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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Descrição de chapéu Fies Enem universidade

Faculdade deveria ter risco de crédito no Fies ligado a sucesso de aluno, diz empresário

Presidente do conselho de administração da Ânima defende corresponsabilização de escolas por inadimplência no financiamento

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São Paulo

Um dos grandes desafios para o novo governo na educação, na opinião do empresário Daniel Castanho, presidente do conselho de administração da Ânima, é a atualização dos indicadores de qualidade, que deveriam passar a considerar critérios como inovação das instituições de ensino e a formação de alunos com visão de ESG, com práticas ambientais, sociais e de governança.

A retomada do Fies prevista pela gestão Lula também deveria agregar novos critérios, segundo o empresário, como a vinculação maior das instituições de ensino ao risco de inadimplência. "É possível criar algumas métricas inteligentes de corresponsabilidade da instituição, vinculando o risco dela ao sucesso dos alunos. Assim, você vai ter só instituição de qualidade oferecendo Fies para os seus alunos", diz.

Para o futuro da educação, Castanho prevê fortes transformações no modelo de negócio. "Quem sabe, em cinco ou dez anos, o modelo de mensalidade escolar como é hoje, caia para 60% ou 70%, no máximo, da receita de uma instituição de ensino", afirma o empresário.

Diante dos sinais de Lula de que pretende reeditar o Fies, qual é, na sua opinião, a importância do financiamento para educação? Talvez o grande problema do Brasil seja a produtividade. Houve um incremento no número de alunos no ensino superior nos últimos 20 anos. Mas não necessariamente a produtividade aumentou. Quando falamos de financiamento estudantil, o valor não é ilimitado. Então, tem que fazer escolhas. Quem financiar? Quem é bom, por meritocracia, e não tem acesso a dinheiro. E para estudar onde? Em instituições boas.

Não se trata de financiar qualquer pessoa, para fazer qualquer curso e em qualquer instituição. O problema do outro Fies foi que 98% das pessoas eram elegíveis. Tem que ser para quem realmente precisa e para que essas pessoas estudem nas melhores instituições. E até, quem sabe, para alguns cursos específicos, que são aqueles importantes para a sociedade como um todo, porque eleva a probabilidade de essa pessoa conseguir ter um emprego, pagar e ser bem sucedido na carreira.

Daniel Castanho é um homem branco de cabelos grisalhos e castanhos. Ele está gesticulando com as mãos enquanto fala. Castanho usa um blazer e uma camisa lilás.
Daniel Castanho, presidente do conselho da Ânima, na sede da empresa na zona oeste de São Paulo - Bruno Santos - 19.nov.22/Folhapress

Para uma sociedade ser bem desenvolvida, no mínimo, 50% dos jovens entre 18 e 24 anos deveriam estar estudando. Metade desses jovens deveria ser financiada. Vou dar um exemplo: Cresceu muito o número de vagas em medicina no Brasil, mas na escola privada, cujo valor médio é R$ 8.000. Imagine financiar alguém da comunidade, que seja bom aluno e que nunca conseguiria pagar R$ 8.000. Sendo médico, essa pessoa vai conseguir pagar, mesmo que seja uma mensalidade mais alta. E mais: isso vai voltar para sociedade e agregar muito valor, porque vai fazer uma grande diferença naquela comunidade. E tem que ser em instituição com bom indicador.

O indicador é um desafio? Um dos grandes desafios desse governo é criar indicadores de qualidade, mas que não sejam obsoletos. É claro que é importante a quantidade de mestrados, doutorados, o quanto aquela instituição faz de pesquisa. Mas hoje os indicadores não contemplam o quanto a instituição é inovadora, como a tecnologia está melhorando o aprendizado, quão melhor o aluno saiu daquela universidade, se formou aquele aluno com uma visão de ESG.

Hoje, o indicador, o IGC [Índice Geral de Cursos] vai de 1 a 5, sendo que a maior parte é nota 3. Imagine se fosse de 1 a 10. Ajudaria a separar o joio do trigo. Primeiro, precisa mudar a métrica de avaliação das instituições de ensino. Depois, os critérios. Não adianta só formar um arquiteto. Ele tem de ter uma visão de responsabilidade social e procurar utilizar produtos recicláveis ou menos poluentes.

O financiamento no Fies poderia ter tido juro mais alto, prazo mais curto, por exemplo? Acho que, enquanto financiamento, o Fies tem que ser algo subsidiado. Não necessariamente tão subsidiado quanto foi. Não necessariamente para todo o público como foi. E ele pode ter mecanismos mais inteligentes de pagamento. Na Austrália, por exemplo, é vinculado ao salário. É x por cento do salário recebido pelo aluno depois que ele se forma. Pode ser que ele pague em dez anos ou em três. Pode ter alguns que pagam antes e têm incentivos.

