Especialistas: doenças mentais e naturalização de discursos de violência e de ódio geram ataques a escolas

Casal de namorados Karoline Alves, de 17 anos, e Luan Augusto, de 16, foram mortos em ataque no Colégio Estadual Professora Helena Kolody, em Cambé (PR)

Por Pâmela Oliveira e Hyndara Freitas — Rio e São Paulo


Policiais reforçam a segurança no Colégio Estadual Professora Helena Kolody, em Cambé (PR), após ataque a tiros de ex-aluno Kathulin Tanan / RPC/ Divulgação

Karoline era coroinha. Luan também era católico, mas nutria uma outra devoção, por carros antigos. Namorados desde 13 de maio do ano passado, a jovem de 17 anos e o adolescente de 16 trocavam mensagens de amor em suas redes sociais. Mas na manhã de ontem, Karoline foi morta e Luan, gravemente ferido por um atirador ao Colégio Estadual Professora Helena Kolody, em Cambé, no interior do Paraná. O ataque à escola só não fez mais vítimas pela intervenção heróica do prestador de serviços de uma clínica de fisioterapia perto da escola, que imobilizou o criminoso depois de intimidá-lo ao dizer que era policial.

Karoline Alves morreu no pátio da escola. Luan Augusto foi levado em estado gravíssimo para o Hospital Universitário de Londrina. O ataque foi no mesmo dia do aniversário do pai de Luan, Rodrigo Augusto. O governador Ratinho Junior (PSD) decretou luto oficial de três dias. As aulas da instituição foram suspensas.

O atacante é um ex-aluno de 21 anos da escola que foi preso e responderá por por homicídio, tentativa de homicídio e porte ilegal de arma de fogo. Outro homem da mesma idade e um adolescente de 13 anos foram apreendidos, segundo a Secretaria de Segurança do Paraná. Os dois são suspeitos de terem ajudado a planejar o ataque.

Segundo o G1, a secretaria afirmou que, em contato com a família do assassino, foi informada de que ele é esquizofrênico. Em depoimento à polícia, ele declarou que não conhecia as vítimas. O atacante já havia sido denunciado por tentativa de homicídio em outubro do ano passado, no município de Rolândia.

O atirador chegou à escola por volta das 9 horas, dizendo que queria uma cópia de seu histórico escolar. Enquanto aguardava, teria pedido para ir ao banheiro, mas seguiu em direção ao pátio e começou a atirar a esmo, segundo testemunhas. A arma estaria dentro de uma mochila. A PM teria encontrado com ele uma arma branca e outros objetos suspeitos.

“No lugar deles”

O assassino foi detido pelo prestador de serviços Joel de Oliveira, de 62 anos. Ao GLOBO, Oliveira contou ter ouvido disparos quando chegou à clínica de fisioterapia onde trabalha, perto da escola. Sem pensar no risco, correu em direção ao colégio, disse ao atirador que era policial e o imobilizou com o pé, até a chegada da polícia. Durante a tarde, o governador chegou a dizer que um professor da escola que havia recebido treinamento contra ataque a escolas nos últimos meses é que teria imobilizado o atacante, e não Oliveira.

— Eu ouvi barulhos de tiros e vi muita correria das pessoas saindo da escola. Uma funcionária da clínica tem um filho na escola e outros amigos meus também, então me coloquei no lugar deles. Confesso que na hora nem pensei. Foi um instinto natural correr em direção à escola para tentar salvar mais alunos. Quando cheguei, vi o atirador e me identifiquei como policial. Ele parecia estar desarmado e se rendeu — contou o prestador de serviços, que nunca fez treinamento de segurança para agir em casos de violência.

Oliveira disse que, quando chegou na unidade de ensino, o atirador disparava contra algumas vidraças. Ao virar em um dos corredores da instituição, o prestador de serviços se deparou com o assassino. Ao gritar “polícia, polícia” e o criminoso se rendeu de imediato.

— Quando eu encontrei o rapaz, ele estava colocando a arma em cima de um banco, não sei se para recarregar a munição ou se porque já pensava em parar com o ataque. Na hora, a única coisa que veio na minha mente foi falar que eu era policial, para tentar segurar ele — relata. — Eu penso que ele pode ter confundido o celular que estava na minha mão com uma arma depois que me identifiquei como policial. Então, ele se virou, deitou no chão e eu perguntei se ele tinha mais armas no corpo. Ele negou — detalhou o prestador.

