‘Estadão’ debate: quando o País conseguirá deixar a alfabetização ao alcance de todos?


Meet Point com especialistas discute como superar baixos índices de leitura e escrita entre alunos do ensino fundamental; um dos caminhos para o futuro passa pelo papel do professor

Por Redação
Atualização:

Em maio, o Ministério da Educação estabeleceu pela primeira vez uma “nota de corte” para o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), pela qual o aluno precisa fazer 743 pontos para que seja considerado como alfabetizado. A regra, inédita, será testada na avaliação realizada este ano. Para discutir os Desafios da Alfabetização no País, o Estadão realizou nesta quarta-feira, 18, uma edição do Meet Point. A proposta do evento online, que teve transmissão ao vivo pelas redes sociais e canal do jornal no YouTube, é debater por que o Brasil ainda não consegue ensinar suas crianças a ler e a escrever na idade certa e como mudar esse cenário. Há um consenso: o papel do professor é essencial.

Participaram Ernesto Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede); Lilian Engracia, supervisora de currículo, inovação e recursos didáticos da Gerência de Educação do Sesi-SP; e Patrícia Botelho, pós-doutoranda em Ciências do Desenvolvimento Humano e professora universitária. A mediação coube a Renata Cafardo, repórter e colunista do Estadão e o evento gratuito ocorreu em parceria com o Sesi São Paulo.

“A alfabetização não acontece de uma hora para a outra. Desde a educação infantil, é preciso preparar as crianças”, afirmou Patrícia, exemplificando como as habilidades de leitura e escrita são essenciais ao longo de toda a escolarização. “Eu uso a leitura para, depois, no 4.º ano, por exemplo, atender a outros conteúdos. Então, é importante que, até o 3.º ano, eu desenvolva a habilidade de leitura e escrita. Isso vai afetar o aprendizado de outros conteúdos, de outras matérias, o que acaba interferindo ao longo de todo o desenvolvimento acadêmico e de aprendizagem. Se não sabe ler, como vai aprender outros conteúdos?”

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Patrícia Botelho, pós-doutoranda em Ciências do Desenvolvimento Humano e professora universitária Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

De acordo com o que prevê a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), espera-se que as crianças ao final do 2º ano já estejam minimamente alfabetizadas, aptas a decodificar palavras, associá-las aos sons e a seus significados. Isso, entretanto, não significa que elas sejam capazes de compreender textos aprofundados, o que deve ser aprimorado no ano letivo seguinte, como apontou Lilian. “A partir do 3.º ano, há essa ideia de consolidação da alfabetização, mas a gente precisa entender que nossas crianças são capazes. Elas têm de ser lançadas às experiências de bons textos, que podem ter sim uma linguagem mais refinada”,afirmou. “Acho que a gente precisa subir essa régua.”

Índices nacionais e globais

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“Precisamos combater a desigualdade desde cedo. Esses alunos da rede pública estão no mesmo patamar da rede privada ou da rede pública de outros países? Será que quando olhamos a aprendizagem adequada para o 2.º ano já temos o nível de complexidade que a gente quer?”, indagou Faria. “É muito importante o MEC ter feito essa discussão e estabelecido esse critério, mas e se a gente estiver legitimando os alunos do 2.º ano terem um nível de leitura muito básico? Quando o Saeb foi criado, em 1999, você tinha uma medida de evolução esperada dentro da escala de um aluno que passa do 5º ao 9º ano. Se você olha hoje, parece que os alunos estão cada vez aprendendo muito menos nos anos finais. Mas na verdade é o resultado do 5.º ano que está superestimado”, disse.

Na última semana, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgou o levantamento “Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência no Brasil”, segundo o qual o analfabetismo infantil dobrou no Brasil entre os anos de 2019 e 2022. O relatório avaliou especificamente como a pobreza atinge de forma multidimensional as crianças e adolescentes brasileiros, considerando índices como acesso a saneamento básico, moradia e água. Conforme os dados do Unicef, o número de crianças brasileiras que chegam aos 7 anos sem saber ler ou escrever foi de 20% para 40% no período, que coincide com a pandemia do coronavírus.

