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Rio

Especialistas defendem a volta às aulas em escolas do Rio, apesar de decisão da Justiça

Mochila de volta ao armário: retorno presencial, previsto para segunda-feira, foi suspenso
Thaís Rossato já havia preparado o material escolar dos filhos, Francisco e Helena, que iriam voltar à Escola Nova, onde estudam, na próxima semana: além de livros e cadernos, eles levariam máscaras de proteção Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo
Thaís Rossato já havia preparado o material escolar dos filhos, Francisco e Helena, que iriam voltar à Escola Nova, onde estudam, na próxima semana: além de livros e cadernos, eles levariam máscaras de proteção Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo

RIO — Pais já davam por terminados os malabarismos para dar conta do ensino on-line, solução da maioria das escolas da rede privada durante a pandemia. Após seis meses com salas de aula vazias, a previsão era de que os alunos de colégios particulares voltassem às atividades presenciais na segunda-feira. Uma decisão da Justiça do Trabalho , no entanto, jogou, nesta quinta-feira à tarde, um balde de água fria nas expectativas de responsáveis e estabelecimentos de ensino. Embora bares, restaurantes e a maioria das atividades comerciais já tenham sido flexibilizadas, o juiz Elisio Correa de Moraes Neto determinou que as escolas não devem reabrir as portas até que todos estejam vacinados ou que se prove que não há riscos à sociedade. Em nota, a Procuradoria-Geral do Estado informou que irá analisar a decisão.

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Para infectologistas, porém, o momento é, sim, de retomada. Professor da UFRJ, o médico Alberto Chebabo defende que, com quase todas as atividades liberadas, não faz sentido manter os estudantes longe das salas de aula. Ele diz ser fundamental apenas que as escolas sigam protocolos de higiene rígidos:

—É preciso afastamento, reduzir o número de alunos em sala, fazer rodízio de turmas e ter protocolos para um eventual surgimento de casos.

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A infectologista Tânia Vergara, da Sociedade Brasileira de Infectologia, também é favorável ao retorno das aulas, desde que seja feito o monitoramento constante dos indicadores da pandemia. Para ela, se houver piora, basta voltar atrás na reabertura.

— Estamos numa situação de diminuição de casos da doença, mas nós, infectologistas, temos a impressão de que eles podem voltar a subir por causa do comportamento da população. As pessoas estão achando que flexibilizar é voltar ao que era antes. As cenas de aglomeração que vimos no último fim de semana podem gerar um novo pico daqui a dez, 14 dias. E, se o cenário piorar, é possível que as aulas sejam novamente suspensas.

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Ação de sindicato

O magistrado decidiu pela suspensão atendendo a um pedido do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região. Na sua decisão, de caráter liminar, argumentou que “a média móvel de infectados no Rio de Janeiro ainda não alcançou uma redução concreta, apresentando oscilações”. O juiz afirmou, ainda, que “o retorno às aulas representa significativa aglomeração de pessoas em um mesmo ambiente fechado e no transporte público, quando em comparação a outras atividades em que já ocorreu o retorno”.

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Nesta quinta, o Rio registrou 940 casos e 101 mortes em 24 horas, uma redução de 27% na média móvel de óbitos, o que indica possível queda de contágio. Ao todo, o estado contabiliza 234.813 casos da Covid-19 e 16.871 vítimas.

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A suspensão da retomada pela Justiça do Trabalho não é o primeiro revés que a rede privada enfrenta. A prefeitura havia autorizado o retorno gradual e facultativo das atividades no início do mês passado, mas foi impedida por uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio. O estado, em 20 de agosto, publicou, por sua vez, um decreto permitindo que escolas privadas reabrissem em 14 de setembro. Até esta quinta-feira, ainda não havia sido contestado.

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Sem saber da reviravolta, vários grandes colégios haviam anunciado a volta às aulas presenciais, seguindo as regras do “novo normal”, como afastamento de cadeiras, recipientes de álcool gel espalhados por corredores, banheiros e pátios e avisos sobre uso obrigatório da máscara. Estava prevista a reabertura das seis unidades do Colégio QI, das duas do Carolina Patrício, na Barra e em São Conrado, do Mopi,na Tijuca e no Itanhangá, da Escola Nova, na Gávea, e do Colégio Veiga de Almeida, na Barra, entre outros.

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Alguns estabelecimentos planejavam a retomada para mais adiante, como a Escola Sá Pereira, em Botafogo, e as redes Elite e Bahiense, que só pretendiam abrir, de forma gradativa, a partir do dia 21. Outros sequer tinham definido datas, como Escola Parque, Pensi, Marista São José, Centro Educacional da Lagoa, Liceu Franco-Brasileiro e AaZ. Temendo a reviravolta que acabou se concretizado, o Bahiense optou por esperar.

— Pretendemos dar uma semana de intervalo a partir da data de liberação, por receio de que alguma mudança aconteça e o governo volte atrás. Vamos usar esta semana para treinar as equipes de limpeza e sanitizar os espaços de convivência — disse a diretora acadêmica da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental do Bahiense, Bruna Bahiense.

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Pegos de surpresa

Na casa de Thaís Rossato, a suspensão da volta às aulas frustrou as expectativas. Mãe de Francisco, de 9 anos, e Helena, de 7, ela já havia até mesmo preparado as mochilas das crianças com antecedência. Além de cadernos e livros, tinha garantido espaço para máscaras embaladas em sacos plásticos. Agora, vai ter que contornar a decepção dos filhos.

— Quando o decreto autorizou a volta, toda uma dinâmica foi montada. Houve preparação das escolas e das famílias, gerando ansiedade. De repente, não podemos voltar. Quando se pensa em educação, leva-se em consideração diferentes aspectos de todos os envolvidos. Essa indecisão causa consequências — disse Thaís.

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Para garantir o respeito às regras, a Escola Nova, onde os filhos de Thaís estudam, havia apostado na parceria com os pais. O estabelecimento pretendia voltar, inicialmente, com 30% dos alunos. A partir de segunda-feira, retornariam os estudantes do 1°, 4°, 5°, 8° e 9° ano do Fundamental, e do 3° ano do Ensino Médio, em sistema de rodízio. A partir do dia 21, os alunos das outras séries deixariam o estudo remoto. De acordo com a diretora-geral, Verinha Affonseca, a programação se baseou em pesquisas e reuniões frequentes com os responsáveis:

— A parceria com os pais é o que vai fazer dar certo. Não adianta a escola estar banhada em álcool gel se as crianças não respeitarem os protocolos.

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Professora de pós-graduação em Educação da Uerj, Inês Barbosa de Oliveira está reticente em relação à volta às aulas. Ela diz que será difícil para crianças e adolescentes seguirem protocolos:

— Não só está todo mundo cansado de ficar em casa, como há muitos pais que precisam voltar a trabalhar. Se essas crianças não podem ir à escola, o que se faz? É necessário oferecer medidas alternativas. Isolamento social entre crianças e adolescentes é uma impossibilidade. Os protocolos que estão sendo colocados para a volta às aulas são inaplicáveis.