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Estudantes contam por que, apesar da crise, vão tentar o vestibular da Uerj

Exame da universidade acontece neste domingo, a partir das 9h
Júlia Saraiva sonha com uma vaga na Uerj Foto: Divulgação
Júlia Saraiva sonha com uma vaga na Uerj Foto: Divulgação

RIO- A estudante Júlia Saraiva, de 17 anos, pisou na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) pela primeira vez em maio deste ano. Foi ao campus do Maracanã assistir a um debate sobre o espaço da população negra na instituição. A partir desse evento, ela, que sempre pensou em estudar na Uerj, teve certeza de que deveria tentar uma vaga por lá. Júlia está entre os cerca de 37 mil estudantes que farão o primeiro exame de qualificação da universidade neste domingo, número que representa menos de 50% dos que fizeram a mesma prova no ano passado. Um reflexo da pior crise da história da instituição.

A excelência acadêmica, principalmente em cursos tradicionais como o de Direito, e a realização do sonho de estudar numa universidade pública são alguns dos motivos apontados pelos jovens que tentarão entrar na universidade no próximo ano. Júlia faz questão de destacar o perfil inclusivo da Uerj como um de seus principais atrativos.

— Andei tudo lá dentro, conversei com muita gente. Reparo sempre mais nas pessoas do que no lugar. Sabia que encontraria a faculdade com dificuldades, e ela estava, de fato, muito largada — relata Júlia. — Subi para o debate e todos estavam sentados em uma roda, debatendo, preocupados uns com os outros de verdade. A Uerj é um lugar de muita empatia.

A universidade adotou a política de cotas em 2003 e, atualmente, 45% das vagas do vestibular são reservadas para alunos comprovadamente carentes, com subdivisões para negros e índios, estudantes de escolas públicas, deficientes e filhos de agentes do estado, como policiais, bombeiros, entre outros.

— A Uerj sempre teve essa característica de acolher a todos. Foi a primeira universidade do país a adotar as cotas. A diversidade de pessoas que frequenta aquele lugar é impressionante. É uma faculdade diferente das outras — explica Júlia, que vai tentar uma vaga para Direito. — Observo que todo mundo que entra lá muda um pouco. As pessoas que que conheço são outras antes e depois de estudar na Uerj.

Ainda assim, a estudante guarda certas preocupações.

— Tenho um pouco de medo sobre o futuro da universidade. Fico triste porque contam que a faculdade está num estado precário. Dizem que os banheiros não têm portas, que o bandejão está fechado. Essas coisas são preocupantes, mas mesmo assim quero ir para lá — conta Júlia.

RELEVÂNCIA NO CENÁRIO ACADÊMICO

Uma vaga na instituição também é o desejo de Luana Kaiser, de 18 anos. A estudante leva em consideração a excelência da universidade no que diz respeito ao ensino. Segundo ela, a crise não é capaz de ofuscar a relevância da Uerj no cenário acadêmico.

— Não vou negar que tenho medo de encontrar problemas, porque tenho amigos que estudam lá e estão desanimados com a faculdade. Mas a Uerj é uma das melhores universidades do Brasil e um diploma de lá vale muito — analisa Luana, que prestará vestibular para Ciências Sociais. — Não quero deixar isso de lado. Não me falta medo, mas se eu passar, vou cursar. A instituição é uma das melhores para o curso que quero fazer.

A estudante destaca ainda que, pela sua percepção, a Uerj não é a única universidade pública no estado a enfrentar um processo de precarização.

— Acho que todas as faculdades públicas do Rio de Janeiro estão nessa situação. Fui à UFRJ recentemente e lá também não está maravilhoso. Acho que é um sucateamento geral, não é só a Uerj que enfrenta isso. Ela está pior devido à crise do estado, mas outras universidades também têm problemas — afirma.

Na última atualização feita pelo Ministério da Educação (MEC) do Índice Geral de Cursos (IGC), um indicador que mede a qualidade das instituições de ensino superior brasileiras, a Uerj registrou nota 4 em uma escala na qual a nota máxima é 5. O IGC inclui a média dos últimos três anos no Conceito Preliminar de Curso (CPC) — que leva em conta a nota do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), avaliação do corpo docente, infraestrutura, entre outros aspectos —, além de conceitos de avaliação dos cursos de pós-graduação.

Em classificações internacionais como o QS Ranking, a Uerj tem perdido posições. No ranking de 2016, a instituição estava entre as 700 melhores universidades do mundo. Já na edição seguinte ficou depois da colocação 701 (a listagem não especifica a posição exata) e, na última lista divulgada, estava a partir da 801ª colocação.