O que falta é entender a importância da fluência de leitura. Ler corretamente, com velocidade e melodia adequadas.

Patrícia Botelho

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Os especialistas apontaram, entretanto, que é preciso olhar para além do desempenho nessas provas específicas. “O que falta é entender a importância da fluência de leitura. Ler corretamente, com velocidade e melodia adequadas. Pensar na avaliação de fluência pode ser um dado relevante para realmente dizer se a criança está alfabetizada”, afirmou Patrícia. “Ela consegue fazer a leitura de um texto. Se ela lê corretamente, tem uma boa velocidade e entonação adequada.”

Esse mesmo déficit de alfabetização entre as crianças brasileiras também foi constatado pelo índice de avaliação global Pirls (sigla em inglês para Progress in International Reading Literacy Study). Na edição mais recente do levantamento, divulgada em maio deste ano, o Brasil figura à frente apenas de Irã, Jordânia, Egito e África do Sul em um ranking que avaliou a capacidade dos alunos do 4.º ano do ensino fundamental de leitura e compreensão de textos em 57 países. A média do Brasil foi de 419 pontos, o que colocou o alcance da nossa alfabetização atrás do registro em países como Azerbaijão, Uzbequistão, Omã e Kosovo. A avaliação é de que alunos nessa faixa de pontuação conseguem, ao ler textos literários predominantemente fáceis, localizar, recuperar e reproduzir informações, ações ou ideias explicitamente declaradas. Também são capazes de fazer inferências simples e diretas sobre as ações dos personagens.

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No Brasil, a avaliação foi feita com mais de 4.900 alunos do 4º ano do ensino fundamental, divididos em 187 escolas públicas e privadas, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). “O Pirls afere as habilidades em leitura de alunos do 4.º ano do ensino fundamental, momento em que, normalmente, o aluno já aprendeu a ler e está colocando a leitura em prática como um instrumento de aprendizado. Por isso, a avaliação busca coletar dados, justamente, sobre esse ponto da trajetória escolar”, informou o órgão brasileiro à época. Segundo o Inep, 38% dos estudantes brasileiros não dominam as habilidades básicas de leitura e somente 13% alcançaram nível alto ou avançado de proficiência em compreensão leitora. O domínio básico de leitura foi atingido apenas por 24% dos avaliados.

Ernesto Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

“O que a gente vê na avaliação do Pirls é que os alunos têm dificuldades com textos mais longos e não conseguiram responder uma prova que tem textos de quatro ou cinco páginas”, disse Faria, frisando que a condição financeira do aluno e a diferença de acesso entre escolas públicas e privadas são pontos a serem considerados. “Estamos falando de algo muito frequente no Brasil que não se vê nos outros países. Quando eles se depararam com textos de uma complexidade alta, não conseguiram entender. Então, de que autonomia estamos falando? Que nível leitor os alunos precisam ter para, de fato, exercerem a cidadania?”

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Caminhos possíveis

Durante o debate, os especialistas convidados também apontaram possíveis caminhos para mudar o cenário da alfabetização no Brasil e como incentivar a leitura e a escrita entre os jovens. Um dos pontos destacados por Lilian foi a própria forma como a carreira dos professores precisa de experiências práticas para entender a diversidade dos alunos e de suas demandas. “Precisamos começar com a formação presencial, para que de fato esse professor tenha acesso às escolas, em uma residência pedagógica, em um estágio não só de observação, mas vivenciando as práticas que acontecem ali na sala de aula”, disse. “Não só questões teóricas, mas também empáticas, para entender as expectativas e as realidades dos alunos.”

Patrícia frisou que a aula presencial e a convivência com os colegas no hábito de leitura podem influenciar as crianças a desenvolverem essa habilidade por conta própria. “Aprender a ler envolve contato social, estar ao lado, acompanhando, e a troca com os colegas. Com a pandemia, isso não aconteceu e ficou ainda pior no cenário de escolas públicas, onde algumas famílias dependiam do acesso tecnológico”.

