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Opinião|Falta de conectividade no sistema público de ensino aprofunda desigualdade social no Brasil

Na volta às aulas, milhões de crianças e adolescentes permanecem com o déficit de aprendizagem causado pela pandemia, e oferecer ferramentas tecnológicas adequadas é a melhor estratégia para superá-lo

Os dados são inequívocos ao revelar um cenário dramático na educação pública no Brasil, aprofundado pela pandemia de covid-19. Pesquisa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), com base em informações do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), mostrou que o porcentual de estudantes do 2.º ano do ensino fundamental com dificuldade para ler e escrever passou de 15,5%, em 2019, para 33,8%, em 2021. Por sua vez, estudo conjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Durham University, da Inglaterra, indicou que crianças e adolescentes em situação de maior vulnerabilidade social no Brasil aprenderam, durante as restrições de circulação causadas pela pandemia, 35% menos do que anteriormente.

Esse foi o principal impacto, nos estudos, do período mais agudo de transmissão da covid-19. Segundo a Unicef, ao longo de 2020 55% dos estudantes brasileiros de baixa renda não conseguiram realizar as atividades escolares, seja por falta de um local apropriado ou por dificuldades no acesso à internet. E aqui reside, por outro lado, o maior aprendizado para o setor educacional no País – especialmente para o sistema público de ensino básico, que atende a cerca de 38 milhões de crianças e adolescentes, de acordo com o Censo Escolar 2021, do Inep.

Quando a pandemia se instalou no Brasil, no primeiro semestre de 2020, escolas particulares já estavam em estágio mais avançado na aplicação de ferramentas de ensino híbrido, que permite complementar o ensino presencial com atividades de reforço e nivelamento realizadas à distância. Nesse universo privilegiado, quem ainda não estava completamente preparado para o ensino virtual conseguiu rapidamente se adaptar para manter os alunos aprendendo.

Afinal de contas, os principais requisitos para esse arranjo funcionar estavam disponíveis: acesso à internet de qualidade e dispositivos eletrônicos, como computadores, tablets ou smartphones.

Enquanto isso, no universo do sistema público de ensino, prejudicado por um longo período sem aulas em razão do vai e volta das atividades presenciais, criou-se um déficit de aprendizagem que comprometeu o progresso dos estudantes e, no caso do ensino médio, seu desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e em vestibulares – e, até mesmo, seu ingresso no mercado de trabalho. Isto é, a falta de uma estratégia e de ferramentas para ativação do ensino remoto na escola pública aprofundou a desigualdade de oportunidades que já existia na educação brasileira.

Em 8 de dezembro de 2022, esse “abacaxi” tornou-se público. Naquele dia, a Subcomissão Temporária para Acompanhamento da Educação na Pandemia, do Senado Federal, entregou um relatório a Geraldo Alckmin, eleito vice-presidente da República e líder do governo de transição, com 30 recomendações para o enfrentamento desse cenário. Entre elas destacava-se a melhoria da infraestrutura de conectividade no sistema público de ensino.

Já no primeiro dia útil de 2023, o novo ministro da Educação, Camilo Santana, em seu discurso de posse, afirmou que sua gestão priorizará reverter os danos educacionais provocados pela pandemia, adicionando que apenas 28% dos alunos do ensino fundamental têm acesso à internet.

De fato, esse é um calcanhar de Aquiles da educação pública no Brasil. Mas também representa uma oportunidade para aprimorar, rapidamente, o ensino oferecido à maioria das crianças e adolescentes do nosso país. Não só as escolas precisam ter internet para enriquecer as experiências de aprendizado nas salas de aula; tão importante quanto é oferecer conexão móvel estável e segura para os alunos realizarem, no contraturno, atividades de recuperação e reforço de aprendizagem, estejam eles em sua casa, no trabalho dos pais, na biblioteca de sua cidade, em qualquer lugar, enfim.

Do ponto de vista de investimento público, o ensino híbrido é viável, como demonstram as iniciativas já em curso em diversos municípios e Estados do Brasil. Na esfera federal, uma comprovação dessa viabilidade é o Programa Internet Brasil, iniciado no segundo semestre de 2022 e que prevê a distribuição de até 770 mil chips universais – que permitem o uso alternado de diferentes operadoras, assegurando a oferta da melhor conexão à internet móvel disponível – a estudantes em situação de vulnerabilidade social. Nessa iniciativa conjunta dos Ministérios das Comunicações e da Educação, um chip com pacote de dados de 20 Gb, com a necessária ferramenta de filtro de acesso a conteúdos exclusivamente educacionais, vem sendo distribuído a estudantes de alguns municípios brasileiros.

Os investimentos em conectividade segura, conteúdos e plataformas digitais e em dispositivos eletrônicos mostram-se muito mais racionais do que a tradicional construção de escolas – ou ampliação das já existentes –, contratação de mais professores e compra de maior quantidade de livros didáticos. Principalmente nos tempos atuais, em que está faltando recurso até para a merenda escolar, como revelado pelo próprio governo de transição, o ensino híbrido se apresenta como a melhor opção na tentativa de universalizar a educação de qualidade para o conjunto de 38 milhões de estudantes.

Assim como oferece uniforme, material didático e merenda, é preciso que o sistema público de educação incorpore a esses pacotes básicos um kit tecnológico de acesso seguro à internet e plataformas digitais de aprendizado. Cabe ao governo federal catalisar essas ações com Estados e municípios, para que o ensino híbrido possa se tornar uma realidade para todos os estudantes do País, assegurando justiça social e um futuro melhor para a Nação.

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ECONOMISTA, É SÓCIO DA BASE MOBILE, STARTUP DE CONECTIVIDADE MÓVEL GERENCIADA, COM SEDE EM RECIFE-PE

Opinião por Rodrigo Almeida