Brasil Educação

Fies: MEC estima beneficiar até 1,07 milhão de jovens que devem R$ 10 bilhões

Devedores que aderirem à renegociação poderão ter descontos de até 92%; regulamentação sairá nesta semana
UFRJ Campus Fundão Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
UFRJ Campus Fundão Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

BRASÍLIA— Dados projetados pelo Ministério da Educação (MEC) apontam que cerca de 1,07 milhão de estudantes poderão se beneficiar dos descontos na dívida do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Juntos, eles devem cerca de R$ 10 bilhões, segundo cálculos confirmados pela pasta ao GLOBO. Se aderirem ao programa de renegociação, poderão obter descontos de até 92% do débito.

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A Medida Provisória que instituiu o programa de descontos foi editada pelo presidente Jair Bolsonaro em dezembro passado. Nesta segunda-feira, ele afirmou que o governo irá apresentar nesta semana a regulamentação para dar início às renegociações.

A MP prevê 12% de desconto no valor da dívida, além do perdão de 100% dos encargos moratórios , para os estudantes com débitos vencidos e não pagos há mais de noventa dias. Quem tem mais de um ano de atraso, poderá ter abatimento de 92%, se estiver inscrito no Cadastro Único para Benefícios Sociais do Governo Federal (CadÚnico) ou tiver recebido o auxílio emergencial em 2021. Para os demais estudantes, o desconto é de 86,5%.

O presidente Bolsonaro afirmou nesta segunda-feira que quem está adimplente também terá um desconto:

— Não é justo você perdoar lá atrás e quem está adimplente vai continuar pagando. Vai continuar pagando, mas vai ter um bom desconto para ele.

Dados levantados na época da edição da MP apontavam que cerca de 48% dos 2,6 milhões de contratos ativos do Fies apresentavam atraso no pagamento. A taxa de inadimplência é considerada quando há parcelas há mais de 90 dias sem pagamento na fase de amortização.

Os dados, no entanto, são dinâmicos e mudam a cada dia, segundo técnicos do MEC. A regulamentação trará os detalhes de como serão operacionalizadas as negociações e como os pagamentos serão quitados.

Na avaliação de Paulo Meyer Nascimento, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e um dos principais pesquisadores em financiamento estudantil do país, a anistia pode aumentar o problema estimulando bons pagadores a ficarem em dívida esperando pelo próximo pacote de benefício, especialmente quando ela não é acompanhada de mudanças estruturais.

Ele afirma ainda que é urgente a implementação de uma mudança que já está prevista na lei na qual o pagamento do Fies é condicionado à renda do estudante. De acordo com Nascimento, esse é uma maneira mais eficaz de diminuir a inadimplência.

— Nesse modelo, só paga tudo quem vier a ter padrão de renda compatível. Quando a pessoa tiver renda mais alta, paga mais. Se cair, diminui o valor a ser pago — explica o especialista.

No entanto, ele diz que esse modelo, apesar de estar previsto na legislação, dá trabalho para ser implementado, já que precisaria de uma reforma na Constituição que incluísse a Receita Federal recolhendo esse pagamento como forma de um tributo.

— É a Receita Federal que sabe qual a renda das pessoas. Mas dá trabalho e não tem apelo. Por isso, vamos de anistia.

O pesquisador do Ipea afirma ainda que débitos com mais de 90 dias já são considerados pelo Banco Central como de difícil recuperação. Por isso, essa regra na MP faz com que, na prática, o Tesouro Nacional perdoe dívidas que não esperava recebê-las.

— Me parece uma demanda para atender uma pressão política — afirma o especialista.


Pesquisador de políticas educacionais e professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, Gregório Grisa destaca que o ideal seria não ter que chegar a essa medida de conceder anistia, caso o programa fosse mais bem formulado, como a ideia de atrelar o pagamento à futura renda do beneficiário, e a economia estivesse mais aquecida.

No entanto, ele aponta características interessantes do modelo adotado, como o desconto de forma escalonada, dependendo do valor, do tempo da inadimplência, do perfil do estudante.

— É bom ter essa progressividade justamente para não beneficiar pessoas que não teriam de receber o perdão por terem condições de arcar com os pagamentos — aponta o professor.

Para o pesquisador, manter um programa de financiamento estudantil é condição fundamental para que o país consiga aumentar o número de diplomados. Isso porque o Brasil tem uma rede de ensino superior majoritariamente privada (75% das vagas).

— Deve ser pauta de um futuro governo, que tenha alguma condição de dialogar questões mais técnicas — aponta Grisa.