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Lilian Engracia, supervisora de currículo, inovação e recursos didáticos da Gerência de Educação do Sesi-SP Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

“É possível (superarmos esse cenário)”, disse Lilian. “Mas há de ter muita coletividade, planejamento e reorganização, dos professores e da escola. Precisamos pensar em atividades que eles tenham condições de fazer e sejam possíveis para desenvolver aquilo que é necessário.”

Em maio, o Ministério da Educação estabeleceu pela primeira vez uma “nota de corte” para o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), pela qual o aluno precisa fazer 743 pontos para que seja considerado como alfabetizado. A regra, inédita, será testada na avaliação realizada este ano. Para discutir os Desafios da Alfabetização no País, o Estadão realizou nesta quarta-feira, 18, uma edição do Meet Point. A proposta do evento online, que teve transmissão ao vivo pelas redes sociais e canal do jornal no YouTube, é debater por que o Brasil ainda não consegue ensinar suas crianças a ler e a escrever na idade certa e como mudar esse cenário. Há um consenso: o papel do professor é essencial.

Participaram Ernesto Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede); Lilian Engracia, supervisora de currículo, inovação e recursos didáticos da Gerência de Educação do Sesi-SP; e Patrícia Botelho, pós-doutoranda em Ciências do Desenvolvimento Humano e professora universitária. A mediação coube a Renata Cafardo, repórter e colunista do Estadão e o evento gratuito ocorreu em parceria com o Sesi São Paulo.

“A alfabetização não acontece de uma hora para a outra. Desde a educação infantil, é preciso preparar as crianças”, afirmou Patrícia, exemplificando como as habilidades de leitura e escrita são essenciais ao longo de toda a escolarização. “Eu uso a leitura para, depois, no 4.º ano, por exemplo, atender a outros conteúdos. Então, é importante que, até o 3.º ano, eu desenvolva a habilidade de leitura e escrita. Isso vai afetar o aprendizado de outros conteúdos, de outras matérias, o que acaba interferindo ao longo de todo o desenvolvimento acadêmico e de aprendizagem. Se não sabe ler, como vai aprender outros conteúdos?”

Patrícia Botelho, pós-doutoranda em Ciências do Desenvolvimento Humano e professora universitária Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

De acordo com o que prevê a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), espera-se que as crianças ao final do 2º ano já estejam minimamente alfabetizadas, aptas a decodificar palavras, associá-las aos sons e a seus significados. Isso, entretanto, não significa que elas sejam capazes de compreender textos aprofundados, o que deve ser aprimorado no ano letivo seguinte, como apontou Lilian. “A partir do 3.º ano, há essa ideia de consolidação da alfabetização, mas a gente precisa entender que nossas crianças são capazes. Elas têm de ser lançadas às experiências de bons textos, que podem ter sim uma linguagem mais refinada”,afirmou. “Acho que a gente precisa subir essa régua.”

Índices nacionais e globais

“Precisamos combater a desigualdade desde cedo. Esses alunos da rede pública estão no mesmo patamar da rede privada ou da rede pública de outros países? Será que quando olhamos a aprendizagem adequada para o 2.º ano já temos o nível de complexidade que a gente quer?”, indagou Faria. “É muito importante o MEC ter feito essa discussão e estabelecido esse critério, mas e se a gente estiver legitimando os alunos do 2.º ano terem um nível de leitura muito básico? Quando o Saeb foi criado, em 1999, você tinha uma medida de evolução esperada dentro da escala de um aluno que passa do 5º ao 9º ano. Se você olha hoje, parece que os alunos estão cada vez aprendendo muito menos nos anos finais. Mas na verdade é o resultado do 5.º ano que está superestimado”, disse.

Na última semana, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgou o levantamento “Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência no Brasil”, segundo o qual o analfabetismo infantil dobrou no Brasil entre os anos de 2019 e 2022. O relatório avaliou especificamente como a pobreza atinge de forma multidimensional as crianças e adolescentes brasileiros, considerando índices como acesso a saneamento básico, moradia e água. Conforme os dados do Unicef, o número de crianças brasileiras que chegam aos 7 anos sem saber ler ou escrever foi de 20% para 40% no período, que coincide com a pandemia do coronavírus.

O que falta é entender a importância da fluência de leitura. Ler corretamente, com velocidade e melodia adequadas.

