que respeitavam a hierarquia sem questionamento, essa é uma geração que, assim como busca identidade em sua função, quer servir quem admira e acredita que o chefe deve conquistar seu respeito.

— A geração X, como a do pós-guerra, é aquela que lutou muito e aguentou trabalhos nem tão bons para dar melhor vida aos filhos, além de vestir a camisa e ser mais obediente aos superiores. Já a Y, nascida nos anos 80, deu valor ao status, a cargos de liderança e a dinheiro, mas não aceitava tudo, embora respeitasse as hierarquias. A geração Z, por sua vez, busca a satisfação. Ela pode trabalhar 14 horas do dia, mas precisa estar engajada. Querem se envolver em um trabalho em que acreditam e ter sua submissão conquistada — resume Manoela Costa, gerente executiva da Page Talent, especialista de recrutamento de trainee e estágio.

SEM VESTIR A CAMISA

Os líderes têm o desafio de conquistar essa geração. Testemunhas, muitas vezes, de histórias de seus antepassados (que vestiram a camisa da empresa e foram demitidos nas crises), esse jovens passam a se envolver mais com o propósito do trabalho do que com o fato de estar empregado e com a instituição em si.

Para Brandão, o chefe tem um papel importante para ajudar no amadurecimento dessa nova geração.

— Cabe às gerações X e Y ensinar para que eles podem amadurecer. O líder vai ter um papel de amigo e professor.

Manoela acrescenta que são jovens que se dedicam e se esforçam, mas não têm uma ligação emocional tão grande como antigamente. Eles vão ter apego à carreira e ao estilo de vida, explica.

— Esse jovem busca algo que o motive e com o que se identifique. Se houver condições financeiras e estiver insatisfeito, vai mudar de emprego com muito mais desprendimento — afirma o professor.

Com um comportamento mais questionador e seletivo, prezando outros valores que não a liderança e a estabilidade, como nas gerações Y (de 1980 a 1995) e X (1960 a 1980), respectivamente, fica mais difícil para as empresas segurarem esse novo profissional que começa a entrar para o mercado de trabalho.

Para João Brandão, da FGV, futuramente isso deve levar as empresas a buscarem ser mais motivantes.

— É uma geração que se posiciona com mais força, que leva as empresas a se esforçar mais em oferecer um ambiente agradável, muito além de ter apenas bons salários.

Entretanto, oferecer o que essa Geração Z deseja não significa dar margem a um comportamento mimado de não aceitar, por exemplo, cumprir horário e metas, ou respeitar as regras da empresa, assim como seus superiores.

Trata-se de um encontro de interesses. A empresa quer a inovação, a agilidade e o talento desse jovem, que, por sua vez, busca um ambiente agradável para trabalhar, onde possa ter flexilidade nos horários, falar de igual para igual com todos e acreditar que pode ajudar a mudar o mundo.

O que muitos acabam confundindo é ter uma boa qualidade de vida e trabalho com não ter que fazer atividade enfadonhas, explica Manoela Costa, gerente executiva da Page Talent, especialista de recrutamento de trainee e estágio.

— Respeito, empatia e educação são coisas que não mudam, independentemente de gerações, e vão premiar todas as relações. Se esse jovem ficar sentado esperando uma boa oportunidade que se adeque a ele, vai ver que o mercado não retém. Por outro lado, a empresa tem que repensar no que esse novo profissional busca, pois é uma geração que se valoriza muito e tem outros objetivos — pontua Manoela.

De acordo com Brandão e Manoela, a tendência é um ajuste natural das empresas, para não perder seus talentos, e dos jovens, para não ficar parados.

Nesse equilíbrio, claro, outros aspectos devem ser considerados, como diferenças regionais e sociais. Um jovem que realmente precisa trabalhar para ajudar a família, seja qual for a geração, vai estar mais aberto às oportunidades do que aqueles com pais bancando as contas.

UM GAME NO PROCESSO SELETIVO

As formas de recrutar também estão mudando, segundo Fernanda Capriotti, gerente de recrutamento, seleção e diversidade do Via Varejo, que faz parte do GPA e administra as marcas Ponto Frio e Casas Bahia.

O GPA, composto também por Pão de Açúcar, Extra e Assaí, lançou nesse mês uma ferramenta para que os jovens possam buscar emprego via celular. O aplicativo é um game que o interessado na vaga de jovem aprendiz deve baixar em seu celular e jogar. Por meio do jogo, serão avaliadas as suas habilidades, comportamento e hábitos. A ideia é esta seja a primeira etapa do processo seletivo, para fazer a combinação de cada jovem com as vagas oferecidas.