Educação no Ceará

Por Samuel Pinusa, g1 CE


Estratégias educacionais buscam combater à evasão estudantil causada pela violência na Grande Fortaleza. — Foto: Unidade de Arte/SVM

As diferentes violências que ainda assolam as periferias interferem diretamente na permanência de jovens e adolescentes na escola. Contudo, estratégias para combater a evasão escolar e experiências vizinhas à dura realidade surgem como alternativas para contar novas histórias. O Grande Bom Jardim, área composta por cinco bairros na periferia de Fortaleza, sofre com problemas de segurança pública, mas não se limita a eles. Os exemplos chegam e saem por todos os lados.

A estudante universitária Hemiliene Ferreira do Nascimento é uma das moradoras do Grande Bom Jardim que decidiram contar uma nova história. A jovem de 19 anos cresceu e estudou na região, sempre se deparando com gargalos pelo caminho, que não a impediram de alcançar um bom resultado no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e entrar na graduação em ciências sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC).

LEIA TAMBÉM:

O Grande Bom Jardim é um território da periferia sudoeste de Fortaleza, formado por cinco bairros oficiais (Bom Jardim, Canindezinho, Granja Lisboa, Granja Portugal e Siqueira) e uma população estimada de 220 mil habitantes. Em termos populacionais, esse território representa 8,33% da população da capital.

Uma pesquisa feita com estudantes de ensino médio da região apontou que praticamente oito a cada dez participantes consideram o bairro como inseguro ou totalmente inseguro (78,67%), semelhante aos dados sobre a insegurança no percurso para a escola (68,61%) e na rua (63,17%). Os dados foram retirados de questionários aplicados a estudantes das 12 escolas da região; os alunos têm entre 14 e 24 anos.

Hemiliene mora e estudou durante toda a vida escolar no Bom Jardim, em Fortaleza. — Foto: Arquivo pessoal

Hemiliene, pessoalmente, nunca passou por nenhum problema com relação à segurança pública enquanto fazia o ensino médio, mas os relatos dos colegas criavam um ambiente de receio. "Já vi relatos de colegas que foram assaltados no caminho, dentro do ônibus, e isso nos preocupava. Eu ficava apreensiva. Isso é muito triste", disse a jovem.

Durante os três anos de ensino médio, ela viveu momentos diferentes, já que estudou durante a pandemia de Covid-19. Contudo, no primeiro ano, a estudante precisou ir a pé para a escola, e relatou os problemas do caminho. "Era bem perigoso. A gente passava perto de um canal, a rua era bem deserta. Gerava medo de ser parada, de ser roubada", lembrou.

Porém, a universitária viu na caminhada estudantil uma via alternativa. Hemiliene entrou no começo de 2023 na graduação. A decisão pelo curso veio após a inspiração em um professor de sociologia do ensino médio, e também pesou questões como a vida na periferia e os problemas de segurança pública.

“Comecei a me apaixonar pela sociologia, pelas ciências sociais, por conta de um professor que eu tinha no ensino médio. Ele ensinava muito bem, dava uma aula ótima. Eu gostava muito das aulas dele”, disse Hemiliene.

“Eu comecei a pensar sobre essas questões como a segurança pública, a periferia, as pessoas nas escolas públicas; sobre a sociedade e como a gente lida com as coisas. Isso foi gerando um pensamento diferente na minha cabeça”, complementou.

Pesquisa

Pesquisa ouviu alunos do Grande Bom Jardim sobre problemas de segurança pública.

Pesquisa ouviu alunos do Grande Bom Jardim sobre problemas de segurança pública.

O estudo foi nomeado “Violências no Grande Bom Jardim sob a perspectiva de estudantes de escolas públicas de ensino médio: vitimização, percepções sobre segurança e repercussões educacionais”. A organização explicou que “a investigação faz parte de um conjunto de iniciativas para compreender, prevenir e enfrentar as dinâmicas psicossociais da violência em Fortaleza”.

Entre os órgãos responsáveis, está o Grupo de Pesquisas e Intervenções sobre Violência, Exclusão Social e Subjetivação (Vieses), vinculado à Universidade Federal do Ceará (UFC). Já a proposta da pesquisa veio a partir do Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza (CCDHVS), que queria entender como a violência tem impactado nos estudantes do território.

"O Grande Bom Jardim, infelizmente, é marcado historicamente pela violação de direitos; o baixo IDH, o índice de violência maior que a média de outros locais da capital. Isso chama a atenção da gente", disse João Paulo Pereira Barros, professor do curso de Psicologia da UFC e coordenador do Vieses da UFC.

"Porém, o Bom Jardim não é só lugar de violências e violações. É também um lugar de muita organização para lutar contra essas opressões", avaliou o coordenador acadêmico da pesquisa.

Além do Vieses e do CCDVHS, participaram o Laboratório de Estudos da Violência (LEV), também ligado à UFC, e o programa Jovens Agentes de Paz (JAP), vinculado ao CDVHS.

Pesquisa ouviu estudantes de 12 escolas de ensino médio do Grande Bom Jardim. — Foto: Fabiane de Paula/SVM

"Essa violência é um problema complexo, intersetorial e estrutural. A escola precisa ser protegida por uma rede de proteção para que ela possa consiga proteger, permanecer como lugar de proteção, vínculo e acolhimento a essas juventudes", avaliou João Paulo.

"A escola ainda é um local de proteção para essa juventude. Para que a gente garanta a permanência, e qualifique essa permanência, é necessário que a gente entenda que grupos estão mais vulnerabilizados por essa violência", complementou o professor.

