Por Daniel Silveira, G1 Rio


A dois meses de encerrar o 1º semestre de 2017, os cerca de 35 mil alunos da graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) ainda não têm garantia de quando irão concluir o segundo semestre letivo do ano passado. Os professores mantêm estado de greve e as empresas terceirizadas que prestam serviços essenciais à universidade mantêm atividades sem qualquer garantia de pagamento por parte do governo do estado.

O diretor de Planejamento e Orçamento da Uerj, Alfredo Coutinho, disse ao G1 que a retomada das aulas de graduação, no último dia 10 de abril, foi fruto de um “esforço monumental” de todos os servidores e, principalmente, das empresas terceirizadas que prestam os serviços básicos de manutenção e limpeza na universidade.

“As aulas recomeçaram com um esforço monumental de todos, não só da Uerj, mas também dos fornecedores. Este ano não pagamos nada aos fornecedores”, afirmou o diretor.

Segundo Coutinho, foi feito um acordo com as empresas “fundamentais para a subsistência da universidade”, que realizam os trabalhos de limpeza, manutenção da infraestrutura e segurança, para que as atividades fossem retomadas na instituição.

"É como se eu virasse para você e dissesse: 'Eu não tenho certeza se eu vou te pagar. Eu também não tenho certeza de que vou te pagar adiante, mas eu preciso que você comece [a prestar o serviço] para que o governador se mostre solícito conosco, porque até o momento ele não tinha sido, e ainda preciso que você me dê um desconto'", explicou o diretor.

“Não é bem um acordo. Eles se valem de uma cláusula do contrato de licitação que prevê que não se pode rescindir a prestação de serviço por falta de pagamento. Se rescindirmos o contrato, eles podem nos processar e assim ficamos impedidos de participar de novas licitações. Esse é o principal motivo de mantermos os serviços”, disse o gerente financeiro de uma das empresas prestadoras de serviço à Uerj, que pediu para não ser identificado.

Segundo o executivo ouvido pelo G1, o governo não paga pelos serviços prestados desde agosto do ano passado. A dívida até abril era estimada em cerca de R$ 5 milhões. Ele afirmou, porém, que os cerca de 360 funcionários da empresa alocados na universidade têm recebido os salários. "Eu não tenho nenhum funcionário sem salário. O máximo que está acontecendo é eu ter de parcelar o auxílio refeição em duas vezes", disse.

O contrato desta empresa terceirizada tem vigência prevista até agosto. "Você fica na confiança de que o governo irá honrar os pagamentos. Mas eu não tenho garantia nenhuma de que vão nos pagar", enfatizou o executivo.

Revisão de contratos e corte de custos

Segundo o secretário de Estado de Ciência e Tecnologia e Inovação, Pedro Fernandes, para auxiliar na retomada das atividades na Uerj ele defendeu, junto à instituição, a revisão de todos os contratos.

“Alguns estavam acima do valor de mercado e recomendamos que fossem revistos. A partir disso, propomos a redução dos preços cobrados. Para a empresa que presta os serviços de limpeza, por exemplo, pedimos a redução de 27% do valor. Eles fizeram uma contraproposta de reduzir em 23,4%, e foi aceito”, disse.

Mesmo com o desconto, o governo ainda não conseguiu pagar as dívidas, menos ainda regularizar os pagamentos. “A gente vai fazer todo o esforço, em parceria com a Uerj, para sensibilizar o governador no sentido de honrar os pagamentos”, disse o secretário Pedro Fernandes.

O diretor de planejamento da Uerj também enfatizou a expectativa quanto à sensibilidade do governador.

“O apoio desses fornecedores é fundamental. A gente está contando muito que, com todo esse esforço, o governador do nosso estado, apesar de toda a crise, se sensibilize de que a educação superior é prioridade, porque até agora não foi”, disse.

Professores, funcionários e alunos da Uerj em protesto realizado na frente da sede do governo do Rio de Janeiro — Foto: Carlos Brito/G1

Dívida cresceu quase 1.500% em dois anos

A Uerj encerrou 2014 com um total de restos a pagar na ordem de R$ 23 milhões. Em janeiro de 2016, os restos a pagar já somavam cerca de R$ 60 milhões. Já o exercício de 2016 foi encerrado com uma dívida na faixa de R$ 360 milhões, o que representa um aumento de aproximadamente 1.465% em dois anos.

Conforme enfatizou o diretor de Planejamento e Orçamento da Uerj, Alfredo Coutinho, restos a pagar (RP) é o que se deixa de pagar dos contratos que foram liquidados até 31 de dezembro.

“Um RP pequeno é normal, faz parte da execução orçamentária. Isso não configura um déficit. O problema é o tamanho desse restos a pagar, porque ele vai comprometer o caixa do ano seguinte”, explicou.

Segundo Coutinho, o governo do Rio de Janeiro parou de pagar os fornecedores da Uerj no segundo semestre de 2015. "Até o fim da gestão do Sérgio Cabral as dívidas eram pagas em até 30 dias", disse. Ele destacou, ainda, que “no final de 2015 a crise efetivamente estava consolidada”.

