Por Júlia Montenegro e Pedro Lins, G1 PE e TV Globo


Estudantes criticam foco excessivo no Enem no ensino médio

Estudantes criticam foco excessivo no Enem no ensino médio

O sistema de ensino brasileiro, nos três anos finais, é voltado, quase que exclusivamente, para um objetivo: os exames classificatórios para ingresso na universidade. Em muitos casos, as próprias notas escolares e as outras atividades do estudante ficam em segundo plano para dar espaço à maratona por uma boa nota no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou na prova de seleção da universidade desejada (veja vídeo acima).

Até a sexta-feira (6), o G1 e a TV Globo mostram, em reportagens, os desafios e o futuro da educação no contexto de pandemia.

Especialistas e estudantes acreditam que talvez seja hora de repensar o modelo de prova. Para eles, o Enem não é a forma mais justa de decidir quem deve entrar na universidade e, muito menos, decidir o destino do aluno.

Alunos da Escola de Referência em Ensino Médio (Erem) Mariano Teixeira, no bairro de Areias, na Zona Oeste do Recife, foram ouvidos. Esdras Vinícius da Silva, de 16 anos, questiona a forma como se fala do Enem na escola.

Esdras Vinícius da Silva, de 16 anos, questiona a forma como se fala do Enem na escola — Foto: Reprodução/TV Globo

“Estudar para o Enem, não só para o Enem, mas para outros vestibulares é uma pressão psicológica muito grande. A gente chega na sala de aula e é isso desde o 1º ano. Se engana quem acha que começa no 3º ano”, diz.

Para Ana Maria Ribeiro, de 17 anos, que também é aluna do ensino médio, a pressão psicológica afeta na hora da prova. "Afeta, sim. No 1º ano não foi legal chegar na aula e ser logo pressionada com essa história do Enem", conta.

Os alunos acreditam que o exame não mede o nível de conhecimento dos participantes. "Não tem como medir nosso aprendizado, não tem como medir nossa inteligência", diz Cibelly Tenório, de 19 anos.

Estudantes acreditam que talvez seja hora de repensar o modelo de prova para ingresso na universidade — Foto: Reprodução/TV Globo

Carlos Roberto da Silva, de 17 anos, diz que se sente preso ao exame. "Me sinto preso a isso porque muitas pessoas nos dizem ou tentam dizer que o Enem é como se fosse a prova da nossa vida. Dizem que se a gente não fizer o Enem, se a gente não tirar uma nota boa, a gente não vai ser ninguém na vida. Mas não é assim, não", diz.

O youtuber Felipe Molero concorda. Ele tem só 13 anos e já investe na Bolsa de Valores. Morando em São Paulo, começou a ter interesse pelo mercado econômico desde muito cedo. De família de classe média, Felipe sonha em ser economista e gestor financeiro.

Na internet, ele é conhecido como "kid investor". Empreendedor, aos 11 anos Felipe criou uma empresa e, atualmente, é sócio-fundador de três startups. Ele cursa o 8º ano do ensino fundamental e reconhece que mesmo quem ainda não chegou no ensino médio também já percebeu a pressão que as escolas fazem para a aprovação no Enem.

"Hoje, eu acho que a metodologia de ensino que é aplicada nas escolas não é aquela que prepara a gente, realmente, para a vida real. Eu, pelo menos, vejo que a escola deveria preparar a gente para a vida. Para que, quando a gente saísse de lá (da escola), se a gente quisesse ou não fazer uma faculdade, a gente saísse preparado pra lidar com a vida do jeito que ela é", diz.

Para o estudante do 8º ano do ensino fundamental Felipe Molero, nosso sistema escolar, em geral, confirma o individualismo — Foto: Reprodução/TV Globo

Para Felipe Molero, o nosso sistema escolar, em geral, confirma o individualismo. Ele acredita que o ambiente precisa considerar o protagonismo compartilhado e a tecnologia.

"Na escola, alguém, por exemplo, vai passar uma tarefa para gente e vai nos impedir de falar com outras pessoas para resolver aquele problema, vai impedir a gente de consultar, seja internet, livros ou qualquer outra coisa pra resolver a prova", diz.

Molero acredita que a vida pós-escola é totalmente diferente do que se aprende nela. "A gente sabe que, na vida real, a questão do network, conhecer pessoas, falar com outras pessoas é sempre aquilo que vai garantir um bom resultado para a gente. Porque, às vezes, a gente pode ser extremamente esperto, extremamente inteligente numa área, enquanto em outra a gente não é”, conta.