Exemplos para combater a evasão

Escolas públicas do Ceará trabalham iniciativas contra a evasão estudantil. — Foto: Unidade de Arte/SVM

A cerca de dez quilômetros do Grande Bom Jardim, uma escola trabalha estratégias de combate à evasão escolar que podem ser exemplos não apenas para as escolas da região, mas para o sistema educacional como um todo. As iniciativas envolvem o corpo docente e discente, entre busca ativa e programações culturais, na Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Dom Aloisio Lorscheider, no Bairro Nova Metrópole, em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza.

"A maior causa de evasão é a violência; tanto das facções, que estão presente onde o poder público não se faz presente de forma concreta, quanto a do dia a dia, como a insegurança alimentar, onde o menino precisa ir trabalhar para garantir o sustento da família e dele", disse Debora Fofano, coordenadora pedagógica na escola.

"Já tivemos programas de tutoria e monitoria em que os alunos recebem bolsa", lembrou a coordenadora. Ela informou que há um projeto a ser iniciado em que os próprios alunos fazem busca ativa dos estudantes faltosos.

"Isso gera engajamento na comunidade porque aqueles que estão permanentes na escola fazem a busca dos que estão evadidos e, para isso, recebem uma bolsa", comentou Debora, doutora em educação pela UFC, pesquisando sobre Ideologia e Violência.

"Envolver os alunos no processo, isso é fundamental. Eles sabem onde os colegas moram, sabem onde é a casa e dizem 'ei, bora comigo'", destacou Debora.

Ela disse que no último mês de maio a escola onde ela trabalha fez uma semana inteira dedicada a tentar zerar a evasão e buscar aqueles que não estavam com a frequência ideal — que é 75% de presença.

Pesquisa feita no Grande Bom Jardim apontou como problemas de segurança pública afetam vida de estudantes da periferia de Fortaleza. — Foto: Fabiane de Paula/SVM

"A busca ativa é permanente. Eu ligo todos os dias perguntando o que aconteceu, porque não foi para a escola", explicou a coordenadora.

Outra estratégia que Debora citou criada pela instituição foi criar um torneio de futebol que acontece nas segundas-feiras e sextas-feiras. "Por quê? Porque é o dia que os alunos mais faltam", explicou.

Além disso, a coordenadora também citou outras iniciativas como a garantia da alimentação na escola — muitas vezes é a única refeição diária de alguns alunos; a escola, inclusive, possui uma horta cuidados pelos alunos — e também atividades culturais como, por exemplo, festas de São João características do mês de junho no estado.

"Tudo isso são atividades pedagógicas. A gente não pode ver isso fora do perfil pedagógico porque com isso eles estão em aprendizagem. Tudo isso é para fortalecer a permanência deles na escola", avaliou a doutora em educação.

"Quando a gente fala de aluno de ensino médio, a gente tem que lembrar que ele está em uma faixa etária de quase vida adulta. Eles têm muita necessidade de ter uma renda", complementou.

Estratégias públicas

Secretarias da Segurança e Educação do Ceará traçam estratégias para enfrentar problemas de violência. — Foto: Unidade de Arte/SVM

O g1 ouviu as secretarias estaduais da Segurança Pública e da Educação sobre as problemáticas apresentadas pela pesquisa e pelos entrevistados. Em nota, a pasta da segurança informou que a Divisão de Proteção ao Estudante (Dipre), da Polícia Civil realiza constantes palestras relacionadas ao combate às drogas, violência sexual, violência contra a mulher e bullying/ciberbullying.

Somente em maio de 2023, 1.191 estudantes de escolas situadas em bairros da região do Grande Bom Jardim participaram das formações. Essas palestras podem ser solicitadas pelas instituições de ensino pelos telefones (85) 3101-7416 e (85) 98973-1131.

Já a Polícia Militar estadual, por meio do Grupo de Segurança Escolar (GSE) do Comando de Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac), atua na criação de vínculo, por meio de visitas continuadas, com as instituições, para prevenir ou mediar situações de desordem que possam afetar o rendimento do aprendizado.

Entre janeiro e o início de junho deste ano, 451 visitas foram realizadas nas escolas da região. As solicitações ao GSE podem ser feitas pelo (85) 98107-5804.

A Secretaria da Segurança ainda destacou uma parceria com a Secretaria da Educação (Seduc), que resultou na elaboração de uma cartilha com orientações para prevenção e combate à violência nas instituições de ensino. O material pode ser encontrado online.

Violência afeta a vida escolar de estudantes na periferia de Fortaleza. — Foto: Unidade de Arte/SVM

A Seduc, por sua vez, argumentou que a formação integral dos estudantes do ensino médio na rede pública estadual tem sido um dos princípios pedagógicos assumidos pela política educacional do órgão, que considera os aspectos cognitivos, psicomotores e socioemocionais como imprescindíveis ao sucesso do processo de ensino-aprendizagem.

O órgão disse que dispõe de psicólogos e assistentes sociais educacionais, lotados nas regionais na capital e no interior, que trabalham no fortalecimento da relação da escola com a família e a comunidade e estreitam contato com toda a rede de proteção social, de direitos da infância e adolescência, e de segurança.

A pasta estadual disse ainda estar implantando as Comissões de Proteção e Prevenção à Violência contra a Criança e o Adolescente em parceria com o Ministério Público — 98% das unidades contam com comissões, conforme a Seduc. O processo tem como finalidade reforçar o papel protetivo da escola e estreitar sua relação com a Rede de Proteção para fortalecer uma atuação protagonista da unidade de ensino.

Por fim, a Seduc informou que as comissões também foram criadas no âmbito das regionais. No momento, estão em alinhamento para auxiliar na elaboração dos planos de prevenção em cada escola, promovendo debates e formação continuada em direitos humanos nas suas várias dimensões; e que está em permanente promoção dos círculos de mediação e cultura de paz nas escolas.

Veja mais notícias no g1 em 1 minuto

Veja também

Mais lidas

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!