Por Samantha Rufino, g1 RR — Boa Vista


Mulheres de Roraima falam sobre protagonismo na luta indígena — Foto: Samantha Rufino/g1 RR/Ricardo Stuckert

São algumas décadas que separam o início das histórias de Carla Jarraira, de 22 anos, Joenia Wapichana, de 49 anos, e Elinha Maria de Souza, de 63 anos. Apesar disso, elas se cruzam em um só objetivo: a participação feminina na luta indígena.

Nesta quarta-feira, 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o g1 mostra a história das três indígenas que reúnem o futuro, presente e passado do ativismo indígena.

Hoje, além de participar do movimento em luta por garantia de direitos, as mulheres integram as próprias assembleias para tratar demandas relacionadas à luta feminina.

Futuro

Carla Jarraira, estudante de direito e liderança indígena da juventude — Foto: Samantha Rufino/g1 RR

Mais nova entre as três, a estudante de direito da Universidade Federal de Roraima (UFRR) Carla Jarraira, da Comunidade Bismarck, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, define a participação das mulheres no ativismo indígena como sinal de “força e singeleza”.

A estudante do povo Macuxi assumiu aos 17 anos o primeiro cargo no movimento indígena: a coordenação regional da juventude da Raposa Serra do Sol. Como coordenadora, ela liderou jovens de 52 comunidades da região.

"Existem muitas barreiras, em dizer que as mulheres não têm a capacidade de liderar. Pelo contrário, eu creio que pela força e singeleza ao mesmo tempo, ela consegue equilibrar. A mulher é o equilíbrio, as mulheres não estão para caminhar à frente dos tuxauas, mas para caminhar ao lado", comentou.

O interesse em participar do ativismo indígena surgiu ainda na infância, quando ela acompanhou a luta pela demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Foram quase 30 anos até a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pela homologação e demarcação, que ocorreu em 2008.

No período, uma das protagonistas da luta pela Raposa foi Joenia Wapichana, atual presidente da Funai. À época, ela foi a primeira advogada indígena da história a se pronunciar no plenário do STF, o que inspirou Carla a seguir a carreira no direito.

"Quando eu falo de Joenia Wapichana, eu falo de inspiração, também por conta da luta que meu povo vem enfrentando, eu tinha um sonho de me tornar advogada. [...] Quando eu olhava aquela mulher aguerrida, eu falava assim 'vou estudar para defender meu povo'. Hoje eu sou acadêmica em direito e pretendo voltar [Terra Indígena] e atuar em defesa do meu povo, do coletivo", explicou.

Presente

Joenia Wapichana em cerimônia da Pimenta nos Olhos — Foto: Samantha Rufino/g1 RR

Fruto da luta pela terra, Joenia Wapichana, além de inspiração para meninas e mulheres, agora ocupa um dos cargos mais importantes para os povos indígenas: a presidência da Funai. Mas, para ela, o protagonismo das mulheres vai além dos cargos de representação.

“Muitas vezes elas podem nem aparecer nas reuniões, mas lá na comunidade são responsáveis pela educação de outras lideranças, nos manejos dos principais recursos naturais, elas são as promotoras da cultura, pela passagem do conhecimento”, explicou.

Roraimense nascida em comunidade indígena Truaru da Cabeceira, zona Rural de Boa Vista, Joenia Batista de Carvalho, que se apresenta como Joenia Wapichana, nome do seu povo, é defensora dos povos originários do Brasil e a primeira mulher indígena a comandar a Funai e a primeira deputada federal indígena.

Ela também foi a primeira mulher indígena a se formar em direito no Brasil, em 1997, pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). Devido ao pioneirismo, Joenia enxerga o protagonismo feminino como uma grande responsabilidade.

"As mulheres têm uma visão muito ampla, solidária, responsável, compromissada e preocupada com sua imagem porque sabe que tem outras meninas se inspirando por ela. É uma responsabilidade tanto a frente de algum cargo, mas também com a futura geração que está enxergando, olhando para ela, o que ela vai fazer".

Em Roraima, a Funai também passou a ter o protagonismo feminino e indígena. Marizete Macuxi, de 42 anos, tomou posse na última segunda-feira (6), na semana em que é comemorado o dia internacional da mulher.

Ela é a primeira indígena a ocupar o cargo e foi indicada pelo próprio movimento indígena durante a I Assembleia unificada da saúde e educação indígena. Marizete é da comunidade Maturuca, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, formada em Gestão Territorial Indígena pela Universidade Federal de Roraima.

Outra conquista a nível nacional é o inédito Ministério dos Povos Indígenas comandado por um uma mulher. Sônia Guajajara entrou para a história ao se tornar a primeira indígena a chefiar um ministério.

Passado

Elinha Macuxi, da comunidade Maturuca, fala sobre a participação das mulheres na luta indígena — Foto: Samantha Rufino/g1 RR

Elinha Maria de Souza, de 63 anos, é coordenadora regional das mulheres na região das Serras e participa da luta indígena feminina desde 1998. Macuxi da comunidade Maturuca, ela afirma que nem sempre foi fácil acessar os espaços de liderança.

À época, em meio a demarcação da Raposa Serra do Sol, as mulheres indígenas lutaram principalmente contra a entrada de bebidas alcoólicas nas comunidades. Além disso, precisaram enfrentar outro obstáculo: o machismo.

"Teve muito isso [machismo] no início. Tinham os esposos que não deixavam suas esposas participarem, mas isso a gente conquistou também, os homens foram entendendo, alguns ainda são machistas, mas a maioria dos homens já entendem o que a gente quer. O bom também é essa conquista de dominar nossas escolhas para eles entenderem o que a gente quer", comentou.

Elinha Maria afirma que agora a luta continua, mas em busca da preservação do meio ambiente e dos direitos dos povos originários.

"Está bem forte o nosso movimento, nós conseguimos conquistar e hoje os homens acreditam no que nós queríamos. Estamos aliados juntos em um só objetivo, buscando nossos direitos mesmo da vida e pros nossos filhos e pros nossos netos futuramente lutarem. Batalhamos para hoje estarmos organizados", disse.

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