Patrícia Botelho

Os especialistas apontaram, entretanto, que é preciso olhar para além do desempenho nessas provas específicas. “O que falta é entender a importância da fluência de leitura. Ler corretamente, com velocidade e melodia adequadas. Pensar na avaliação de fluência pode ser um dado relevante para realmente dizer se a criança está alfabetizada”, afirmou Patrícia. “Ela consegue fazer a leitura de um texto. Se ela lê corretamente, tem uma boa velocidade e entonação adequada.”

Esse mesmo déficit de alfabetização entre as crianças brasileiras também foi constatado pelo índice de avaliação global Pirls (sigla em inglês para Progress in International Reading Literacy Study). Na edição mais recente do levantamento, divulgada em maio deste ano, o Brasil figura à frente apenas de Irã, Jordânia, Egito e África do Sul em um ranking que avaliou a capacidade dos alunos do 4.º ano do ensino fundamental de leitura e compreensão de textos em 57 países. A média do Brasil foi de 419 pontos, o que colocou o alcance da nossa alfabetização atrás do registro em países como Azerbaijão, Uzbequistão, Omã e Kosovo. A avaliação é de que alunos nessa faixa de pontuação conseguem, ao ler textos literários predominantemente fáceis, localizar, recuperar e reproduzir informações, ações ou ideias explicitamente declaradas. Também são capazes de fazer inferências simples e diretas sobre as ações dos personagens.

No Brasil, a avaliação foi feita com mais de 4.900 alunos do 4º ano do ensino fundamental, divididos em 187 escolas públicas e privadas, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). “O Pirls afere as habilidades em leitura de alunos do 4.º ano do ensino fundamental, momento em que, normalmente, o aluno já aprendeu a ler e está colocando a leitura em prática como um instrumento de aprendizado. Por isso, a avaliação busca coletar dados, justamente, sobre esse ponto da trajetória escolar”, informou o órgão brasileiro à época. Segundo o Inep, 38% dos estudantes brasileiros não dominam as habilidades básicas de leitura e somente 13% alcançaram nível alto ou avançado de proficiência em compreensão leitora. O domínio básico de leitura foi atingido apenas por 24% dos avaliados.

Ernesto Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

“O que a gente vê na avaliação do Pirls é que os alunos têm dificuldades com textos mais longos e não conseguiram responder uma prova que tem textos de quatro ou cinco páginas”, disse Faria, frisando que a condição financeira do aluno e a diferença de acesso entre escolas públicas e privadas são pontos a serem considerados. “Estamos falando de algo muito frequente no Brasil que não se vê nos outros países. Quando eles se depararam com textos de uma complexidade alta, não conseguiram entender. Então, de que autonomia estamos falando? Que nível leitor os alunos precisam ter para, de fato, exercerem a cidadania?”

Caminhos possíveis

Durante o debate, os especialistas convidados também apontaram possíveis caminhos para mudar o cenário da alfabetização no Brasil e como incentivar a leitura e a escrita entre os jovens. Um dos pontos destacados por Lilian foi a própria forma como a carreira dos professores precisa de experiências práticas para entender a diversidade dos alunos e de suas demandas. “Precisamos começar com a formação presencial, para que de fato esse professor tenha acesso às escolas, em uma residência pedagógica, em um estágio não só de observação, mas vivenciando as práticas que acontecem ali na sala de aula”, disse. “Não só questões teóricas, mas também empáticas, para entender as expectativas e as realidades dos alunos.”

Patrícia frisou que a aula presencial e a convivência com os colegas no hábito de leitura podem influenciar as crianças a desenvolverem essa habilidade por conta própria. “Aprender a ler envolve contato social, estar ao lado, acompanhando, e a troca com os colegas. Com a pandemia, isso não aconteceu e ficou ainda pior no cenário de escolas públicas, onde algumas famílias dependiam do acesso tecnológico”.

Lilian Engracia, supervisora de currículo, inovação e recursos didáticos da Gerência de Educação do Sesi-SP Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

“É possível (superarmos esse cenário)”, disse Lilian. “Mas há de ter muita coletividade, planejamento e reorganização, dos professores e da escola. Precisamos pensar em atividades que eles tenham condições de fazer e sejam possíveis para desenvolver aquilo que é necessário.”

