Brasil Educação Enem e vestibular

Estrutura de montagem do Enem consegue blindar prova de influência do governo, analisam especialistas

Cada questão leva meses para entrar no Banco Nacional de Itens: são construídas, discutidas e depois testadas para que seu grau de dificuldade seja analisado
Primeiro dia de provas do Enem 2021, em São Paulo Foto: Aloisio Mauricio/Fotoarena/Agência O Globo / Aloisio Mauricio/Fotoarena/Agência O Globo
Primeiro dia de provas do Enem 2021, em São Paulo Foto: Aloisio Mauricio/Fotoarena/Agência O Globo / Aloisio Mauricio/Fotoarena/Agência O Globo

RIO - A prova com “a cara do governo” que o presidente Jair Bolsonaro afirmou que seria não se concretizou. Na avaliação de especialistas, apesar das tentativas do governo, a estrutura na qual a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é montada garantiu questões técnicas.

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—Enquanto existir o Banco Nacional de Itens e o exame tiver pré-testagem das questões, o Bolsonaro pode esperar e querer colocar a cara do governo que não vai conseguir. Nem ele, nem nenhum outro presidente. A ciência prevaleceu — afirmou Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

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Cada questão de uma prova do Enem leva meses para entrar no Banco Nacional de Itens (BNI). Elas são construídas, discutidas e depois testadas para que seu grau de dificuldade seja analisado. Essa análise impacta a correção da prova, que é feita através da Teoria da Resposta ao Item (TRI). Assim, as questões têm pesos diferentes de acordo com a sua dificuldade.

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Com isso, toda e qualquer interferência em uma questão do Enem desencadeia operação complexa para sua substituição. É que a prova é pensada para ter um conjunto de questões de graus de dificuldade diferentes e capazes de medir competências muito específicas.

Na prova realizado no último domingo, as questões trataram de temas que já foram alvo de críticas do presidente e de conteúdos que chegaram a ser censurados em edições anteriores do exame.

Entre elas, havia pelo menos duas sobre a situação dos indígenas brasileiros, que abordavam o protagonismo dos povos originários e a pressão de mineradoras sobre suas terras.

A prova também problematizou o conceito de "minorias", com base em texto do filósofo Deleuze, falou de escravidão e racismo pela música Sinhá, de Chico Buarque, opositor declarado do governo, e de conformismo através de canções de Gonzaguinha e de Zé Ramalho, com “Admirável gado novo”.

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— Pode até ter havido algum tipo de intervenção, no sentido de retirar alguma questão, mas é incontestável que não houve influência de temas conservadores na prova — aponta João Marcelo Borges, pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais, da Fundação Getulio Vargas (FGV/DGPE).

O cenário econômico não foi esquecido. Uma questão trouxe à discussão o capitalismo sob a ótica de Thomas Piketty, autor do livro "Capital e Ideologia"´Também autor do best-seller "Capital do Século XXI", com milhões de cópias vendidas no mundo inteiro, Piketty faz críticas ao modelo, alertando para a necessidade de melhoria na distribuição de renda.

— A estrutura do INEP sempre foi excelente e o processo de elaboração, testagem e segurança dos itens foram sendo aperfeiçoados.Os elaboradores e avaliadores sempre foram selecionados por editais e seguiam critérios acadêmicos sérios — avalia Catarina Santos, professora da UnB e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.