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Gargalo na educação infantil: faltam vagas para crianças de 0 a 3 anos em Niterói

Especialista diz que lei é descumprida; Prefeitura de Niterói nega, embora não dê números

Creche. Fachada da Umei Geraldo Bezerra de Menezes, em Santa Rosa, uma das que atende crianças até 3 anos
Foto: Fábio Guimarães / Fábio Guimarães
Creche. Fachada da Umei Geraldo Bezerra de Menezes, em Santa Rosa, uma das que atende crianças até 3 anos Foto: Fábio Guimarães / Fábio Guimarães

NITERÓI - O percentual de vagas na rede municipal de ensino destinadas a crianças de 0 a 3 anos está abaixo do que prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que determina que pelo menos 50% das crianças nessa faixa etária tenham matrículas garantidas. A afirmação é do professor da pós-graduação em Educação da UFRRJ e pesquisador da área de políticas públicas, Rodrigo Lamosa, que estuda a educação na cidade. O prefeito Rodrigo Neves diz que cumpre a meta, apesar de a prefeitura não revelar o número de crianças atendidas nesse grupo. De acordo com o último Censo Escolar, de 2016, do total de crianças de 0 a 3 anos matriculadas, 2.278 foram atendidas pela rede municipal (36%) e 4.062 pela particular (64%). Em 2010, segundo o Censo Demográfico do IBGE, havia 23.677 crianças de 0 a 4 anos em Niterói.

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Rodrigo Lamosa diz que a cidade está na contramão da média nacional quando o assunto é distribuição de vagas para crianças de 0 a 3 anos. No Brasil, 70% delas estão na rede pública e 30%, na privada.

— Há um histórico aqui de reserva de vagas para a rede privada. É por isso que hoje, numa condição de crise, a rede pública não consegue atender à demanda. É uma lógica de que a escola não é universal, de que, se você pode pagar, não tem direito à educação pública — argumenta o professor, que está desenvolvendo no Laboratório de Investigação Estado, com o colega Regis Arguelles, uma pesquisa interinstitucional denominada “Os donos da educação em Niterói”.

Contramão da média nacional

Lamosa, que é niteroiense, afirma, ainda, que a prefeitura também não está cumprindo a meta do Plano Nacional de Educação que previa universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para crianças de 4 a 5 anos.

— A pré-escola está longe de se universalizar e não há qualquer perspectiva de chegarmos aos 50% de matrículas nas creches nos próximos anos. A administração pública trabalha com uma visão muito atrasada sobre o atendimento de 0 a 3 anos. O processo de socialização nessa faixa etária é fundamental, sem falar que as realidades familiares são outras, e as mães precisam trabalhar. Outra questão que não tratam com veracidade é quando dizem que estão priorizando a faixa etária de 4 a 6, como “manda a lei”. Em 2016, foram 10.099 alunos matriculados em Niterói, sendo 3.984 (39%) em escolas municipais — detalha.

Pelo segundo ano consecutivo, Letícia Silva, moradora de Itaipu, não conseguiu vaga para sua filha. Só foram oferecidas vagas em unidades no Fonseca e no Largo da Batalha, embora a lei determine que elas sejam perto de casa. Letícia faz doces desde que a menina nasceu e conta que já perdeu duas oportunidades de emprego por não ter com quem deixá-la.

— Este ano é o segundo de tentativa frustrada de conseguir uma vaga na rede pública. Minha filha vai completar 3 anos e perdeu a oportunidade de se desenvolver e aprender mais por conta de vagas limitadas. Direito que deveria ser de todas as crianças — lamenta Letícia.

Situação semelhante é a da recepcionista Isabela Bruno, moradora do Fonseca. Como não conseguiu vaga para seu filho pelo segundo ano, ela precisou matriculá-lo num colégio particular, por meio período, mesmo sem condições de pagar.

— Faço um esforço danado para pagar a creche sozinha e, a mensalidade, somada ao que pago para a moça que olha meu filho no turno da manhã, quando eu saio para trabalhar, leva o meu salário quase todo. Se ele ficasse numa creche do município em período integral, muitos problemas seriam resolvidos — diz Isabela.

Baseados na Constituição Federal, que prevê que toda criança tem direito ao acesso à educação, órgãos como Defensoria Pública, Ministério Público e Conselhos Tutelares vêm conseguindo a garantia das vagas através de ações judiciais. No entanto, como muitas famílias desconhecem seus direitos, uma grande quantidade de crianças acaba fora da escola.

— Quem não conseguiu a vaga pode procurar a Defensoria para instaurar uma ação individual. A juíza da Vara da Infância normalmente concede — destaca a defensora pública estadual Simone Gusmão, que atende na Rodoviária de Niterói.

Moradores da Região Oceânica devem procurar a sede da Defensoria no Fórum do Largo da Batalha.

Prefeitura diz que cumpre a lei

Questionado sobre as medidas que está tomando para resolver o gargalo na educação infantil no que diz respeito às crianças de 0 a 3 anos, o prefeito Rodrigo Neves disse que cumpre os 50% que propõem a legislação:

— Quem quiser pode entrar na Justiça. Nosso objetivo é chegar a todas as famílias, mas a realidade é que o desemprego na classe média produz uma demanda crescente pela educação pública. Vamos continuar a ampliar a oferta de vagas e entregar duas escolas de educação infantil este ano, mas, hoje, o que a lei determina nós cumprimos — garantiu o prefeito.

Em nota, a prefeitura diz que, a partir de março, as vagas remanescentes serão disponibilizadas diretamente nas escolas da rede. “Após esse período, serão contemplados alunos de 3 anos nas vagas não preenchidas”, diz.

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