Especialistas

Para muitos estudantes da rede pública e que fazem o Enem, o sonho é estudar na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Além da qualidade do ensino, não pagar nada para fazer um curso superior é fundamental. Mas e se esse sonho não der certo? Se a nota não for suficiente pra entrar na universidade?

Chefe do departamento de educação da UFPE, Catarina Gonçalves, diz que é preciso estudar para ser alguém melhor — Foto: Reprodução/TV Globo

De acordo com a chefe do departamento de educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Catarina Gonçalves, é preciso desconstruir a ideia de estudar para ser alguém na vida. "A escola precisa entender que cada um e cada uma que ingressa já é alguém na vida", diz.

"A gente não precisa estudar para isso porque a gente já é. Ao nascer, nós já somos alguém na vida. A gente precisa estudar para ser um ser humano melhor. A gente precisa estudar para entender os fenômenos que nos mostram que não há, por exemplo, superioridade entre as raças. A gente precisa estudar pra entender a origem da desigualdade social e se opor, e se angustiar em relação a ela. A gente precisa estudar pra produzir ciência e descobrir vacinas que vão salvar as pessoas", diz Catarina Gonçalves

E essa compreensão que Catarina fala precisa ser urgente. Para o cientista e presidente do conselho do Porto Digital, Silvio Meira, o modelo de formação baseado em sala de aula, sem laboratórios, precisa ser repensado no Brasil.

Para o cientista e presidente do conselho do Porto Digital, Silvio Meira, modelo de formação precisa ser repensado — Foto: Reprodução/TV Globo

“A gente tem uma coisa para repensar, seriamente, no Brasil, que é um modelo de formação baseado em sala de aula, sem laboratórios, onde as pessoas, basicamente, decoram coisas e repetem coisas. Se eu vou pra sala, alguém me diz, um professor me diz, com autoridade, que o mundo funciona assim. Eu 'aprendo' aquilo só a ponto de fazer uma prova sobre aquilo. Ou seja, estou, literalmente, me formando em fazer provas", diz

Sobre as necessidade do jovem, da pressão para o Enem e de uma revisão na forma de ensino, o secretário de Educação de Pernambuco, Marcelo Barros, reconheceu que a escola precisa ter um conceito mais amplo.

“A escola tem que ter um conceito mais amplo, um conceito de ensinar para a vida e não apenas para o Enem. Óbvio que o Enem é uma etapa fundamental. Muitos estudantes têm o objetivo de entrar no ensino superior, mas outros estudantes não têm. Outros estudantes preferem cursos profissionalizantes e entram em outras esferas educacionais”, disse o secretário.

Pandemia

Os estudantes também relataram que a relação com alguns professores, durante a pandemia, ficou comprometida. Eles acreditam que isso é algo que influencia no desenvolvimento e interfere no desejo de estar na escola. Para Esdras Vinícius, a falta de interação com o professor desanima.

“Nessa pandemia, me senti perto de alguns professores, alguns que estavam comigo antes, já estavam me ajudando antes, mas outros eu estive longe, outros estou longe porque eles não procuram saber da gente. É isso que eu acho que desanima o aluno, essa falta de interação entre professor e aluno e até mesmo entre aluno e a escola em si, não só o professor, como diretora, coordenadora, equipe técnica", diz.

Estudante Cibelly Tenório contou que, durante a pandemia, as notas caíram — Foto: Reprodução/TV Globo

Cibelly Tenório contou que, durante a pandemia, as notas caíram. "Sempre fui muito participativa na escola, sempre gostei bastante de falar, de dar palestras. Mas, com a aula online, isso mudou bastante porque eu já não conseguia mais falar, não tinha espaço para falar e isso me desmotivou bastante. Minhas notas caíram bastante e fiquei distante da escola”, conta.

Segundo especialistas, a escola é um espaço de troca, onde é possível criar laços. Para a chefe do departamento de educação da UFPE, o professor não vai para escola para transmitir os saberes que tem.

"Isso é muito pequeno para a profissão de docente. Inclusive, porque, em outrora, isso fazia sentido na escola. O saber estava na escola, estava no professor, estava no livro, estava na biblioteca, se mostrava na escola", diz Catarina Gonçalves. Para a educadora, o grande desafio da escola é formar meninos que saibam pensar.

"É como Edgar Moham falava: 'não é a cabeça cheia, é a cabeça bem feita'. E, se não é na escola que a gente vai aprender a pensar, se não é na escola que a gente vai aprender a questionar, se não é na escola que a gente vai conviver com a diversidade, e, portanto, normalizá-la e respeitá-la, se não é na escola que a gente vai se reconhecer no outro que é tão diverso de mim, alguém pode me dizer onde é que vai ser?", questiona.

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