Estudos mostram que pandemia pode ter mudado personalidade das pessoas, principalmente jovens

Por mais de dois anos, Covid interrompeu rituais sociais e ritos de passagem, agora, um estudo sugere que nos tornamos menos extrovertidos, criativos e agradáveis; declínios foram mais acentuados entre jovens

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Por Christine Chung
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Seja assistindo a palestras na escola, causando primeiras impressões memoráveis naquele primeiro trabalho em um escritório ou na pista de um show, muitos dos rituais sociais que eram ritos de passagem para os jovens foram interrompidos pela pandemia do coronavírus.

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Isso deixou pessoas como Thuan Phung, aluno do segundo ano da Parsons School of Design que mora em Hell’s Kitchen, em Manhattan, sentindo-se “estranho” em relação às interações da vida real. Após dois anos de aulas virtuais, ele está de volta à sala de aula.

“No Zoom, você pode ficar mudo”, disse Phung, 25. “Demorei um pouco para saber como falar com as pessoas.”

Agora, um estudo recente da personalidade das pessoas sugere que o desconforto que ele sente não é incomum para pessoas de sua geração, que foram forçadas ao isolamento devido às restrições da pandemia na faixa dos 20 anos, uma época de ansiedade social para muitos deles.

A covid não apenas reformulou a maneira como trabalhamos e nos conectamos com outras pessoas, mas também redesenhou nossa maneira de ser, de acordo com o estudo, que encontrou alguns dos efeitos mais acentuados entre os jovens adultos.

Nossos principais traços de personalidade podem ter diminuído de modo que nos tornamos menos extrovertidos e criativos, não tão agradáveis e menos conscienciosos, de acordo com o estudo publicado no na revista PLOS ONE.

Esses declínios totalizaram “cerca de uma década de mudança normativa de personalidade”, disse o estudo. Pessoas com menos de 30 anos mostraram uma “maturidade interrompida”. Essa mudança é o oposto de como a personalidade de um jovem adulto normalmente se desenvolve ao longo do tempo, escreveram os autores do estudo.

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“Se essas mudanças forem duradouras, essas evidências sugerem que eventos estressantes em toda a população podem alterar ligeiramente a trajetória da personalidade, especialmente em adultos mais jovens”, disse o estudo.

Lucy Nguyen participa de um grupo de grito. Foto: Kaiti Sullivan/The New York Times

Os autores do estudo de personalidade basearam-se em dados do Understanding America Study, um painel de internet em andamento na Universidade do Sul da Califórnia que começou a coletar respostas de pesquisas em 2014, com base em dados disponíveis publicamente de cerca de 7.000 participantes que responderam a uma avaliação de personalidade administrada antes e durante a pandemia.

Angelina Sutin, principal autora do artigo e professora da Universidade do Estado da Flórida, disse que os resultados do estudo mostraram que, em média, a personalidade foi alterada durante a pandemia, embora ela enfatize que as descobertas capturaram “um instantâneo no tempo” e podem ser temporárias.

“A personalidade tende a ser bastante resistente à mudança. Pode precisar de algo como uma pandemia global”, disse Sutin. “Mas é difícil identificar exatamente o que na pandemia levou a essas mudanças.”

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Sutin e seus coautores também não sabem se essas mudanças de personalidade persistirão.

Os pesquisadores analisaram cinco dimensões da personalidade: neuroticismo, tolerância ao estresse e emoções negativas; abertura, definida como a capacidade de ser inconvencional e criativo; extroversão, ou quão extrovertida uma pessoa é; amabilidade, ou ser “confiante e direto”; e conscienciosidade, o quão responsável e organizada uma pessoa é.

Gerald Clore, professor emérito de psicologia da Universidade da Virgínia, disse que os autores foram “apropriadamente cautelosos” em suas conclusões e enfatizaram a necessidade de mais estudos para reexaminar as descobertas.

