Rio

Ex-alunos da Uerj relatam que universidade já apresentava sinais de crise nos últimos anos

Recém-formados criticam governo Pezão e gestões anteriores por descaso com a universidade
Ex-alunos relatam que a Uerj enfrenta problemas desde governos anteriores Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Ex-alunos relatam que a Uerj enfrenta problemas desde governos anteriores Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

RIO - Um mês após a retomada das aulas, a Uerj ainda luta para voltar à normalidade após uma paralisação das atividades que atrasiu em quase quatro meses o começo do segundo período letivo de 2016. Embora a instituição já tenha enfrentado greves e paralisações devido a atrasos no pagamento dos salários de professores, servidores e trabalhadores terceirizados, é consenso entre ex-alunos da universidade que o atual momento é ainda mais crítico em comparação a outras crises enfrentadas nos últimos anos. O clima de incerteza a respeito do futuro da Uerj e as críticas ao governos de Pezão, Sérgio Cabral e seus antecessores são um ponto de em comum na visão de quem se formou recentemente pela instituição.

De acordo com o ranking da Times Higher Education de 2016, a Uerj é a 11ª melhor universidade do país e a 20ª em toda a América Latina, além de estar entre as 10 universidades do Brasil com maior inserção de alunos no mercado de trabalho e com melhor produção científica do país. Os bons números, no entanto, escondem uma série de problemas que já eram conhecidos por quem se formou pela universidade estadual num passado recente.

Formada em Nutrição em julho do ano passado, Soraia Araújo antecipou a entrega de seu trabalho de conclusão de curso para conseguir colar grau. A recomendação aos alunos partiu do próprio departamento do curso, que temia que novas paralisações ou greves pudessem atrasar a formatura de estudantes já na reta final da graduação. Ela também explica que os atrasos nos pagamentos aos trabalhadores terceirizados também eram constantes.

- Como havia um grande número de alunos alunos prestes a se formar, a direção do curso nos orientou a adiantar os TCCs. Nós colamos grau com o semestre ainda em andamento. Já naquela época, a Uerj sofria com constantes paralisações, principalmente por causa de atrasos nos pagamentos aos terceirizados. A universidade ficou com a manutenção precária, especialmente nos últimos andares dos prédios. Poucos elevadores estavam funcionando devido à falta de manutenção, o que causava grandes filas ou forçava os alunos a subir vários andares a pé - relata a aluna.

O atraso no pagamento de bolsas a alunos, cotistas e não cotistas, também era constante. Nas aulas de laboratório, professores recomendavam economia no uso de materiais. No Hospital Universitário Pedro Ernesto, papel higiênico e detergente também eram utilizados de forma fracionada. E, pelo menos por ora, Soraia, que cogitava fazer mestrado na Uerj, decidiu adiar os planos devido à crise financeira que a universidade enfrenta.

- Pouco antes de eu me formar, todas as bolsas já estavam atrasadas, e a situação na universidade só se agravou desde então. Professores nos recomendavam economizar materiais do laboratório, e o bandejão, que permite que os alunos economizem na alimentação, estava fechado quando me formei. É muito triste ver a Uerj nessa situação, e acredito que os diversos erros na gestão do estado, além dos escândalos de corrupção, têm grande peso nisso.

Formado em Psicologia pela universidade no fim de 2014, Marcus Vinícius Lopes enfrentou uma greve de três meses na universidade, entre junho e setembro de 2012. Na época, porém, as pautas reivindicadas por docentes e professores eram outras, como a adoção do regime de dedicação exclusiva, o reajuste salarial de 22% e a revisão contratual de 900 docentes substitutos. Na ocasião, o então governador Sérgio Cabral chegou a afirmar que os professores estavam sendo usados como massa de manobra de um movimento organizado pelas universidades federais, que organizaram uma greve com adesão de 57 das 59 instituições de ensino.

- Naquela época, ainda não era possível perceber, ou pelo menos desconfiar, que a situação da Uerj chegaria a esse ponto. A greve tinha um cunho mais sindical, de luta por reajustes de salário e melhores condições de trabalho. A estrutura da Uerj não era o centro das preocupações, pois, mesmo com problemas, a universidade conseguia funcionar - pontua Marcus, que hoje cursa Direito na UFF.

Claudia Bianco se formou em Jornalismo no segundo período de 2014, que, por conta das greves, encerrou-se somente em fevereiro de 2015. Ela conta que, apesar de atrasos no pagamento de bolsas e das paralisações de atividades, os piores problemas da universidade eram relacionados aos atrasos no pagamento de terceirizados, o que afetava diretamente a segurança, a limpeza e a manutenção do campus.

Mesmo diante das dificuldades enfrentadas pela instituição, a jornalista decidiu dar seguimento aos estudos na Uerj, onde cursa o mestrado em Comunicação. Claudia enaltece a qualidade do ensino da instituição e o pioneirismo da universidade na implementação do sistema de cotas em instituições públicas de ensino superior no Brasil.

- Além de te dar a oportunidade de ter um ensino de qualidade e público, acho que a Uerj oferece muitas outras coisas, como experiência, vivência e, principalmente, convivência. Ali, a gente conhece pessoas de todos os lugares, gente que acorda de madrugada e vem de longe para ter aulas. E lá começaram as cotas. É até um pouco maluco, mas na Uerj a gente passa a entender melhor a necessidade dos outros, a necessidade das cotas e das lutas pelos direitos. E, agora, tudo o que a gente aprendeu lá nos ajuda a enxergar melhor como a própria Uerj é uma das vítimas desses descasos (do poder público).

Claudia ainda revela que as constantes interrupções das aulas e demais atividades na Uerj despertam um sentimento de segurança em relação ao futuro da universidade. Ela critica a postura do governo do estado durante os quase quatro meses de paralisação da Uerj, e frisa que a interrupção das aulas aconteceu devido à total falta de condições de manutenção das atividades.

- Esses repasses (a alunos, professores e terceirizados) não são feitos porque a universidade não recebe o dinheiro para isso. Mais uma vez, isso é reflexo do que vem acontecendo em todo o Rio de Janeiro, que vem sendo mal gerenciado há tempos. Acho que tudo isso está relacionado aos governos recentes e aos escândalos de corrupção, que parecem atingir todos os setores do estado.