‘BOM MOMENTO PARA DISPUTAR VAGA’

Diretor do vestibular da Uerj, Gustavo Bernardo Krause afirma que, mesmo com o número reduzido de inscritos, o exame será conduzido com a mesma excelência dos anos anteriores, tanto em termos de conteúdo da prova, quanto em aspectos relacionados à infraestrutura. Somente no campus do Maracanã, a Comissão de Vestibular usou o próprio orçamento para trocar cerca de 500 lâmpadas:

— A queda no número de inscritos foi drástica. Trabalho com o vestibular há mais de 20 anos. Nesse período, é o menor número de inscritos. Pode até ter havido número inferior a esse em momentos anteriores, mas por outras conjunturas, não uma crise. Isso é bastante ruim, mas temos que nos preocupar com os 37 mil que ainda acreditam na Uerj e apostam na universidade pública. A vontade dos alunos de buscarem a Uerj, apesar da crise, nos ajuda a resistir — afirma Krause.

O primeiro exame de qualificação — que acontece neste domingo a partir das 9h, e terá questões objetivas de Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e Ciências da Natureza — registrou 37.393 mil inscritos na edição deste ano. O número é bem menor que o do ano passado, quando 80.251 candidatos se inscreveram na prova da Uerj. Caso queiram melhorar a nota, esses estudantes ainda poderão fazer o segundo exame de qualificação da instituição em setembro. Já a segunda fase do vestibular acontece somente em dezembro.

Para Krause, os estudantes que tentarão uma vaga na Uerj neste ano podem até encontrar um aspecto positivo.

— Há uma questão pragmática por parte dos alunos. Eles podem perceber que a hora é essa. Há uma diminuição significativa na relação candidato por vaga — analisa o diretor de vestibular. — Ainda não temos como estimar isso por curso, porque os candidatos só assinalam a opção de carreira a partir da segunda fase, mas, com certeza, essa margem será menor.

ALUNOS CONHECERAM UERJ APENAS NA CRISE

As dificuldades impostas pela crise da universidade são bem conhecidas de Letícia Toledo, de 21 anos. Aliás, ela sequer chegou a conhecer uma Uerj sem crise, já que entrou na universidade no segundo semestre de 2015. Letícia acabou de concluir o terceiro período de Relações Públicas, mas deveria estar indo para o quinto.

— Desde que eu entrei, basicamente tenho feito um período por ano, por causa das paralisações. Eu imaginava que ia me formar mais rápido. Durante certo tempo, foi desanimador, porque não conseguia estágio pela falta de capacitação mínima. Hoje estou mais tranquila, finalmente comecei a estagiar. Eu queria que esse cenário melhorasse rápido, mas acho que não vai acontecer, pois é uma situação que vem se estendendo há muito tempo e sempre são tomadas apenas medidas paliativas — conta ela.

Letícia Toledo entrou na UERJ já em tempos de crise Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo
Letícia Toledo entrou na UERJ já em tempos de crise Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo

Embora seja vítima da falta de investimentos na universidade, Letícia diz que não sairia da instituição e, se pudesse voltar no tempo, prestaria novamente o vestibular. Na opinião da aluna, é fundamental que continue havendo demanda por todos os cursos disponíveis.

— A gente não pode abandonar a universidade e deixar que seja sucateada de vez. Ela precisa que os alunos estejam dispostos a estar lá. O lema é fazer a universidade resistir. Mesmo nessa situação, a Uerj é valida, só precisa de investimento. Os alunos têm que estar dispostos, saber que a situação não está fácil, que encontrarão dificuldades, mas terão muitas coisas boas pelo percurso.

Aluna de Engenharia Química, Clara Pinto, de 20 anos, também é uma das estudantes que resistem na universidade. Assim como Letícia, Clara entrou no segundo semestre de 2015 e cursa o terceiro período. Ela relata que, em sua turma, vários colegas decidiram abandonar o curso na Uerj.

— A maioria das pessoas da minha sala saíram e foram para outra faculdade. Éramos cerca de 45 no início e sobraram uns 30. Algumas amigas minhas fizeram inscrição para o Enem deste ano. Eu já pensei em sair, mas não tenho coragem. Vou persistir até onde der. Essa situação é um descaso. É uma faculdade ótima, reconhecida mundialmente — diz Clara.— Nossos professores não recebem há meses, assim como os funcionários. A Uerj não tem papel higiênico. De dez elevadores, três funcionam.

Mas, mesmo com todas as questões que envolvem a precarização da universidade, o discurso de Clara é semelhante ao de Letícia:

— É frustrante ter entrado na pior época da Uerj. A universidade nunca passou por uma crise tão grande. Mas, ainda assim, eu diria para os estudantes que irão prestar vestibular não desistirem da instituição. Dizem que a Uerj vai fechar, mas isso não vai acontecer.