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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Família, política e juventudes: dilemas de uma geração que quer esperançar

Luciana Petersen - Arquivo Pessoal
Luciana Petersen Imagem: Arquivo Pessoal

Luciana Petersen e Caio Cavalcante dos Santos*

30/09/2022 14h05

Se você não se envolveu em uma briga por causa da política nos últimos anos, você é alguém de muita sorte. Se você não está preocupado com a roupa que vai vestir no dia da eleição, com medo de sofrer violência, talvez não estejamos no mesmo Brasil.

Essa preocupação é majoritária entre os jovens brasileiros e está expressa em levantamento feito pela Fundação Tide Setubal e a Avaaz. A pesquisa mostra que o jovem hoje está acuado e com receios de se manifestar politicamente ou ser cancelado.

O almoço em família deixou de ser um espaço de afeto e alegria, a sobremesa oficial do domingo agora é torta de climão. E os últimos acontecimentos do país têm mostrado os resultados de tanta animosidade.

Em Goiânia, um homem levou um tiro dentro da igreja por discordar da opinião política do pastor e o culto continuou normalmente. No Paraná, Marcelo Arruda, que estava comemorando o seu aniversário em família, foi assassinado por sua filiação partidária.

Não são casos isolados. São frutos concretos do discurso de ódio e violência política que escalaram no Brasil nos últimos anos, sem qualquer barreira ou impedimento. Como profetizou Jesus Cristo, vivemos tempos em que o amor de muitos esfriou.

Ser jovem e querer mudar o mundo em uma época de extremismos é um perrengue, mas existem projetos liderados por jovens que provam que deixar a política de lado não é uma opção. Muitos de nós entendemos, apesar do ambiente hostil, a necessidade de abraçar e discutir nosso futuro através da politização, afinal de contas tudo é política.

Projetos como o nosso podcast Essa Geração surgiram para pluralizar o debate sobre juventudes e mostrar que estamos prontos para debater temas tratados como intocáveis pelas gerações passadas: religião, política, família, educação e, na mais recente temporada, fake news. Fazemos isso a partir de exemplos das nossas vidas e trajetórias. Somos jovens brasileiros indignados com a realidade atual e com uma imensa vontade de mudar o mundo. E não estamos sozinhos.

Nossas histórias mostram que é possível que uma jovem negra e feminista como Luciana Petersen seja também uma evangélica exemplar, inclusive com o dom da pregação. Um jovem negro como Caio Cavalcanti pode querer constituir sua família nos moldes ancestrais sem deixar de refletir sobre as contradições da "família tradicional brasileira".

Uma jovem indigena como Samela Sateré Mawé pode romper barreiras e alcançar o mundo com um discurso politizado afinado, um poder de fala que incentiva o debate e respeitando vozes muito silenciadas.

Um professor jovem como Gabriel Richard pode também ser referência de tolerância e educação e mudando realidades na escola, um espaço em que muitas vezes a escuta e a sensibilidade substituem as antigas formas de se educar.

A solução para o fim do cenário de violência política não é deixar a política de lado, mas qualificar o debate. Precisamos entender o motivo que leva a política a ser tão divisiva, inclusive dentro das famílias.

O seu tio reacionário, a sua avó fundamentalista ou o seu pai com tendências autoritárias não chegaram a esse patamar por acaso. Eles passaram por muitas coisas, se decepcionaram um bocado também.

Nossa proposta é, se for possível, escute, entenda a história de seus familiares. Assim você vai saber reconhecer o ser humano por trás das ideias políticas e as estruturas discursivas de opressão que atuaram sistematicamente para nos colocar uns contra os outros.

Precisamos nos reconectar. E fazendo isso a gente acredita ser possível falar de política com afeto, diálogo e mirando na esperança e utopia. É possível discutir no campo dos projetos, dos ideais de mundo, de concordâncias e discordâncias a partir da realidade concreta.

Jovens, não desistamos de esperançar. É a partir do afeto, da força da juventude e da política feita com amor que vamos superar a barbárie. Nossa juventude não pode perder o desejo de mudar o mundo.

*Luciana Petersen é cristã, feminista negra, podcaster no Essa Geração e Projeto Redomas. Também faz parte da comunidade-plataforma Novas Narrativas Evangélicas.

Caio Cavalcante dos Santos é criador da Griô Podcasts, mestre em ciência política e especialista em produção de conteúdo multi plataforma.