Oliveira trabalha na clínica de fisioterapia há mais de 10 anos. Na tarde de ontem, dizia ainda estar “em choque”. Ele lamentou não ter chegado a tempo para salvar Karoline e Luan.

— Doeu demais ver as crianças correndo com medo. Eu sinto na pele a dor desses pais porque tenho netos na escola. Eu conhecia os jovens baleados de vista, porque frequentávamos a mesma igreja. É uma dor sem fim, queria que ninguém tivesse se ferido — afirma.

Rodrigo Lima, assistente administrativo da clínica onde Oliveira trabalha, chegou ao local cerca de uma hora depois do ataque. Ao ouvir do funcionário o que ocorreu, ele agradeceu pela vida do colega e das pessoas que ele conseguiu evitar que fossem feridas.

— Foi incrível o que ele fez. Uma verdadeira loucura, mas ele salvou muitas vidas — diz Rodrigo.

Em uma nota de pesar, a paróquia Santo Antônio divulgou que os pais de Karoline, Dilson Antônio e Keller Cristhina Alves são coordenadores da comunidade. A jovem era atuante na igreja, foi coroinha e participava do Grupo de Jovens Illumi. Em uma foto publicada nas redes sociais, o casal aparece em uma capela segurando símbolos sagrados, entre elas a imagem de Nossa Senhora.

Apaixonado pela comunidade nerd e por automóveis antigos, Luan costumava ir com seus familiares a festivais de exposição de automóveis. Um dos últimos eventos registrados foi a ida ao 8º Encontro de Carros Antigos e Motos de Cambé, no ano passado.

Como Karoline, o rapaz usava seu perfil para postar fotos pessoais e para declarar seu amor pela namorada, mesmo de forma mais contida. Na primeira foto juntos publicada pelo adolescente, em junho do ano passado, escreveu: “É impossível pensar na felicidade, sem lembrar do teu sorriso. É impossível pensar num paraíso, sem lembrar dos teus abraços. É impossível pensar no amor, sem lembrar de você. Por isso, encontrei em você carinho, amor e amizade. Eu te amo amor!!”

30 ataques

Nos últimos 21 anos, o Brasil teve 30 ataques, em que morreram 21 mulheres (15 alunas e 6 profissionais da educação) e 10 alunos homens. A advogada Cleo Garcia, que pesquisa na Unicamp ataques em escolas, afirma que a naturalização de discursos de violência e de ódio e o aumento de doenças mentais são algumas das razões para o maior número de ataques deste tipo nos últimos anos.

— A gente passou por uma pandemia que levou a um adoecimento mental de muita gente, em vários níveis e, além disso, as pessoas foram cada vez mais empurradas para o mundo virtual. É uma realidade que, para os jovens, não tem leis — afirma Garcia.

Para a advogada, é preciso que todos estejam preparados para lidar com esse tipo de problema, desde professores até familiares, e que não basta tratar essas ocorrências como apenas um problema de segurança pública.

— Quando existe uma ameaça, precisa ser levada a sério. É necessário um protocolo, a escola deve ter um local onde as pessoas possam fazer a denúncia. O policiamento é bem vindo nos locais mais vulneráveis, no entorno da escola, mas não do lado interno. Essas escolas onde acontecem os ataques, no entanto, geralmente não ficam em locais vulneráveis. O que identificamos é que o nível socioeconômico das escolas é alto — analisa Cleo, explicando por que defende que a polícia fique apenas do lado de fora das unidades de ensino. — O policiamento não tem preparo para isso. Sabemos que os adolescentes considerados suspeitos por agentes de segurança sem ter feito nada geralmente são os jovens com um perfil comum: negro, pardo, que utiliza boné ou está sem camisa. E nós já vimos postagens nas quais esses jovens dizem que, se tiver policial na escola, melhor ainda, porque eles podem matá-lo.

Autoridades lamentam

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lamentou o ataque a tiros no Colégio Estadual Professora Helena Kolody, em Cambé, norte do Paraná, nesta segunda-feira, e afirmou que é urgente construir um “caminho para a paz nas escolas”.

“Mais uma jovem vida tirada pelo ódio e a violência que não podemos mais tolerar dentro das nossas escolas e na sociedade”, declarou o presidente, em postagem nas redes sociais.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, ofereceu apoio federal às ações do estado. O governador Ratinho Júnior classificou o ataque de um crime bárbaro. “O assassino foi preso, será julgado e condenado pelo crime bárbaro que cometeu”, avisou, também nas redes sociais.

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