Há uma diferença entre focar no ensino ou na aprendizagem. Não importa o que o professor ensinou. O que importa é o que o aluno aprendeu. Os alunos de uma instituição poderiam ter uma taxa menor se naquela instituição se formaram alunos que aprenderam mais e que pagaram antes. É como a análise de risco de crédito em banco.

Com isso, os alunos que se formam contribuem para que os alunos que estão entrando paguem uma taxa menor. Nessa métrica, você vincula universidade, professores e alunos. Ficam todos comprometidos para que haja o pagamento, porque todos serão beneficiados.

A instituição de ensino pode ser um critério. Se tiver muitos inadimplentes, você pode exigir uma contrapartida da instituição. Para que os seus alunos tenham Fies, você tem que cobrir o risco da inadimplência. Aí, a instituição pode escolher se ela vai oferecer ou não o Fies.

Aqueles alunos que não são bons pagadores são problema de quem? Da instituição, que não está formando como deveria. É possível criar algumas métricas inteligentes de corresponsabilidade da instituição, vinculando o risco dela ao sucesso dos alunos. Assim, você vai ter só instituição de qualidade oferecendo Fies para os seus alunos. Senão, ela entra no risco daquele financiamento.

Como avalia o debate sobre a expansão da medicina e como ele interfere nos planos da Inspirali, que é o braço de ensino de medicina de vocês? Sou favorável à expansão de cursos, até porque aumenta a competitividade, desde que tenha como premissa a qualidade. Acredito que os cursos de medicina que já tenham uma qualidade muito alta poderiam ampliar suas vagas. O que não se deve é pedir para abrir um curso de medicina simplesmente porque está todo mundo falando que é um bom negócio. É mais profundo que isso.

No nosso curso de medicina, o aluno desenvolve competências. Ele tem que se formar de maneira mais holística. Por exemplo, temos um barco na Amazônia, onde os alunos precisam aprender sobre medicina da natureza. Atendem comunidades ribeirinhas com barco-escola, e do outro lado, aprendem com a parteira. É uma troca maravilhosa.

Qualidade é o valor agregado para o aluno entender quais são as grandes tendências e, de alguma maneira, antecipar essas tendências para que a gente possa possa formar esse aluno para um mundo que nem sabemos como vai ser daqui a cinco ou dez anos.

O setor também tem o desafio da queda no tíquete médio no EAD (ensino a distância). Como vocês lidam com esse dilema? EAD, para mim, é moda. Eu acho que o futuro da educação é híbrido. Se eu te perguntar qual porcentagem da sua vida é presencial e qual parcela é distância, você não sabe. Estamos acabando essa conversa aqui no presencial, mas depois pode virar WhatsApp. É fluído. Esse negócio de separar o que é presencial do que é a distância vai deixar de existir. O campus vai ser diferente. Acho que vai haver uma mudança grande.

Já em relação ao modelo de negócio, acho que vai ter uma grande transformação. Hoje, o modelo de negócio da escola é vender um curso e receber mensalidade. A remuneração deveria ser feita pelo que o aluno aprendeu, pelo valor agregado na sociedade.

Tem algumas hipóteses ousadas que a gente pode pensar. Por exemplo, imagine um modelo em que o aluno pagasse só a metade do que ele deveria pagar, mas depois de formado ele completasse com 10% do salário dele por x anos. E o professor receberia metade do seu salário, para receber aquele restante depois. Isso muda a relação. Imagine que o professor só recebesse por aquilo que o aluno aprendeu e não pela aula que ele deu. Quando se inverte essa lógica, muda o modelo de negócio.

Agora, isso ainda pode ser algo muito ousado. O que eu acredito que vai acontecer agora em relação à mudança de modelo de negócio é a entrada na era do pós-emprego. Esses meninos vão trabalhar agora por projetos. Vão trabalhar um projeto de seis meses, dois anos, com um time diferente, com uma pessoa de RH, de marketing, de tecnologia. E vão trabalhar para solucionar problemas.

Se eles vão trabalhar dessa maneira, a universidade também deveria ser desenhada dessa maneira. Então, imagine um lugar em que os alunos aprendam com os professores, mas as empresas tragam seus grandes desafios, que podem ser desde a produção de um folder para uma padaria até um problema de logística, de estoque, ou de fluxo de caixa. Essa indissociabilidade entre as empresas, os desafios da sociedade e a universidade é algo que começa a acontecer.

Quem sabe, em cinco ou dez anos, o modelo de mensalidade escolar como é hoje, caia para 60% ou 70%, no máximo, da receita de uma instituição de ensino.


Ânima Educação

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