Brasil Educação

Funcionários do Inep temem que crise no MEC prejudique realização do Saeb

Indefinição sobre as avaliações impede que licitações sejam feitas
Avaliação de estudantes em 2019 ainda é incerta Foto: Fábio Guimarães / Agência O Globo/03-07-2018
Avaliação de estudantes em 2019 ainda é incerta Foto: Fábio Guimarães / Agência O Globo/03-07-2018

BRASÍLIA e RIO — Quase três meses depois da posse do presidente Jair Bolsonaro, a educação do país ainda não tem um rumo.

Em meio à disputa de poder dentro do Ministério da Educação (MEC), pelo menos 14 pessoas já foram demitidas em decorrência da crise que emperra programas.

Técnicos do MEC temem que o impasse em relação à análise da alfabetização, que desencadeou a tensão mais recente na área, acabe atrasando a aplicação das provas do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que, se seguir o modelo das últimas edições, chega a cerca de 7 milhões de estudantes.

A indefinição impede a realização de licitações para contratação de pessoal e da gráfica para imprimir as avaliações. A seleção dos serviços de entrega dos malotes de provas e de leitura ótica dos cartões de resposta também fica prejudicada.

Na terça-feira (26), o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, revogou uma portaria do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) sobre o Saeb que tinha adiado a avaliação da alfabetização por dois anos.

A medida acentuou a confusão interna do MEC e culminou na demissão do então presidente da autarquia, Marcus Vinicius Rodrigues.

O ex-chefe do Inep é ligado à ala militar do governo, que trava uma queda de braço dentro do Ministério da Educação com seguidores do ideólogo de direita Olavo de Carvalho.

Queda de Braço no MEC
Veja principais demitidos na pasta da Educação nos três primeiros meses do governo
OS Grupos
Técnico
Tânia Leme
Iolene Lima
Luiz Antonio
Tozi
Ex-secretária de
Educação Básica
Ex-diretora
de Formação
Ex-secretário executivo
Iolene chegou a ser anunciada como secretária-executiva da pasta, mas acabou não sendo nomeada. Braço-direito da então secretária de educação básica, Tânia Leme, ela acabou sendo demitida.
O ex-secretário executivo foi demitido após um pedido de Olavo de Carvalho. Tozi, ligado ao Centro Paula Souza, fazia parte da "área técnica" do MEC e se tornou alvo dos "olavetes"
Embora sua saída já estivesse em discussão, a ex-secretária de educação básica, que é ligada a Tozi, escreveu carta ao ministro dizendo que deixaria o cargo por não ter sido comunicada do adiamento da avaliação de alfabetização. A saída aconteceu após sua maior aliada na pasta, Iolene Lima, também ser demitida.
Militar
Marcus Vinicius
Rodrigues
Ricardo Wagner
Roquetti
Ex-presidente do Inep
Ex-diretor de Programa
Ex-assessor de Vélez, Roquetti, que pertence à ala militar, tentava afastar o grupo de seguidores de Olavo de Carvalho do MEC quando foi demitido a mando do presidente Jair Bolsonaro.
Aliado à ala militar, Rodrigues foi demitido após desgaste entre Inep e MEC devido à publicação de portaria que adiou avaliação de alfabetização por dois anos
Ideológico
Silvio Grimaldo
Tiago Tondinelli
Ex-assessor
Ex-chefe de gabinete
Ex-aluno de Olavo de Carvalho, Grimaldo saiu do MEC na leva de demissões para tentar estancar a briga entre militares e olavetes
Assim como Grimaldo, Tondinelli também deixou o MEC no início do racha na pasta. O ex-chefe de gabinete também é ligado a Olavo de Carvalho
Queda de Braço no MEC
Veja principais demitidos na pasta da Educação nos três primeiros meses do governo
OS Grupos
Técnico
Luiz Antonio
Tozi
Ex-secretário
executivo
O ex-secretário executivo foi demitido após um pedido de Olavo de Carvalho. Tozi, ligado ao Centro Paula Souza, fazia parte da "área técnica" do MEC e se tornou alvo dos "olavetes"
Tânia Leme
Ex-secretária de
Educação Básica
Embora a saída de Tânia do MEC já estivesse em discussão, a ex-secretária de educação básica, que é ligada a Tozi, escreveu uma carta ao ministro dizendo que deixaria o cargo por não ter sido comunicada do adiamento da avaliação de alfabetização. A saída aconteceu após sua maior aliada na pasta, Iolene Lima, também ser demitida.
Iolene Lima
Ex-diretora
de Formação
Iolene chegou a ser anunciada como secretária-executiva da pasta, mas acabou não sendo nomeada. Braço-direito da então secretária de educação básica, Tânia Leme, ela acabou sendo demitida.
Militar
Marcus Vinicius
Rodrigues
Ex-presidente
do Inep
Aliado à ala militar, Rodrigues foi demitido após desgaste entre Inep e MEC devido à publicação de portaria que adiou avaliação de alfabetização por dois anos
Ricardo Wagner
Roquetti
Ex-diretor de
Programa
Ex-assessor de Vélez, Roquetti, que pertence à ala militar, tentava afastar o grupo de seguidores de Olavo de Carvalho do MEC quando foi demitido a mando do presidente Jair Bolsonaro.
Ideológico
Silvio Grimaldo
Ex-assessor
Ex-aluno de Olavo de Carvalho, Grimaldo saiu do MEC na leva de demissões para tentar estancar a briga entre militares e olavetes
Tiago Tondinelli
Ex-chefe de
gabinete
Assim como Grimaldo, Tondinelli também deixou o MEC no início do racha na pasta. O ex-chefe de gabinete também é ligado a Olavo de Carvalho

