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'Estamos desamparados': estudantes sem aula e acesso à tecnologia se preocupam com data do Enem

Jovens da favela de Paraisópolis relatam dificuldade para ensino à distância e dizem que cronograma do exame pode ampliar desigualdade
Morador de Paraisópolis, favela da zona sul de São Paulo, Marcus Vinícius Conceição dos Santos, de 22 anos, quer fazer Enem para medicina e relata dificuldades para ensino à distância sem computador Foto: Divulgação/Arquivo pessoal / Divulgação/Arquivo Pessoal
Morador de Paraisópolis, favela da zona sul de São Paulo, Marcus Vinícius Conceição dos Santos, de 22 anos, quer fazer Enem para medicina e relata dificuldades para ensino à distância sem computador Foto: Divulgação/Arquivo pessoal / Divulgação/Arquivo Pessoal

SÃO PAULO - "Não tenho internet rápida e nem computador para o ensino à distância" afirma o aluno Marcus Vinícius Conceição dos Santos, de 22 anos, cujo sonho é passar no Exame Nacional do Ensino Médio ( Enem ) para medicina , um dos cursos mais concorridos do país. Morador da favela de Paraisópolis , a segunda maior da capital paulista com 100 mil habitantes, ele se vira como pode para estudar durante a pandemia de coronavírus , baixa parte do conteúdo pelo celular, mas seu pacote de dados não suporta os vídeos das aulas. Santos vive numa casa simples na comunidade, cuja construção foi ampliada ao longo dos anos e hoje abriga quase 20 parentes - pai, irmão, avós, madrinha, tios, primos e seus respectivos companheiros e filhos. Com a maioria deles em casa, concentração para o estudo é difícil, conta o jovem.

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Ele chegou a fazer cinco semestres de uma faculdade particular de enfermagem, onde tinha bolsa integral, mas largou tudo para ser médico. Hoje, atua como cuidador de idosos e ajuda nas despesas da casa. Até antes da pandemia estudava à noite. Fez um curso popular onde dão aulas alguns profissionais do hospital Albert Einstein, um dos melhores do país. Lá, conheceu uma pediatra que acabou lhe pagando um dos melhores cursos preparatórios. Não imaginava, porém, que a pandemia fosse atravancar o seu caminho.

- A falta de acesso à tecnologia é algo que nos deixa desamparados. Por vezes bate um desânimo; outras  sinto esperança de conseguir. Mas procuro dar meu jeito de estudar, de fazer o meu melhor - afirma Santos, que tem evitado ir para casa recentemente e buscado abrigo na casa de amigos para evitar o risco de conviver com seus avós e seus pais, já que não tem conseguido se manter em isolamento por causa do trabalho.

O estudante, que é um dos mais de 2, 6 milhões inscritos no Enem até agora, defende o adiamento das provas, uma vez que os alunos de regiões mais pobres têm enfrentado um abismo social para manterem os estudos à distância.

- O adiamento do Enem é uma forma de equiparar as mazelas sociais. Teremos mais tempo para nos preparar - defende Santos.

Por enquanto, não há confirmação sobre a mudança nas datas. Na quinta-feira , o STJ negou um pedido de adiamento.

As inscrições para o Enem 2020 começaram na segunda-feira. De acordo com o cronograma, as provas presenciais ocorrerão em 1 e 8 de novembro. A prova virtual, por sua vez, será aplicada nos dias 22 e 29 de novembro.

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Também moradora de Paraisópolis, a estudante Giselle Maria Ramos da Silva, de 18, tem um computador, mas o divide com dois irmãos adolescentes que estão no ensino médio. Ela havia conseguido uma bolsa num curso particular de vestibular. Agora, relata que com migração do conteúdo  para a internet, cuja velocidade em sua casa costuma ser "muito lenta", o aprendizado ficou mais difícil.

Gisele vai tentar o Enem pela terceira vez. Seu desejo é passar para o curso de relações públicas numa instituição federal. Mas reclama da falta de um espaço silencioso para se concentrar e estudar.

- A minha casa é pequena. Toda hora tem movimento e TV ligada. A verdade é que me sinto perdida, sempre achando que não estou aprendendo direito e que deveria estudar mais. Bate uma incerteza sobre o meu possível resultado no Enem e acabo ficando desesperada com toda essa situação - conta Gisele, que também tem esperança que haja adiamento do exame.

- Continuar com o exame mais importante do país quando a maioria de estudantes não têm um suporte mínimo para estudar em casa é contribuir ainda mais com a desigualdade - conclui.