Em maio, o Ministério da Educação estabeleceu pela primeira vez uma “nota de corte” para o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), pela qual o aluno precisa fazer 743 pontos para que seja considerado como alfabetizado. A regra, inédita, será testada na avaliação realizada este ano. Para discutir os Desafios da Alfabetização no País, o Estadão realizou nesta quarta-feira, 18, uma edição do Meet Point. A proposta do evento online, que teve transmissão ao vivo pelas redes sociais e canal do jornal no YouTube, é debater por que o Brasil ainda não consegue ensinar suas crianças a ler e a escrever na idade certa e como mudar esse cenário. Há um consenso: o papel do professor é essencial.

Participaram Ernesto Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede); Lilian Engracia, supervisora de currículo, inovação e recursos didáticos da Gerência de Educação do Sesi-SP; e Patrícia Botelho, pós-doutoranda em Ciências do Desenvolvimento Humano e professora universitária. A mediação coube a Renata Cafardo, repórter e colunista do Estadão e o evento gratuito ocorreu em parceria com o Sesi São Paulo.

“A alfabetização não acontece de uma hora para a outra. Desde a educação infantil, é preciso preparar as crianças”, afirmou Patrícia, exemplificando como as habilidades de leitura e escrita são essenciais ao longo de toda a escolarização. “Eu uso a leitura para, depois, no 4.º ano, por exemplo, atender a outros conteúdos. Então, é importante que, até o 3.º ano, eu desenvolva a habilidade de leitura e escrita. Isso vai afetar o aprendizado de outros conteúdos, de outras matérias, o que acaba interferindo ao longo de todo o desenvolvimento acadêmico e de aprendizagem. Se não sabe ler, como vai aprender outros conteúdos?”

Patrícia Botelho, pós-doutoranda em Ciências do Desenvolvimento Humano e professora universitária Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

De acordo com o que prevê a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), espera-se que as crianças ao final do 2º ano já estejam minimamente alfabetizadas, aptas a decodificar palavras, associá-las aos sons e a seus significados. Isso, entretanto, não significa que elas sejam capazes de compreender textos aprofundados, o que deve ser aprimorado no ano letivo seguinte, como apontou Lilian. “A partir do 3.º ano, há essa ideia de consolidação da alfabetização, mas a gente precisa entender que nossas crianças são capazes. Elas têm de ser lançadas às experiências de bons textos, que podem ter sim uma linguagem mais refinada”,afirmou. “Acho que a gente precisa subir essa régua.”

Índices nacionais e globais

“Precisamos combater a desigualdade desde cedo. Esses alunos da rede pública estão no mesmo patamar da rede privada ou da rede pública de outros países? Será que quando olhamos a aprendizagem adequada para o 2.º ano já temos o nível de complexidade que a gente quer?”, indagou Faria. “É muito importante o MEC ter feito essa discussão e estabelecido esse critério, mas e se a gente estiver legitimando os alunos do 2.º ano terem um nível de leitura muito básico? Quando o Saeb foi criado, em 1999, você tinha uma medida de evolução esperada dentro da escala de um aluno que passa do 5º ao 9º ano. Se você olha hoje, parece que os alunos estão cada vez aprendendo muito menos nos anos finais. Mas na verdade é o resultado do 5.º ano que está superestimado”, disse.

Na última semana, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgou o levantamento “Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência no Brasil”, segundo o qual o analfabetismo infantil dobrou no Brasil entre os anos de 2019 e 2022. O relatório avaliou especificamente como a pobreza atinge de forma multidimensional as crianças e adolescentes brasileiros, considerando índices como acesso a saneamento básico, moradia e água. Conforme os dados do Unicef, o número de crianças brasileiras que chegam aos 7 anos sem saber ler ou escrever foi de 20% para 40% no período, que coincide com a pandemia do coronavírus.

O que falta é entender a importância da fluência de leitura. Ler corretamente, com velocidade e melodia adequadas.