Muda ou não muda?

A incerteza nas decisões da pasta tem gerado apreensão no Inep quanto à realização do Saeb. Com o impasse em relação à portaria, a equipe técnica não sabe qual será o universo avaliado e como serão as avaliações.

O governo de Michel Temer incluiu no Saeb 2019 a avaliação da alfabetização, além de prever o exame de todas escolas de educação infantil. Já a portaria emitida pelo novo governo eliminava a primeira e modificava o modelo da segunda, reduzindo a quantidade de escolas analisadas.

Ainda que a medida mais recente tenha sido derrubada pelo ministro da Educação, os técnicos não sabem se a estruturação prevista por Temer vai continuar ou se haverá novas mudanças.

O contexto pode gerar atrasos nas licitações para contratação de pessoal e outros serviços logísticos necessários à realização das provas.

— Sem a definição do universo da aplicação, ninguém sabe quanto vai ser gasto e não dá pra fazer a licitação. Enquanto isso, fica tudo parado. Estamos em março e a aplicação é em outubro — afirmou ao GLOBO um funcionário do Inep.

Militares e técnicos contra olavetes

A indefinição sobre o Saeb é apenas mais um elemento da falta de rumo do Ministério da Educação.

A instabilidade da pasta começou a vir a público no início de março. Após uma disputa interna de membros do MEC ligados aos militares e os de perfil mais técnico contra seguidores de Olavo de Carvalho com cargos na pasta, seis comissionados foram exonerados.

Entre eles, o ex-assessor de Vélez, Ricardo Wagner Roquetti, que tentava afastar do ministério os chamados "olavetes". A demissão de Roquetti foi ordenada pelo próprio Bolsonaro.

Mas a primeira onda de desligamentos não foi suficiente para estancar a sangria. Depois disso, Vélez demitiu o número 2 da pasta, que ocupava o cargo de secretário-executivo, Luiz Antonio Tozi.

Oriundo do Centro Paula Souza, em São Paulo, Tozi pertencia ao grupo "técnico" do ministério e também era desafeto de Olavo de Carvalho, que pediu sua cabeça ao governo.