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A pandemia em si foi uma “experiência infernal”, disse Clore, teorizando que pode ter sido a reestruturação das rotinas, em vez do estresse geral, que remodelou a personalidade das pessoas.

Talvez ecoando as mudanças, o interesse pela psicoterapia disparou durante a pandemia, disseram vários terapeutas. A terapia virtual também cresceu.

Na Talkspace, plataforma que oferece terapia online, o número de usuários ativos individuais aumentou 60% de março de 2020 para um ano depois, disse John Kim, porta-voz da empresa.

O número de adolescentes que procuram terapia na BetterHelp quase quadruplicou desde 2019, disse um porta-voz da empresa de terapia online.

Terapeutas que atuam nos Estados Unidos dizem que observaram seus clientes lutando para navegar nos limites da vida pandêmica e lidar com as vicissitudes das normas sociais.

Heather Dinn lidera um grupo de grito; essas atividades podem ajudar a a liberar sentimentos. Foto: Kaiti Sullivan/The New York Times

Nedra Glover Tawwab, terapeuta de Charlotte, na Carolina do Norte, com consultório particular e mais de 1 milhão de seguidores no Instagram, disse que notou um desconforto crescente à medida que as pessoas se reintegravam lentamente às rotinas anteriores, como trabalhar em um escritório.

“Nós nos acostumamos tanto com o isolamento que agora achamos que adoramos isso”, disse Glover Tawwab. “Mas isso é realmente quem você é? Ou isso é o que você teve que aceitar durante esse tempo?”

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Delta Hunter, terapeuta da cidade de Nova York que promove um grupo de terapia para ansiedade social, disse que a pandemia “agravou” a ansiedade existente.

“As pessoas querem se conectar e processar as coisas juntas e não pudemos fazer nada disso”, disse Hunter. “As pessoas se sentiram realmente perdidas por causa disso.”

Os adultos mais jovens, e especialmente os adolescentes, enfrentaram maiores restrições nas atividades e experiências típicas da adolescência e juventude, concluiu o estudo de Sutin. Descobriu-se que os indivíduos com menos de 30 mostraram as quedas mais acentuadas em conscienciosidade e amabilidade.

“Quando todo o seu mundo vai para o espaço virtual, você perde aquele campo de treinamento para poder ser mais consciencioso”, disse Harmon, acrescentando que viu muita ansiedade social nas gerações mais jovens, talvez porque não acumularam tantas experiências presenciais e habilidades de enfrentamento.

Vários meses atrás, o consultório de Anviksha Kalscheur em Chicago montou um programa de apoio a adolescentes para ajudar os jovens a lidar com sentimentos de desconexão e isolamento.

Os adolescentes expressaram uma visão geral negativa em relação ao futuro e mais ansiedade social, ela disse. Os terapeutas perceberam uma “pequena nuvem escura” na perspectiva de seus clientes quando se tratava de perceber a incerteza dos próximos anos, disse Kalscheur.

Conexão, vínculo e interação com os outros são fundamentais para o desenvolvimento da personalidade, disse Kalscheur, acrescentando que a identidade e a personalidade ainda estão sendo formadas em adolescentes mais jovens.

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“Você está naquele estágio de desenvolvimento, onde eles não estão recebendo essas dicas, esses vínculos, esse aprendizado, todas aquelas peças diferentes que se juntam e nas quais você nem pensa”, ela disse. “Então, é claro, seu ambiente tem um impacto muito grande nesse período de tempo específico.”

Por quanto tempo as mudanças do período pandêmico vão durar permanece uma questão em aberto, disseram os autores do estudo.

Terapeutas, incluindo Glover Tawwab, disseram que o período de transição para a vida presencial após o pior da crise poderia apresentar uma oportunidade de reintegração lenta e de reconexão com pessoas e experiências de forma mais intencional.

“Este é um momento maravilhoso para realmente observar do que você sente falta e de quais coisas você gosta de estar longe”, ela disse. “Portanto, agora temos esse tempo para criar o que realmente queremos.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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