Patrícia Botelho

Os especialistas apontaram, entretanto, que é preciso olhar para além do desempenho nessas provas específicas. “O que falta é entender a importância da fluência de leitura. Ler corretamente, com velocidade e melodia adequadas. Pensar na avaliação de fluência pode ser um dado relevante para realmente dizer se a criança está alfabetizada”, afirmou Patrícia. “Ela consegue fazer a leitura de um texto. Se ela lê corretamente, tem uma boa velocidade e entonação adequada.”

Esse mesmo déficit de alfabetização entre as crianças brasileiras também foi constatado pelo índice de avaliação global Pirls (sigla em inglês para Progress in International Reading Literacy Study). Na edição mais recente do levantamento, divulgada em maio deste ano, o Brasil figura à frente apenas de Irã, Jordânia, Egito e África do Sul em um ranking que avaliou a capacidade dos alunos do 4.º ano do ensino fundamental de leitura e compreensão de textos em 57 países. A média do Brasil foi de 419 pontos, o que colocou o alcance da nossa alfabetização atrás do registro em países como Azerbaijão, Uzbequistão, Omã e Kosovo. A avaliação é de que alunos nessa faixa de pontuação conseguem, ao ler textos literários predominantemente fáceis, localizar, recuperar e reproduzir informações, ações ou ideias explicitamente declaradas. Também são capazes de fazer inferências simples e diretas sobre as ações dos personagens.

No Brasil, a avaliação foi feita com mais de 4.900 alunos do 4º ano do ensino fundamental, divididos em 187 escolas públicas e privadas, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). “O Pirls afere as habilidades em leitura de alunos do 4.º ano do ensino fundamental, momento em que, normalmente, o aluno já aprendeu a ler e está colocando a leitura em prática como um instrumento de aprendizado. Por isso, a avaliação busca coletar dados, justamente, sobre esse ponto da trajetória escolar”, informou o órgão brasileiro à época. Segundo o Inep, 38% dos estudantes brasileiros não dominam as habilidades básicas de leitura e somente 13% alcançaram nível alto ou avançado de proficiência em compreensão leitora. O domínio básico de leitura foi atingido apenas por 24% dos avaliados.

Ernesto Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

“O que a gente vê na avaliação do Pirls é que os alunos têm dificuldades com textos mais longos e não conseguiram responder uma prova que tem textos de quatro ou cinco páginas”, disse Faria, frisando que a condição financeira do aluno e a diferença de acesso entre escolas públicas e privadas são pontos a serem considerados. “Estamos falando de algo muito frequente no Brasil que não se vê nos outros países. Quando eles se depararam com textos de uma complexidade alta, não conseguiram entender. Então, de que autonomia estamos falando? Que nível leitor os alunos precisam ter para, de fato, exercerem a cidadania?”

Caminhos possíveis

Durante o debate, os especialistas convidados também apontaram possíveis caminhos para mudar o cenário da alfabetização no Brasil e como incentivar a leitura e a escrita entre os jovens. Um dos pontos destacados por Lilian foi a própria forma como a carreira dos professores precisa de experiências práticas para entender a diversidade dos alunos e de suas demandas. “Precisamos começar com a formação presencial, para que de fato esse professor tenha acesso às escolas, em uma residência pedagógica, em um estágio não só de observação, mas vivenciando as práticas que acontecem ali na sala de aula”, disse. “Não só questões teóricas, mas também empáticas, para entender as expectativas e as realidades dos alunos.”

Patrícia frisou que a aula presencial e a convivência com os colegas no hábito de leitura podem influenciar as crianças a desenvolverem essa habilidade por conta própria. “Aprender a ler envolve contato social, estar ao lado, acompanhando, e a troca com os colegas. Com a pandemia, isso não aconteceu e ficou ainda pior no cenário de escolas públicas, onde algumas famílias dependiam do acesso tecnológico”.

Lilian Engracia, supervisora de currículo, inovação e recursos didáticos da Gerência de Educação do Sesi-SP Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

“É possível (superarmos esse cenário)”, disse Lilian. “Mas há de ter muita coletividade, planejamento e reorganização, dos professores e da escola. Precisamos pensar em atividades que eles tenham condições de fazer e sejam possíveis para desenvolver aquilo que é necessário.”

