Educação

Especialistas e gestores apontam o caminho da resistência na educação

Seminário promovido pela Fundação João Mangabeira discute o subfinanciamento do setor e mostra os benefícios do ensino integral

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O Brasil parece ter abandonado de vez o compromisso de ampliar os aportes no ensino público. Em 2014, o Plano Nacional de Educação estabeleceu o objetivo de atingir um patamar de investimentos de 10% do PIB até 2024. Dois anos depois, o Congresso aprovou a emenda 95, que congelou os gastos públicos por 20 anos. Apenas isso seria o suficiente para impedir o cumprimento da meta, mas o cenário piorou ainda mais com a navalha operada pela equipe de Jair Bolsonaro. Além dos cortes de 30% dos recursos das universidades federais, governo bloqueou ao menos 2,4 bilhões de reais para investimentos em programas da Educação Infantil ao Ensino Médio.

Diante dos gigantescos desafios do setor, a Fundação João Mangabeira reuniu em São Paulo, nesta quarta-feira 13, especialistas, gestores públicos e líderes políticos para pensar em alternativas capazes de resgatar o ensino público. O seminário “Educação: Uma Questão de Futuro” abre uma série de debates promovidos pela entidade, vinculada ao PSB. O “Pense Brasil”, como a iniciativa foi batizada, deve percorrer várias capitais do País para debater os temas mais sensíveis da agenda nacional, entre eles Estado de Direito e Democracia, Desigualdade Social e Segurança Pública.

“A educação é o tema mais agudo não só em função dos ataques que o setor vem sofrendo, mas porque é impossível pensar uma nação com nível de civilidade adequado sem passar por um grande investimento na educação, ao longo de décadas”, afirma Ricardo Coutinho, ex-governador da Paraíba e presidente da Fundação João Mangabeira. “Também é o tema com maior capacidade de mobilização, pois não é do interesse apenas dos professores e estudantes. A educação preocupa as famílias, os pais e mães dos alunos, quebra barreiras partidárias. Mas acredito ser preciso ir além da discussão conjuntural, dos cortes, pois as decisões nessa área afetam aquilo que temos de mais transformador”.

Presente no evento, o ex-governador paulista Marcio França destacou a necessidade de mostrar à sociedade a importância das universidades públicas. “Aqui em São Paulo, na USP, Unicamp e Unesp, 57% dos alunos são oriundos da escola pública”, observou. De fato, não procede mais a acusação de que o ensino superior público é elitista, ao menos não como foi no passado. Nas universidades federais, 70,2% dos alunos de graduação possuem renda de até um salário mínimo e meio, e mais da metade declaram-se pretos ou pardos, segundo recente pesquisa da Andifes.

Para Roberto Leher, reitor da UFRJ, as instituições privadas estão longe de suprir qualquer lacuna. “Precisamos de um sistema privado de natureza não mercantil, como em outros países. Hoje, apenas uma rede particular tem mais alunos que as 66 universidades federais e ela prioriza o lucro”.

Em recente artigo publicado em CartaCapital, Leher demonstrou a situação de penúria das universidades públicas. O orçamento previsto para este ano na UFRJ é 20% inferior ao de três anos atrás. “Particularizando os recursos de investimentos, a situação torna-se ainda mais nítida: em 2016, a LOA previa 53,5 milhões de reais. Em 2019, pouco mais de 6 milhões. Caso a UFRJ tenha 114 milhões de reais bloqueados, restarão apenas 40 milhões para o restante do ano, embora o seu custeio mensal seja de 30 milhões”.

Na avaliação de Esther Dweck, professora do Instituto de Economia da UFRJ, a busca por maior eficiência nos gastos públicos é fundamental, mas não dá para ignorar o subfinanciamento da educação. “Em muitos casos, o valor da mensalidade de uma escola privada equivale ao gasto com um aluno da rede pública ao longo de um ano. Como é possível ter o mesmo padrão de qualidade se o investimento é 12 vezes menor?”, indaga a especialista. “O ajuste fiscal que nos foi imposto é autodestrutivo, cria um ciclo vicioso. O governo corta gastos, a economia não gira, a arrecadação despenca, então é preciso cortar gastos de novo”.

A educação integral como escudo da violência

O investimento em educação traz mais benefícios do que se supõe. O secretário de Educação da Paraíba, Aléssio Trindade, apresenta um exemplo prático. “Quando fomos implantar as escolas de período integral no estado, hoje já são 153, procuramos a Secretaria de Segurança para analisar o mapa de violência do estado. E implantamos as primeiras unidades nos locais de maior vulnerabilidade”, relata. “No fim de 2018 fizemos uma avaliação e percebemos que, onde o período integral foi implantado, houve redução de crimes violentos da ordem de 72%”.

Essa não é a primeira evidência de que a educação previne a violência. Em 2017, o pesquisador Daniel Cerqueira, do Ipea, analisou a escolaridade das vítimas de homicídios no Brasil entre 1980 e 2010 e descobriu que os indivíduos com maior escolaridade têm menos chances de morrer de forma violenta. Além disso, atesta o professor, a cada 1% a mais de jovens entre 15 e 17 anos fora da escola, a taxa de homicídio em determinada localidade aumenta 2%.

O debate sobre Educação reuniu os ex-governadores Ricardo Coutinho e Marcio França, o ex-ministro José Henrique Paim, o reitor Roberto Leher, o deputado federal Felipe Rigoni, as professoras Ana Abreu, da Universidade Federal de Alfenas, e Ester Dweck, da UFRJ, Jorge Abrahão, do Ministério do Planejamento, o vereador paulistano Eliseu Gabriel, além dos secretários de Educação Aléssio Trindade (Paraíba), Frederico da Costa Amâncio (Pernambuco) e Paulo Matheus (Guarulhos).

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