Servidores da Uerj, incluindo os docentes, não receberam o 13º salário de 2016 e ainda aguardam pagamento dos salários de fevereiro e março deste ano — Foto: Fernanda Rouvenat / G1

Coutinho esclareceu que a Uerj não faz nenhum tipo de pagamento e que a quitação de todas as contas são feitas diretamente pelo governo. "Nós não pagamos nada. Eu entrego para o Tesouro do Estado uma nota falando que o serviço foi prestado. Não há repasse do Tesouro para a Uerj pagar o fornecedor", afirmou.

Para quitar as dívidas atuais, segundo Coutinho, são necessários cerca de R$ 360 milhões e a regularização dos pagamentos em dia, tanto da folha de pessoal quanto dos contratos com fornecedores e prestadores de serviço.

Em nota, a Secretaria da Fazenda informou que até abril deste ano o governo fez o repasse de R$ 767, 4 milhões em 2016, sendo R$ 189,2 milhões em custeio e R$ 578,2 milhões em pagamento de pessoal. “A dotação orçamentária da Universidade (incluindo pessoal e custeio) foi de R$ 1,1 bilhão em 2016, o que significa que 76% do orçamento total da Uerj foram efetivamente repassados”, destacou a pasta.

"É verdade [o montante repassado]. Mas repassar 76% do orçamento da Uerj significa não ter pago nem a folha de pagamento da universidade", destacou o diretor de Planejamento e Orçamento da Uerj. Segundo ele, somente a folha de pagamento dos professores e técnicos administrativos da universidade corresponde a aproximadamente 82% do orçamento anual.

A Fazenda justificou que "os repasses não ocorreram na sua totalidade devido à crise nas finanças estaduais, provocada pela significativa queda na receita de tributos em consequência da depressão econômica do País, pelo recuo na arrecadação de royalties e a redução dos investimentos da Petrobras".

Nesta terça-feira (18), a Uerj divulgou um calendário de pagamentos das bolsas de estudantes e os salários de professores e técnicos que estavam atrasados, alguns referentes à outubro do ano passado.

Da glória ao caos

Em 2014, a Uerj registrou recorde de inscritos no vestibular dos últimos dez anos. Os quase 90 mil candidatos que disputaram o processo seletivo mais concorrido do estado não esperavam que, ainda naquele ano, a universidade começaria a enfrentar a maior crise de seus 65 anos de história.

Uerj já teve o vestibular mais concorrido do Rio de Janeiro e hoje sofre com incerteza sobre manutenção das aulas da graduação — Foto: Alexandre Durão/G1

Em dezembro de 2014, a reitoria da Uerj decidiu antecipar o recesso letivo por razões financeiras. Na ocasião, em comunicado oficial, a reitoria informou ter um "déficit orçamentário que a impede de honrar vários compromissos”. O valor do déficit seria, conforme o comunicado, de R$ 23 milhões.

O reflexo imediato do referido déficit foi nos serviços terceirizados como os de limpeza e segurança. O então reitor, Ricardo Vieiralves de Castro, disse na ocasião que havia expectativa de solução dos problemas, “mas não no prazo urgente para o saneamento de situações de salubridade e tranquilidade no ambiente institucional”.

Nas redes sociais, alunos da Uerj mostravam o acúmulo de lixo nas dependências da universidade — Foto: Reprodução/Facebook

O recesso foi antecipado em apenas quatro dias e não gerou prejuízo acadêmico aos mais de 30 mil alunos da universidade. Quatro meses depois, logo após o início do ano letivo de 2015, o caos já estava instaurado na instituição.

A falta de pagamento aos funcionários terceirizados gerou acúmulo de lixo em todas as dependências da universidade. A situação foi remediada de forma paliativa ao longo do ano, de modo que o calendário letivo fosse cumprido.

No primeiro semestre o caos se concretizou. O governo deixou de honrar os salários dos servidores do estado e, principalmente, dos fornecedores. A situação precária se refletiu, inclusive, em insalubridade dentro do ambiente acadêmico. Funcionários técnico administrativos e professores entraram em greve e o movimento foi aderido pelos próprios estudantes.

A greve durou quase quatro meses. Neste período, até mesmo o vestibular foi adiado. Os estudantes puderam concluir, com atraso, o primeiro semestre letivo.

Questionado sobre a perspectiva de reversão da crise financeira da Uerj, o diretor de Planejamento e Orçamento disse que "no âmbito das finanças isso é imprevisível", já que o Rio de Janeiro se encontra em estado de calamidade financeira.

Porém, Coutinho se disse otimista. “A Uerj vai acompanhar o Rio. Eu sou um otimista. Eu tenho firmeza de que essa situação não se perdure por muito tempo”, declarou.

"A gente está contando muito que, com todo esse esforço, o governador do nosso estado, apesar de toda a crise, se sensibilize de que a educação superior é prioridade, porque até agora não foi", acrescentou Coutinho.

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