Mapa mostra onde foram fechadas escolas municipais durante operação das forças armadas e polícia na Zona Norte do Rio




 
Uma estudante me disse que um dia, olhando para o pequeno quadro negro numa das paredes da sala de aula improvisada do Pré-vestibular para Negros e Carentes, havia pensado: “Esse pequeno quadro negro é a janela para o meu futuro’”

Ainda tênue nos anos 1990, a consciência de que a educação é fundamental para melhores oportunidades, tornou-se mais intensa na década de 2000, e hoje, muitas crianças e jovens de escolas públicas pelo Brasil afora, mesmo em ambientes conflagrados pela inútil guerra às drogas, aspiram um futuro melhor e sabem o que estão perdendo quando impossibilitados de assistir às aulas. Porém, a escola dos menos favorecidos em nossa sociedade sofre impedimentos de toda a ordem e acaba muitas vezes destruindo o sonho de quem sonha mesmo em tempos de guerra, de violência.

Vivemos em um estado de anomia, como talvez definisse Durkheim ao olhar para o Brasil de hoje, ausência de lei, regra, desvio, anarquia e desorganização.

Nas periferias as consequências da falta de governo se verificam de muitas formas. A violência do próprio sistema oferece aos desfavorecidos menos chances e escolas piores, reforçando a pobreza e a desigualdade em vez de diminuí-las. Os exemplos são inúmeros. Basta entrar em uma dessas escolas e ver as condições físicas dos prédios e do entorno. A maioria sem a menor possibilidade de proporcionar o básico do ensino, seguindo um sistema que se apoia na pedagogia da repetência, expressão cunhada pelo pesquisador Sergio Costa Ribeiro, retendo os alunos durante muitos anos na escola sem aprender o mínimo.

Além dessa violência maior, temos o corolário que é a violência do dia a dia. Estudantes agridem professores, como ocorreu no dia 21 de agosto último. A professora fez um terrível desabafo nas redes sociais mostrando em um vídeo as consequências dos socos e empurrões que sofreu na sala da diretora de uma unidade da rede pública de Santa Catarina. Ocorrência comum em muitas cidades do Brasil,

E, finalmente, há a guerra que se trava hoje entre as forças de segurança e os chamados “bandidos” ou traficantes, atingindo com estarrecedora violência crianças e jovens fora e dentro do ambiente escolar.

O município do Rio de Janeiro está em guerra, milhares de crianças e jovens ficam sem aulas, e muitos são mortos ou feridos pelas balas da polícia quando estão no pátio ou mesmo nos corredores e salas. Neste terrível quadro de total desamparo, não tem as mínimas condições de amparar  as famílias que esperam dar oportunidade a seus filhos, levando-os para a escola do bairro e acreditando que lá o “pequeno quadro negro” poderá ser a janela para um futuro melhor.

Diante do contexto de total anomia, o secretário de educação, lazer e esportes do município do Rio de Janeiro, Cesar Benjamin, decidiu em conjunto com os diretores de quinze escolas da Zona Norte da cidade suspender as aulas enquanto as comunidades estiverem sofrendo o embate entre as forças de segurança e os traficantes altamente armados. Outras tantas terão o horário de funcionamento modificado com o objetivo de proteger os estudantes, funcionários e professores.

No meio deste fogo cruzado, o secretário municipal de educação, luta como um herói para dar um mínimo de chance a estas crianças e jovens, aos mestres e funcionários. Acompanhando suas postagens no face book nos sentimos irmanados. Afinal, o que fazer? Poderia estar vociferando contra um estado desgraçado ou usando frases para combater ideologicamente a guerra às drogas, mas não, está debatendo com as forças de segurança e tentando organizar o caos.

Cesar Benjamin é muito criticado por estar servindo ao governo do bispo Crivella, mas, de fato, é um combatente que decidiu abandonar as fileiras dos raivosos, dos ideólogos, para tentar salvar alguns estudantes do massacre que sofrem. Confesso que mesmo conhecendo o secretário há muitos anos e sabendo da sua retidão e coragem, nunca imaginei que ele pudesse se transformar nesse grande estrategista em defesa dos mais fracos, dos que recebem pouco embora busquem apenas o que lhes é devido – o direito à segurança, à liberdade, à educação e ao sonho de ter uma vida melhor.

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