Daí em diante, a substituição se tornou um estorvo para o MEC. O ministro chegou a anunciar que Rubens Barreto da Silva, também da ala técnica, ocuparia o cargo, mas depois voltou atrás.

Em seguida, Vélez afirmou que Iolene Lima, então diretora de Formação do MEC e braço-direito da secretária de educação básica, Tânia Leme, assumiria a secretaria-executiva. Mais uma vez o plano não se concretizou e Iolene, também alinhada à área técnica, foi demitida.

No capítulo mais recente do vai e vem no MEC, proporcionado pela confusão sobre a portaria da avaliação da alfabetização, foi a vez de Tânia Leme e Marcus Vinicius Rodrigues deixarem seus cargos — na segunda (25) e na terça (26), respectivamente.

A então secretária de educação básica chegou a escrever uma carta de demissão, usando o argumento de que não havia sido comunicada sobre a exclusão da alfabetização do Saeb 2019.

Já o então presidente do Inep afirmou que a medida tinha sido um pedido do próprio secretário de alfabetização do MEC, Carlos Nadalim, contestando a versão do ministro de que o MEC havia sido pego de surpresa.

Estados e municípios no escuro

Com o agravamento da crise no MEC, Estados e municípios acenderam o alerta em relação à paralisia da pasta.

— Os secretários de educação estão em dúvida se vai ter Saeb nesse ano. A marcação da realização da prova de dois em dois anos é importante para todo planejamento das secretarias municipais. É fruto da desarticulação dentro do MEC que acaba rebatendo no Inep — afirma a presidente-executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz.

Na terça, a presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e secretária estadual de Educação do Mato Grosso do Sul, Cecília Motta, afirmou que o MEC está "sem rumo".

A falta de interlocutor a quem os gestores possam se reportar está, na opinião dela, atrapalhando o andamento do sistema educacional.

— Está acontecendo uma falta de comando. Todas as questões que estão sendo discutidas não têm relevância, são penduricalhos. É como se o ministério estivesse distante das escolas — disse Motta. — Tivemos duas reuniões com o Tozi, no mesmo dia ele saiu. Tivemos uma conferência com a Tânia, e ela também saiu, então não sei o que está acontecendo.

O Consed elaborou uma carta com a agenda que deveria ser considerada prioritária pelo MEC e que, segundo os estados, ainda está indefinida.

Entre os pontos paralisados, o conselho cita a reelaboração do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que vence em 2020 e é o principal mecanismo de financiamento da educação básica.

Na carta, os secretários mencionam ainda o Programa Dinheiro Direto na Escola, o Plano Nacional de Educação (PNE) e a garantia de recursos para programas de apoio à implementação da BNCC, como o ProBNCC, entre outros aspectos.

Na semana passada, O GLOBO mostrou que a estagnação do ProBNCC foi indicada pelo próprio MEC em um ofício enviado aos secretários estaduais e dirigentes municipais de Educação.

Segundo o documento, os programas em execução no MEC estão "sob análise, especialmente no que tange a possibilidades e às restrições orçamentárias".

Por meio do programa, o MEC garantia o pagamento de até 31 bolsas por estado, no valor de R$ 1.100. Os repasses de 2018 foram efetuados, mas o ministério deveria cobrir mais dez meses em 2019.

A falta de ação chegou também a programas ligados à alfabetização, que foi colocada como prioridade para os 100 primeiros dias de governo Bolsonaro.

Secretários municipais relataram que estão sem os recursos do programa "Mais alfabetização", também sob o argumento de que o programa estaria sob análise.

— Nas políticas da educação básica, o governo federal tem um papel de indução, coordenação e suplementação, tanto financeira quanto técnica — diz Priscila Cruz, do Todos pela Educação. — Esse MEC não tem projeto nem competência técnica ou polítca. Isso explica porque não vejo saída que não a troca total da equipe atual.

O GLOBO entrou em contato com o MEC e com o Inep para questioná-los sobre a paralisia dos programas e as críticas de secretários e especialistas, mas não obteve resposta.