Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|Fies, o retorno

Afinal, insistir no Fies como programa de democratização do acesso ao ensino superior é uma boa política pública? Ou só interessa às grandes companhias de educação superior?

As ações das companhias educacionais valorizaram durante o segundo turno da eleição passada, quando o então candidato Lula indicou que, caso eleito, poderia fortalecer o Fies, programa de financiamento educacional reembolsável que, durante a primeira metade da década de 2010, foi responsável pela permanência de 1/4 dos alunos matriculados no ensino superior privado. Eleito, o presidente Lula voltou a reafirmar sua intenção e, mais uma vez, as ações valorizaram.

Mas, afinal, insistir no Fies como programa de democratização do acesso ao ensino superior é uma boa política pública? Ou só interessa às grandes companhias de educação superior?

A resposta não é simples, pois o programa tem dois lados bem evidentes.

Ao lado do Prouni (crédito educativo sem reembolso), o Fies foi protagonista importante no processo de diversificação do perfil do estudante universitário. Aproveitando as vagas ociosas em instituições privadas, o poder público viabilizou o acesso para alunos provenientes de famílias mais vulneráveis. Os benefícios deste conjunto de políticas públicas são inegáveis para a diversificação do perfil do alunado. Em pouco mais de 20 anos, o ensino superior deixou de ser um sistema de elite (a que poucos privilegiados têm acesso) e tornou-se massificado, com importante alargamento da base de alunos e diversificação do público. O campus universitário ficou mais democrático.

Em 2014, quando ocorreu o apogeu do Fies, 85,2% dos beneficiados eram provenientes de famílias com renda per capita de até 1,5 salário mínimo; 78% fizeram integralmente o ensino médio na rede pública; 52,5% se declaravam pretos, pardos ou indígenas; e 58,9% eram do sexo feminino. Esses números sustentam o importante papel inclusivo do programa no esforço de diversificação do perfil do alunado da educação superior.

Contudo, este é apenas um dos lados do programa. Ao mesmo tempo que viabilizou a matrícula de alunos com perfil socioeconômico mais vulnerável, serviu de fomento para o fortalecimento dos grupos empresariais da educação superior, apoiando-os financeiramente, seja pela adoção de renúncias tributárias (notadamente por meio do Prouni), seja pela transferência direta de receita financeira (Fies). A título de exemplo, em 2014, o conglomerado Kroton-Anhanguera (atualmente Cogna) foi a empresa privada brasileira que mais recebeu repasses financeiros do governo federal, graças ao Fies.

O foco de um novo Fies deve ser direcionado à inclusão, no ensino superior, dos jovens mais vulneráveis que hoje, quando muito, têm apenas o ensino a distância (EAD) como opção. Não deve ser, novamente, uma ferramenta de financeirização dos grandes grupos econômicos que atuam no setor.

Para isso, a receita deve respeitar, necessariamente, algumas premissas fundamentais. Em primeiro lugar, o valor da mensalidade a ser custeada deve ser fixado pelo Estado (e não pela instituição de ensino); com isso, os custos do programa serão menores, assim como o impacto no endividamento do aluno. O Fies deve definir as áreas de formação mais emergentes de financiamento: certamente, não há demanda social para novos estudantes de Direito; mas há, sim, demanda para cursos de Medicina e licenciaturas. Neste contexto, o programa também deve ser pensado estrategicamente no território nacional, para beneficiar as regiões em que há um menor porcentual de jovens no ensino superior. Por fim, o programa deve ser baseado num círculo virtuoso, para se sustentar financeiramente, de tal forma que após um investimento inicial do Estado o programa se mantenha com o pagamento dos beneficiários (anistiá-los é contra a lógica do programa), inclusive com medidas que reduzam a inadimplência.

O Fies foi uma importante política pública durante os governos dos presidentes Lula e Dilma. Com os devidos ajustes, poderá atingir o fim social para o qual foi desenhado no passado, incluindo jovens mais vulneráveis no ensino superior.

*

SÃO, RESPECTIVAMENTE, DOUTOR EM EDUCAÇÃO, COORDENADOR DO CURSO DE DIREITO DO UNISAL CAMPINAS; E DOUTORA EM EDUCAÇÃO, COORDENADORA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA PUC-CAMPINAS

Opinião por Marcelo A. Scudeler
Elvira Cristina M. Tassoni