Em maio, o Ministério da Educação estabeleceu pela primeira vez uma “nota de corte” para o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), pela qual o aluno precisa fazer 743 pontos para que seja considerado como alfabetizado. A regra, inédita, será testada na avaliação realizada este ano. Para discutir os Desafios da Alfabetização no País, o Estadão realizou nesta quarta-feira, 18, uma edição do Meet Point. A proposta do evento online, que teve transmissão ao vivo pelas redes sociais e canal do jornal no YouTube, é debater por que o Brasil ainda não consegue ensinar suas crianças a ler e a escrever na idade certa e como mudar esse cenário. Há um consenso: o papel do professor é essencial.

Participaram Ernesto Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede); Lilian Engracia, supervisora de currículo, inovação e recursos didáticos da Gerência de Educação do Sesi-SP; e Patrícia Botelho, pós-doutoranda em Ciências do Desenvolvimento Humano e professora universitária. A mediação coube a Renata Cafardo, repórter e colunista do Estadão e o evento gratuito ocorreu em parceria com o Sesi São Paulo.

“A alfabetização não acontece de uma hora para a outra. Desde a educação infantil, é preciso preparar as crianças”, afirmou Patrícia, exemplificando como as habilidades de leitura e escrita são essenciais ao longo de toda a escolarização. “Eu uso a leitura para, depois, no 4.º ano, por exemplo, atender a outros conteúdos. Então, é importante que, até o 3.º ano, eu desenvolva a habilidade de leitura e escrita. Isso vai afetar o aprendizado de outros conteúdos, de outras matérias, o que acaba interferindo ao longo de todo o desenvolvimento acadêmico e de aprendizagem. Se não sabe ler, como vai aprender outros conteúdos?”

Patrícia Botelho, pós-doutoranda em Ciências do Desenvolvimento Humano e professora universitária Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

De acordo com o que prevê a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), espera-se que as crianças ao final do 2º ano já estejam minimamente alfabetizadas, aptas a decodificar palavras, associá-las aos sons e a seus significados. Isso, entretanto, não significa que elas sejam capazes de compreender textos aprofundados, o que deve ser aprimorado no ano letivo seguinte, como apontou Lilian. “A partir do 3.º ano, há essa ideia de consolidação da alfabetização, mas a gente precisa entender que nossas crianças são capazes. Elas têm de ser lançadas às experiências de bons textos, que podem ter sim uma linguagem mais refinada”,afirmou. “Acho que a gente precisa subir essa régua.”

Índices nacionais e globais

“Precisamos combater a desigualdade desde cedo. Esses alunos da rede pública estão no mesmo patamar da rede privada ou da rede pública de outros países? Será que quando olhamos a aprendizagem adequada para o 2.º ano já temos o nível de complexidade que a gente quer?”, indagou Faria. “É muito importante o MEC ter feito essa discussão e estabelecido esse critério, mas e se a gente estiver legitimando os alunos do 2.º ano terem um nível de leitura muito básico? Quando o Saeb foi criado, em 1999, você tinha uma medida de evolução esperada dentro da escala de um aluno que passa do 5º ao 9º ano. Se você olha hoje, parece que os alunos estão cada vez aprendendo muito menos nos anos finais. Mas na verdade é o resultado do 5.º ano que está superestimado”, disse.

Na última semana, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgou o levantamento “Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência no Brasil”, segundo o qual o analfabetismo infantil dobrou no Brasil entre os anos de 2019 e 2022. O relatório avaliou especificamente como a pobreza atinge de forma multidimensional as crianças e adolescentes brasileiros, considerando índices como acesso a saneamento básico, moradia e água. Conforme os dados do Unicef, o número de crianças brasileiras que chegam aos 7 anos sem saber ler ou escrever foi de 20% para 40% no período, que coincide com a pandemia do coronavírus.

O que falta é entender a importância da fluência de leitura. Ler corretamente, com velocidade e melodia adequadas.

