'Futuro do Brasil será decidido nas salas de aula', diz Eduardo Giannetti - PORVIR
Crédito: Oxidany/Globo

Inovações em Educação

‘Futuro do Brasil será decidido nas salas de aula do país’, afirma Eduardo Giannetti

Economista reconhece o valor dos professores e aposta na transformação da educação brasileira

por Ana Luísa D'Maschio ilustração relógio 12 de julho de 2022

Nem nos gabinetes ministeriais, nas reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) ou nos debates sobre as reservas de pré-sal. Para o economista Eduardo Giannetti, o futuro do Brasil vai ser decidido nas “milhares de salas de aula espalhadas pelo nosso imenso país”.

Ao encerrar as palestras do Festival LED – Luz na Educação, promovido pela Globo e Fundação Roberto Marinho entre os dias 8 e 9 de julho, no Rio de Janeiro (RJ), o especialista traçou um panorama histórico da educação brasileira, abordando perspectivas para que se alcance um patamar “com o qual todos sonhamos”. 

Escritor eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras pela referência em temas como filosofia e ética, Eduardo trouxe, de início, a questão da universalização do ensino básico no Brasil, que garante o acesso de todas as crianças de 7 a 14 anos na escola. Trata-se de uma medida recente, do final do século 20. O país levou um século a mais do que os Estados Unidos para colocar esse direito como obrigação em lei, ele critica. 

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“Universalizamos nominalmente, e não realmente”, reforça o economista. “Infelizmente, muitas das crianças e jovens que terminam o fundamental 1 e 2 não adquiriram durante o processo educacional os conhecimentos, as competências e as habilidades correspondentes a esse grau acadêmico. As pesquisas mostram que uma parte dos alunos que terminam o fundamental e o médio são analfabetos funcionais e não têm a mínima proficiência, em leitura, em matemática e em ciência.” 

Para Eduardo, trata-se de um problema grave, que não se pode escamotear. “Nós temos muitos alunos entrando no ensino superior no Brasil que sequer de fato tem, para valer, o ensino médio. São credenciais educacionais sem lastro. É diploma pintado, não é diploma real que corresponde à aquisição de capacitação”, ressalta. 

Ainda no universo da juventude, ele destacou que, entre os 20 milhões de jovens entre 18 e 24 anos, 6 milhões não completaram o ensino médio e 4 milhões estão desempregados. Ou seja: metade desses 20 milhões está completamente alijada do mercado de trabalho, por falta de preparo, por falta de capacitação, por falta de oportunidade. Não por culpa própria, mas por um sistema que não lhes deu na entrada um mínimo de condição de desenvolver o seu potencial humano. Isso cria um problema enorme porque essas pessoas quase que inevitavelmente vão depender ao longo do ciclo de vida de algum tipo de transferência de renda, porque sua capacidade de geração de renda e de inserção no mercado de trabalho é muito reduzida”, comenta Eduardo. “É um desperdício econômico e humano sem tamanho.”

Desigualdade social e histórica

Um estudo de Harvard comparou os 10% da elite educacional brasileira com os 10% dos estudantes mais pobres da Coreia do Sul, Alemanha e Japão. Em matemática, relacionados os dois cenários, os brasileiros estão abaixo da proficiência. “A elite brasileira está defasada e eu não estou falando nem em relação aos seus pares da elite educacional desses países, estou falando em relação às famílias de menor renda nos países onde a educação tem um padrão de excelência que nós não temos”, diz o economista. 

“O problema educacional brasileiro não é uma coisa deste governo ou do anterior ou do anterior. É uma coisa que nos acompanha desde que o Brasil é Brasil e permeia toda a sociedade brasileira. Desde os que não tiveram acesso a mínima oportunidade de formar os seus talentos e capacidades até os que são os mais privilegiados no topo da elite educacional brasileira.”

Reflexões e investimentos

Outra crítica feita por Eduardo Giannetti é a tradição pedagógica brasileira voltada para a memorização: aqui, o aluno entende, desde muito cedo, que aprender é copiar o que a professora passou e reproduzir, na prova, o que ela deu em aula. “Como professor universitário, vi isso o tempo inteiro”, garante. 

O físico norte-americano Richard Feynman, prêmio Nobel em 1965, veio ao Brasil nos anos 1950 e deixou na autobiografia um trecho que Eduardo diz “resumir maravilhosamente” os vícios pedagógicos brasileiros: “Se você pede (falando da Universidade Federal do Brasil, atual UFRJ) para o aluno brasileiro de faculdade para ele repetir na prova o que foi visto em aula, ele é um dos melhores alunos no mundo. Mas se coloca uma pergunta levando-o até que pensar, por si mesmo, uma resposta que parta dele ele está entre os piores alunos do mundo. Ele não responde.” 

Para Eduardo, aprendizado não é memorização. “Isso é uma visão ritualística. Aprendizado é adquirir a capacidade de identificar um problema, de resolver um problema, de pensar por conta própria, de ter estrutura lógica de raciocínio, saber o que é uma evidência, o que é uma falácia. E o ensino brasileiro não dá esse instrumental fundamental, o que permite a pessoa caminhar com suas próprias pernas e pensar por si mesmo”, defende. 

Crianças brincam no pátio de uma escola no Rio de Janeiro
Crédito: © Tânia Rêgo/Arquivo/Agência Brasil Brasil universalizou apenas nominalmente o acesso à escola, diz Eduardo Gianetti
Crédito: Tânia Rêgo/Arquivo/Agência Brasil

O país precisa e deve gastar mais com educação, mas, de acordo com o especialista, é preciso gastar com qualidade. “Estamos deixando muito a desejar no uso consciente dos recursos que destinamos à educação no Brasil.” E, nesse sentido, valorizar os professores é ponto fundamental. “Temos que colocar o professor do ensino básico no lugar que ele merece: de enorme respeito, de destaque e reconhecimento. É uma questão de pagar melhor? É lógico que é, mas não só. É uma questão de prestígio social, de reconhecimento do valor crucial que esse profissional tem para o futuro da nação.”

Ele cita dois exemplos internacionais de valorização: na Coreia do Sul, professores da educação básica precisam estar entre os cinco melhores dos graduados nos seus cursos. Na Finlândia, todos os professores precisam ter mestrado: “são maneiras de valorizar esse profissional, que vai ter de estudar muito para chegar lá”, avalia Eduardo. “O processo é exasperantemente lento, mas eu aposto e acredito. Não desisto do Brasil”, concluiu.


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ensino fundamental, ensino médio, ensino superior, equidade

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