Por Eliane Santos, G1 Rio


'Faces Negras': Fatou Ndiaye

'Faces Negras': Fatou Ndiaye

Fatou Ndiaye, de 16 anos, era uma estudante de um colégio de elite do Rio de Janeiro quando foi alvo de um episódio de racismo que ultrapassou os muros da escola.

Filha de senegaleses que moram há muito tempo no Brasil, ela conhece as duas realidades: a de um país com 98% de população negra e sem episódios de racismo, e a de outro com mais de 56% de pretos, mas que insiste em discriminar por causa do seu racismo estrutural.

O que ela fez? O que qualquer adolescente faria. Foi para internet e se tornou uma das novas vozes contra o racismo.

No mês em que completa 15 anos, o G1 traz uma reflexão sobre temas impactantes para o país e a evolução deles ao longo dos tempos. Na primeira reportagem especial, 'Faces Negras', conversamos com personalidades de variadas gerações que superaram as barreiras do racismo. São relatos de histórias e experiências que envolvem a cor da pele, a luta contra o preconceito, as dificuldades e o orgulho de ser preto. Conheça Adriana, Babu, Daiane, Fábio, Fatou, Glaucia, Isaac, Ivanir e Luciane.

Fatou por Fatou:

Fatou Ndiaye: voz jovem e potente contra o racismo nas redes sociais — Foto: Divulgação

“Pessoas negras não se tornam ativistas, elas nascem ativistas. É o nosso mecanismo de defesa na sociedade racista. E foi esse mecanismo que me fez desde cedo saber lidar com investidas de quem tenta subjugar pessoas negras. Primeiro, através dos meus pais — senegaleses vindos de um país em que 98% da população é negra e não conhece o racismo estrutural —, e que se depararam com outra realidade no Brasil. O meu pai, por exemplo, era o único negro em sua turma de engenharia na UFRJ.

Depois, trocando informações dentro de casa. Por ser de uma família de migrantes num país racista e xenofóbico como o Brasil, a gente sempre discutiu esses temas em casa. Sempre me senti muito preparada para lidar com esse tipo de situação.

Por fim, enfrentando o racismo de cara. Já havia tido outros episódios pontuais comigo, mas aquele em que eu fui alvo de comentários racistas na escola em que estudava foi o mais violento. Aliás, no Brasil, desconheço uma pessoa negra que não tenha passado por isso.

Mas consegui lidar bem com ele, e, a partir desse caso, desenvolvi o meu trabalho e propus a discussão do tema tanto nas escolas, quanto nas redes sociais. Foi violento, mas tomei as medidas cabíveis na época.

Fatou: em suas falas, ela faz provocações sobre racismo, educação sustentabilidade e história da África — Foto: Divulgação

Eu o encaro como percussor, não como algo que me machucou, porque sei quem eu sou e aonde posso chegar. Tanto é assim, que sofri um episódio de racismo em um colégio de elite e fui para um outro mais elitista ainda. Seria muita lerdeza minha se não fosse para um lugar que pode me dar mais oportunidade por medo de racismo (risos).

Agora, e por causa dele, consigo levar todos os meus pensamentos e discussões, que ficavam só dentro da minha casa, para as minhas redes sociais, além de abordar outros temas, como educação, história da África, políticas públicas. Assuntos que vão além da questão racial, mas são interligados a ela.

No mais, é preciso falar, desmistificar e reestruturar fundamentos brasileiros que foram formados ao longo da história e que dizem onde as pessoas negras têm que estar. É uma herança histórica, cultural e política que está aqui até hoje e não é mais leve do que o apartheid na África. No Brasil, como era velado, criou-se a ilusão de que foi mais fraco ou um “racismo de boa”, como eu já ouvi. É preciso encará-lo como um crime contra a humanidade.

Questionar por que negros são maioria no nosso sistema penal, por que é “normal” achar que lugar de pessoa negra é como empregada doméstica ou que a universidade não é para todo mundo, como disse o ministro da Educação.

Não vamos mudar essa configuração brasileira em um dia. É um processo longo, árduo. Mas acredito na educação - que é onde foco o meu trabalho -, na política e até no esporte – que consegue parar uma nação inteira em uma final de campeonato -, como formas de mudar essa configuração social brasileira.

Como influenciadora, penso em usar essa plataforma para falar disso e de outros temas também. Aliás, já falo de educação, sustentabilidade, política internacional, em uma grande salada de informação (risos). Como carreira, quero seguir a engenharia, o que é meio irônico (risos). Mas quero continuar com essa paixão, que é a comunicação e espalhar mensagens de mudanças por aí.”

Fatou Ndiaye: pessoas negras já nascem ativistas — Foto: Divulgação

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