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Brasil Educação

Estudantes opinam sobre Base Curricular apresentada pelo MEC

Jovens reivindicam participação nas mudanças que serão promovidas no ensino médio
Jorge Sanches, Mariana Rodrigues e Júlia Amorim discutem a Base: para eles, estudantes devem ser ouvidos e MEC precisa ajustar política à realidade Foto: Agência O Globo
Jorge Sanches, Mariana Rodrigues e Júlia Amorim discutem a Base: para eles, estudantes devem ser ouvidos e MEC precisa ajustar política à realidade Foto: Agência O Globo

RIO — “Nunca vi o ministro da Educação falar da realidade.” A opinião firme vem de uma aluna do terceiro ano do ensino médio do Colégio Pedro II do Humaitá. Júlia Amorim, de 17 anos, tem muitas visões sobre o modelo de educação que gostaria de ver não só na sua escola como nas outras. Mas, segundo ela, raramente suas opiniões e de seus colegas são levadas em consideração na definição das políticas públicas. Na semana passada, o Ministério da Educação (MEC) divulgou a terceira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio, documento que servirá como diretriz para os currículos do país nessa etapa da escolarização. O GLOBO ouviu alguns jovens sobre as impressões que tiveram da proposta e lançou a questão: afinal, qual seria o ensino médio dos sonhos?

Ainda que falassem de um tema tão complexo, os estudantes — de diferentes perfis, escolas e idades — concordaram em alguns pontos centrais: as propostas do MEC estão descoladas da realidade do país, os alunos estão alijados do processo de mudança da etapa, e a educação precisa se aproximar do cotidiano. Para eles, o ensino médio deve ser transformado com urgência, mas isso não é uma chancela para que o governo promova mudanças tão profundas sem, na opinião deles, uma reflexão considerável.

A BNCC deve nortear os currículos no que diz respeito a 60% da carga horária das escolas. De acordo com a reforma do ensino médio, essa parte será de conteúdo comum para todos os estudantes, e os outros 40% serão compostos pelos chamados itinerários formativos. Na terceira versão da Base, que ainda pode ser alterada, o MEC trouxe um ensino médio estruturado em grandes áreas do conhecimento (Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Linguagens e Matemática), incluindo como componentes curriculares (disciplinas) — com orientações específicas — apenas português e matemática. A justificativa da pasta foi que o modelo possibilita às redes, se assim desejarem, trabalhar os conteúdos de maneira interdisciplinar, por meio de projetos, por exemplo.

FORMAÇÃO MAIS INTEGRAL

Os estudantes têm opiniões variadas sobre esse aspecto, mas é consenso que a Base dificilmente será colocada em prática de maneira ideal, ao menos no ensino público. Eles destacam também que gostariam de ter uma escola que estivesse mais alinhada com situações que vivem no dia a dia, com menos conteúdos tão específicos, que acabam sem utilidade.

— Como vão implementar isso em um colégio municipal ou estadual, que, muitas vezes, não tem nem professor? Onde as pessoas estão fechadas em um mundo de desigualdade e nem conseguem ver as oportunidades? — questiona Júlia.

A parte positiva, na percepção dos alunos, é que a proposta de interdisciplinaridade da Base pode fazer com que as aulas fiquem mais atrativas e deem uma resposta a uma demanda antiga dos estudantes de fazer com que o que aprendem na escola faça algum sentido. Outro ponto a favor do documento é que o texto leva em consideração o desenvolvimento artístico e cultural dos jovens e também uma formação mais integral. Jorge Sanches, que tem 18 anos e é colega de turma de Júlia no Pedro II, tem essa opinião:

— Ter uma relação entre as matérias é muito importante. Muitas vezes acabamos perdendo alguns aspectos, porque não relacionamos com outros conteúdos. É importante poder trabalhar diversos conteúdos de uma vez.

Por outro lado, os jovens ponderam que a iniciativa aplicada a um sistema de ensino problemático pode atuar como uma “bengala” para problemas históricos, como a falta de professor. Na visão deles, um currículo organizado por áreas do conhecimento permitiria que um docente com uma formação específica ministrasse todas as aulas da área. Atualmente, a deficiência na adequação docente (professores que dão aulas em uma área que não é de sua formação) já é realidade.

A formação de professores é feita por graduações específicas, ou seja, o professor de história é licenciado em História, portanto não é lógico um professor dar uma matéria que não é sua. Na minha escola ( estadual ), por exemplo, faltam professores, e suprir essa demanda é um dever do Estado. Essa reforma é um meio de burlar esse processo de contratação de novos professores — opina Lucas Albuquerque, 18 anos, do Ciep 201 Aarão Steinbruch, em Duque de Caxias, e membro do grêmio estudantil Dandara dos Palmares.

Ainda que estude em uma escola particular que, em sua opinião, tem uma visão interessante de ensino, Barbara van Steen, de 16 anos, acha que, ao apresentar uma estrutura tão aberta, o MEC lava as mãos.

— Vejo como uma maneira de o governo tirar sua responsabilidade na educação. Temos uma política cada vez mais confusa. O MEC deixa os parâmetros completamente livres, o que coloca as escolas em uma situação vulnerável. Talvez para as escolas particulares, que têm recursos, esse modelo seja bom, mas para as maioria dos colégios do Brasil não faz sentido — diz ela, que é aluna da Escola Parque.

Mariana Rodrigues, de 17 anos, do Pedro II, argumenta que é preciso ter consciência das disparidades do sistema:

— O ensino público é muito debilitado e superficial. Na prática essas propostas não dariam certo. As pessoas não estão no mesmo patamar, não têm as mesmas condições.

Preocupação principal de boa parte dos jovens, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também entrou na roda de questionamentos devido à mudança proposta na etapa. Com a possibilidade de tantos currículos na parte comum, como haverá uma prova única para todos os estudantes?

— O Enem é para o Brasil inteiro, o país todo deve ter visto a mesma coisa, o que já não acontece. Agora que cada estado construirá seu currículo, como vamos competir entre todos os brasileiros? Não faz sentido — diz Júlia, sendo respondida por Jorge:

— O que vai acontecer é que o Enem vai propor e as escolas vão ter que se encaixar.

Com tantas mudanças em perspectiva, o sentimento de Deborah Marassi, de 14 anos, que estuda no primeiro ano do Notre Dame do Recreio, é de apreensão:

— Tenho um pouco de medo de a reforma ser implementada enquanto estou na escola, porque acho que é uma mudança radical e pode acabar atrapalhando meu ensino médio. O medo é de não me adaptar a esse novo modelo.