Patrícia Botelho

Os especialistas apontaram, entretanto, que é preciso olhar para além do desempenho nessas provas específicas. “O que falta é entender a importância da fluência de leitura. Ler corretamente, com velocidade e melodia adequadas. Pensar na avaliação de fluência pode ser um dado relevante para realmente dizer se a criança está alfabetizada”, afirmou Patrícia. “Ela consegue fazer a leitura de um texto. Se ela lê corretamente, tem uma boa velocidade e entonação adequada.”

Esse mesmo déficit de alfabetização entre as crianças brasileiras também foi constatado pelo índice de avaliação global Pirls (sigla em inglês para Progress in International Reading Literacy Study). Na edição mais recente do levantamento, divulgada em maio deste ano, o Brasil figura à frente apenas de Irã, Jordânia, Egito e África do Sul em um ranking que avaliou a capacidade dos alunos do 4.º ano do ensino fundamental de leitura e compreensão de textos em 57 países. A média do Brasil foi de 419 pontos, o que colocou o alcance da nossa alfabetização atrás do registro em países como Azerbaijão, Uzbequistão, Omã e Kosovo. A avaliação é de que alunos nessa faixa de pontuação conseguem, ao ler textos literários predominantemente fáceis, localizar, recuperar e reproduzir informações, ações ou ideias explicitamente declaradas. Também são capazes de fazer inferências simples e diretas sobre as ações dos personagens.

No Brasil, a avaliação foi feita com mais de 4.900 alunos do 4º ano do ensino fundamental, divididos em 187 escolas públicas e privadas, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). “O Pirls afere as habilidades em leitura de alunos do 4.º ano do ensino fundamental, momento em que, normalmente, o aluno já aprendeu a ler e está colocando a leitura em prática como um instrumento de aprendizado. Por isso, a avaliação busca coletar dados, justamente, sobre esse ponto da trajetória escolar”, informou o órgão brasileiro à época. Segundo o Inep, 38% dos estudantes brasileiros não dominam as habilidades básicas de leitura e somente 13% alcançaram nível alto ou avançado de proficiência em compreensão leitora. O domínio básico de leitura foi atingido apenas por 24% dos avaliados.

Ernesto Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

“O que a gente vê na avaliação do Pirls é que os alunos têm dificuldades com textos mais longos e não conseguiram responder uma prova que tem textos de quatro ou cinco páginas”, disse Faria, frisando que a condição financeira do aluno e a diferença de acesso entre escolas públicas e privadas são pontos a serem considerados. “Estamos falando de algo muito frequente no Brasil que não se vê nos outros países. Quando eles se depararam com textos de uma complexidade alta, não conseguiram entender. Então, de que autonomia estamos falando? Que nível leitor os alunos precisam ter para, de fato, exercerem a cidadania?”

Caminhos possíveis

Durante o debate, os especialistas convidados também apontaram possíveis caminhos para mudar o cenário da alfabetização no Brasil e como incentivar a leitura e a escrita entre os jovens. Um dos pontos destacados por Lilian foi a própria forma como a carreira dos professores precisa de experiências práticas para entender a diversidade dos alunos e de suas demandas. “Precisamos começar com a formação presencial, para que de fato esse professor tenha acesso às escolas, em uma residência pedagógica, em um estágio não só de observação, mas vivenciando as práticas que acontecem ali na sala de aula”, disse. “Não só questões teóricas, mas também empáticas, para entender as expectativas e as realidades dos alunos.”

Patrícia frisou que a aula presencial e a convivência com os colegas no hábito de leitura podem influenciar as crianças a desenvolverem essa habilidade por conta própria. “Aprender a ler envolve contato social, estar ao lado, acompanhando, e a troca com os colegas. Com a pandemia, isso não aconteceu e ficou ainda pior no cenário de escolas públicas, onde algumas famílias dependiam do acesso tecnológico”.

Lilian Engracia, supervisora de currículo, inovação e recursos didáticos da Gerência de Educação do Sesi-SP Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

“É possível (superarmos esse cenário)”, disse Lilian. “Mas há de ter muita coletividade, planejamento e reorganização, dos professores e da escola. Precisamos pensar em atividades que eles tenham condições de fazer e sejam possíveis para desenvolver aquilo que é necessário.”

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