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Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A sonsa cúpula dos Três Poderes

Colunista do UOL

08/04/2022 14h45

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A intimidade entre Gilmar Mendes e Arthur Lira ilustra o sistema brasileiro.

Quando Lira questionou se "tem que pegar um arcebispo para ser diretor da Petrobras", insatisfeito com o obstáculo do conflito de interesses para que seu camarada Adriano Pires assumisse o comando da empresa, ele disse que "estava comentando aqui com o ministro" Gilmar "a pauta da imprensa e talvez do Ministério Público" de "condenar o possível presidente" porque "prestava assessoria a um grupo empresarial".

A pauta, na verdade, estava baseada nas regras de compliance estabelecidas pela própria Petrobras após a descoberta do petrolão pela Operação Lava Jato. Que Lira lamente com Gilmar a existência delas e sua consequente dificuldade em garantir influência sobre a companhia, é compreensível. Foi Gilmar quem ajudou Lira a se safar do inquérito do quadrilhão do PP, relativo ao esquema de desvio de recursos na Diretoria de Abastecimento da Petrobras que teria beneficiado, por mais de uma década, o núcleo político do partido, causando um prejuízo de R$ 29 bilhões aos cofres públicos.

Em junho de 2019, a Segunda Turma do STF recebeu a denúncia apresentada em setembro de 2017 pelo MPF contra o grupo de Lira e Ciro Nogueira. Edson Fachin, Cármen Lúcia e Celso de Mello formaram maioria, deixando Gilmar e Ricardo Lewandowski vencidos. O recurso dos parlamentares para evitar que a denúncia virasse ação penal foi analisado em maio de 2020. Após Fachin rejeitar os embargos de declaração e ordenar a reautuação do inquérito como ação penal, Gilmar pediu vista. Para garantir a maioria pró-réus, o ministro só devolveu o processo para julgamento depois que Kassio Nunes Marques, apadrinhado por Nogueira e indicado por Jair Bolsonaro, assumiu a vaga do aposentado Celso de Mello em novembro de 2020. Resultado: Gilmar, Lewandowski e Marques arquivaram o caso em março de 2021.

Não foi a primeira vez que Gilmar beneficiou um chefe de Casa Legislativa. O ministro mandou soltar José Riva duas vezes e ainda votou a favor dele em outra, anos após ter sido beneficiado com "regularização de ocupação" de terras por decisão da Assembleia Legislativa do Mato Grosso então presidida por Riva, revela Fabio Leite na Crusoé. Embora a decisão tenha sido votada pelo plenário, ela foi assinada pelo então presidente da Assembleia, cujo poder sobre o voto dos demais deputados estaduais também se confirma por dois detalhes: no mesmo dia, ele regularizou uma terra ocupada pelo próprio pai e, tempos depois, admitiu ao Ministério Público estadual que subornava a Assembleia com um mensalão pantaneiro. Conhecido como "o maior ficha-suja do país", Riva foi preso três vezes, acusado de uma série de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Gilmar jamais viu conflito de interesses em julgá-lo; afinal, suspeitos são os outros.

Hoje, Riva está em regime domiciliar, enquanto Lira e Nogueira operam à vontade no orçamento secreto e no Ministério da Educação, onde não existem os obstáculos que deixam o presidente da Câmara com saudades dos velhos tempos da Petrobras. Municípios que mal têm computador e água encanada, mas que contrataram kits de robótica com a empresa de aliados de Lira, por exemplo, concentram 79% (31 milhões de reais) do total gasto (39 milhões) pelo governo federal em 2021, na rubrica específica para compra de equipamentos e mobiliário, segundo a Folha. "Trata-se de mais um exemplo da falta de critérios técnicos e do domínio do apadrinhamento político na liberação de verbas do MEC na gestão Bolsonaro", como diz o jornal.

Os outros exemplos abundam. O governo tentou comprar ônibus escolares para crianças da área rural a preços inflados. Quando o Estadão revelou a armação, a cúpula do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) correu para reduzir os valores a fim de escapar da lupa do Tribunal de Contas da União (TCU). Graças ao jornalismo profissional, 510 milhões de reais foram economizados, mas Bolsonaro, em vez de agradecer, preferiu atacar os repórteres como um "bando de sem vergonha, que não investiga nada". "Vergonha nós temos das coisas que estamos encontrando, senhor presidente", rebateu Andreza Matais, chefe da sucursal em Brasília.

O FNDE é ligado ao MEC, não à Casa Civil, mas é o ministro dela, Ciro Nogueira, que influi na destinação dos recursos do Fundo, gerido por seu aliado Marcelo Ponte, com quem ele teve reuniões no Planalto sem a presença do então ministro da Educação. Só depois Milton Ribeiro veio a deixar o comando da pasta para evitar desgastes ao presidente em ano eleitoral, em razão do caso dos pastores que, atendidos por ele a pedido de Bolsonaro, cobravam propina de prefeitos em troca de acesso ao ministério.

"Tem que ter um fato que justifique", disse o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, sobre a criação da CPI do MEC, quando um grupo de parlamentares começou a coletar assinaturas. A sonsice de Pacheco, sobre a qual já escrevi no caso do orçamento secreto, continua a todo vapor nesses tempos em que investigações dependem exclusivamente da imprensa de verdade. Como o STF garantiu a impunidade geral; Augusto Aras acabou com a Lava Jato e neutralizou a CPI da Pandemia; o Centrão impediu o impeachment de Bolsonaro em troca das chaves dos cofres públicos; e o "centro" adesista do lulismo e do bolsonarismo sabotou a candidatura presidencial de Sergio Moro, a sonsa cúpula dos Três Poderes está pronta para seguir na mesma toada pelos próximos anos.

Enquanto a sociedade se mantiver moralmente anestesiada ou corrompida, os fatos nada mais justificarão, a não ser a blindagem e o fortalecimento do sistema.