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Alexandre Le Voci Sayad

Alexandre Le Voci Sayad é jornalista, educador e escritor. Mestre em inteligência artificial e ética pela PUC-SP e apresentador do Idade Mídia (Canal Futura)

Publicado em 02/05/2023

Fake news sobre a escola é ingrediente para a manutenção do medo

As escolas ainda são um dos locais mais seguros para se estar na sociedade

fake-news-escola PL 2.630, das fake news, pede atenção da sociedade para não se tornar peça de enfraquecimento. Entre as propostas, político que espalhar desinformação será isento de punição/Imagem: Shutterstock

O debate sobre a segurança no ambiente escolar, ou a falta dela, volta e meia eclode na agenda da sociedade de uma maneira pouco clara, num ambiente nebuloso, propício a incertezas, como no caso dos recentes ataques de estudantes. Esse é um fenômeno recorrente; prova disso é que, como repórter desta revista Educação, na década de 1990, empreendi uma reportagem de capa que pouco diferia do que vivemos este ano — à exceção da ecologia dos meios de comunicação.


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O que chamamos de desinformação, e aqui pontuo como excesso, imprecisão e origem duvidosa da maioria delas, pouco auxilia na compreensão do fenômeno por parte de educadores, famílias e dos próprios alunos. Afinal, o que é real, o que é exagero e quais os perigos que devemos temer? O medo pode ser um sentimento paralisante, e pouco útil, se experimentado em excesso. Socialmente, torna a sociedade vulnerável a manipulações, como a história comprova em diversos momentos.

Se voltarmos nossa atenção à relação entre medo e desinformação, a BBC, serviço público de comunicação do Reino Unido, viveu um episódio curioso em plena Segunda Guerra Mundial. Para combater a desinformação nazista, ativou um sistema de rádio em ondas curtas, transmitido em alemão, que levava contrainformação para a população que fazia parte do Eixo. Afinal, a propaganda alemã de guerra era basicamente composta por desinformação, que tornava a massa manipulável às ideias imperialistas e higienistas do Reich. A BBC, à época, se tornou uma fonte exemplar de educação midiática.

Não é preciso voltar tanto tempo na história para encontrarmos outros exemplos. Ao contrário do que nossa memória insiste em nos enganar, as propagandas de cigarro veiculadas na televisão até meados dos anos de 1990 não convenciam as pessoas a fumar porque traziam a ideia de que o cigarro não fazia tão mal à saúde assim. Os perigos do tabagismo se tornaram públicos pela imprensa em meados da década de 1960 e ficavam cada vez mais evidentes ano após ano. As campanhas publicitárias nos envolviam emocionalmente e criavam uma espécie de atmosfera acolhedora e sedutora da qual era quase impossível escapar.

Faziam parte desse ambiente o patrocínio de shows de jazz contemporâneo, carros de Fórmula 1 envelopados como maços de cigarro e até homens viris em camisa cavalgando sobre as pradarias da América do Norte. A publicidade sempre utilizou, e manipulou, as emoções e os desejos para vender — poucas vezes utilizou a razão. 


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O que a propaganda nazista, as marcas de cigarro e a onda de desinformação nos recentes ataques às escolas têm em comum é o fato de induzirem a população a ações baseadas em emoções, e não argumentos. Sem compreen­der e analisar a historicidade, o contexto, números e dados dos fatos, o medo e o pânico tornam-se maiores do que o risco real em si.

O pesquisador Pablo Ortellado, que analisou as redes sociais e o fluxo de informação durante o ataque e ameaças às escolas, apontou que o Brasil registrou pouco mais de 20 casos com vítimas nos últimos 20 anos; em termos estatísticos, é ínfima a possibilidade de uma pessoa ser atacada dentro de uma escola no Brasil, o que torna as instituições um dos locais mais seguros para se estar na sociedade.

O fato não exime os gestores e famílias de cuidados e responsabilidades, nem ignora o que de fato aconteceu. Mas reforça que a desinformação é um ingrediente essencial para a manutenção do medo na sociedade.

Diante da dimensão do fenômeno, que se estende de grupo de WhatsApp a conversa entre famílias na porta das escolas, de quem é a responsabilidade para a manutenção de um sistema de informação mais saudável e confiável?

Não existe panaceia para esse caso, mostram diversos estudos. A resposta envolve de responsabilidades individuais a institucionais. Um sistema de desinformação só pode ser combatido por um conjunto de ações também sistêmicas envolvendo o poder público, as empresas de tecnologia e a própria educação. Individualmente, é importante reforçar que boatos e rumores só ganham ares de verdade quando são multiplicados.


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Ou seja, a população deve evitar curtir, postar, recomendar ou compartilhar informação não checada sobre ameaças ou atos de violência sob o risco de incitar o pânico, dar visibilidade pública a quem ameaça (muitas vezes é o que mais procuram), além de aumentar a própria violência.

Já a responsabilização das plataformas digitais e a regulação das mesmas por parte dos governos têm sido palco de debate e polêmica no mundo todo. No Brasil, o projeto de lei 2.630 corre em sua terceira versão nos grupos de debate do legislativo e executivo. Ele propõe, de maneira pouco clara, a responsabilização das big techs e indivíduos em caso de veicular conteúdo de desinformação ou ódio, pagamento às empresas de comunicação por publicação de conteúdos jornalísticos e, pasmem, imunidade parlamentar quando o sujeito da ação fizer parte do executivo ou legislativo.

O ponto mais relevante do projeto de lei diz respeito à oportunidade para a implementação da educação midiática nas escolas, corroborando o que propõe a Base Nacional Comum Curricular e suas sugestões com relação à fluência e ética digitais. O momento é de realização de um esforço da sociedade civil para evitar que o PL não se torne uma peça de desinformação em si, propondo ações impraticáveis, isentando políticos e favorecendo ainda mais o discurso de ódio e as fake news. Mãos à massa.

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