Brasil Educação

Especialistas condenam declarações homofóbicas do ministro da Educação

Termos são ofensivos e desumanizam pessoas como fez Goebbels, diz presidente de entidade LGBTI; presidente do Todos Pela Educação critica omissão de Milton Ribeiro
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, em coletiva de imprensa em 15 de setembro na sede do Inep, em Brasília (DF) Foto: Jorge William / Agência O Globo
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, em coletiva de imprensa em 15 de setembro na sede do Inep, em Brasília (DF) Foto: Jorge William / Agência O Globo

RIO — As declarações do ministro da Educação, Milton Ribeiro, relacionando a homossexualidade a "famílias desajeitadas" e manifestando reservas à presença de professores transgêneros em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo foram criticadas e recebidas com perplexidade por especialistas ouvidos pelo GLOBO. Ribeiro, pastor da Igreja Presbiteriana, disse não concordar com a orientação homossexual.

Reação: Senador vai ao STF para que ministro da Educação seja investigado por homofobia

Discreto desde sua posse, em julho, Ribeiro fez forte um aceno à base bolsonarista na entrevista, publicada nesta quinta-feira, após críticas de apoiadores e do próprio presidente Jair Bolsonaro a uma reunião com a bancada da Educação da Câmara, incluindo a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), opositora do governo. No entanto, o tom chamou atenção de Toni Reis, presidente da Aliança Nacional LGBTI e pós-doutor em educação. Ribeiro manifestou sua contrariedade à homossexualidade quando indagado sobre o bullying nas escolas.

— Fiquei chocado pela generalizações. Se tirar a palavra homossexuais e colocasse judeus, evangélicos, e generalizasse a partir da situação da deputada Flordelis, estaria sendo extremamente preconceituoso e discriminatório — afirmou Reis. — A fala do ministro é extremamente ofensiva. Sabemos que, em nossa comunidade, 73% sofrem bullying nas escolas, 60% se sentem inseguros ao entrar dentro de uma escola e 36% sofrem violência física. É uma fala desncessária, que agride a qualquer ser humano, não é de bom tom.

Meio ambiente : Símbolo do Pantanal, onça-pintada luta para sobreviver num território arrasado com suas presas queimadas

O dirigente da Aliança Nacional LGBTI, que é católico praticante e casado com um anglicano, avalia que as falas de Ribeiro, na posição de ministro de Estado, desumanizam a população LGBTI e lembrou da estratégia de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda da Alemanha Nazista.

— Isso me lembra Goebbels, que desumanizou os judeus falando que eram de famílias desajustadas, que eram ratos, e começou a desumanizá-los, bem como os homossexuais. Foram 6 milhões de pessoas mortas no Holocausto — disse Reis. — Eu vejo essa declaração dele como muito temerosa. E quando a gente tem o poder de fala, temos que medir as palavras. Estamos em estado de choque nesse sentido, a Lei de Diretrizes Básicas da Educação diz muito bem os princípios da área: tolerância e respeito.

Governo : Secretária demitida por Damares denuncia suspeita de ilegalidade em contrato com ONG

'Função de Estado'

Para Priscila Cruz, presidente-executiva da ONG Todos pela Educação, Ribeiro fez uso de seu cargo no governo federal para exprimir opiniões incondizentes com a posição de Estado ocupada por ele.

— É absurdo usar o papel de ministro, uma função de Estado, a serviço de uma agenda ideológica, eleitoral. Estamos em um ano de eleições municipais e temos um governo federal que está desde o primeiro dia na campanha à reeleição. Isso tudo faz com que tenhamos um MEC inoperante, com uma atuação irrelevante no ponto de vista da política pública educacional — afirmou Cruz. — A fala de um ministro é a fala do governo federal e, no limite, é do Brasil perante determinados temas.

Covid-19: Bolsonaro volta a distorcer informações sobre a pandemia

Na entrevista, o ministro da Educação fez uso das expressões "homossexualismo" e "opção sexual", que são incorretas. Enquanto a primeira imputa uma condição patológica à homossexualidade, um entendimento derrubado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) há 30 anos, a segunda sugere que a sexualidade é uma opção.

— Tenho 56 anos, meu doutorado é sobre LGBTfobia na educação. Não conheço nenhuma pessoa no Brasil e no mundo que optou assim: no próximo sábado, vou ser gay. Não conheço nenhuma lésbica que escolheu: serei lésbica porque quero afrontar Levídico (livro da Bíblia) ou as famílias. Chamamos de orientação sexual, no lugar de opção, e identidade de gênero, e não ideologia — explicou o presidente da Associação Nacional LGBTI. —  Temos que levar luz ao debate. Não se fala homossexualismo desde 1990. É importante um ministro da Educação atualizar-se.

Educação laica

Ele afirma, ainda, que a entidade avaliará as medidas cabíveis e enviará uma moção ao MEC. Reis explica por que se surpreendeu com a declaração de Milton Ribeiro:

— Nossa Constituição é muito bem clara: não podemos misturar livros sagrados, seja o Alcorão, Torá, Bíblia, Livro dos Espíritos, com a educação, que é laica. O atual presidente da República, Jair Bolsonaro, é uma pessoa de poucas letras. Mas o ministro da Educação é alguém que estudou. Ele é o chefe da Capes, a responsável pelo aperfeiçoamento da ciência no Brasil. Peço desculpa a todas as famílias por essa fala infeliz, equivocada e sem nexo causal.

Vacina contra Covid: 5 problemas para o início da distribuição no Brasil

O ministro da Educação também afirmou que vê "com reservas" a presença de um professor ou professora transgênero em sala de aula por temer que a figura docente "estimule" comportamentos nos estudantes. Reis também rechaçou a declaração.

— Lugar de pessoas transgênero é onde elas quiserem. Não é a identidade da pessoa que vai dizer onde ela tem que ir ou não. Conheço muitas que são professoras universitárias, pós-graduadas, e que dão baile em muitos autores e autoras — afirmou o presidente da Aliança Nacional LGBTI.

Omissão na volta às aulas

Na mesma entrevista, Milton Ribeiro procurou desvinciliar o papel do Ministério da Educação na coordenação do retorno às aulas no país durante a pandemia da Covid-19. O ministro disse ao Estadão que esse papel cabe aos municípios e aos estados e que a pasta já fez a sua parte direcionando verbas para viabilizar a retomada das atividades.

Além disso, Ribeiro rebateu a afirmação de que a pandemia aprofundou as desigualdades por conta da disparidade no acesso a tecnologias por alunos mais pobres para o acesso remoto. Segundo o ministro, a pandemia apenas revelou o problema que, na sua visão, é atenuado pelo fato de que o número de alunos sem celular "é muito pequeno".

ONU: Isolamento social nas escolas no Brasil pode afetar potencial produtivo de uma geração

Para Priscila Cruz, a declaração de Ribeiro contradiz a própria Lei de Diretrizes Básicas da Educação e fere a ética.

— A LDB deixa claro que cabe à União a coordenação da política nacional de educação e a articulação dos diferentes níveis e sistemas, funcionando como função normativa. Isso é uma forma de se esconder com argumentos falsos de sua real responsabilidade. Temos um MEC que se esconde, que não tem tido uma atuação relevante na pandemia e nem antes dela. O ministro repete a mesma trajetória dos anteriores, Ricardo Vélez e Abraham Weintraub, de primeiro fazer uma cortina de fumaça e depois se esconder atrás dela. Eles criam mecanismos de diversionismo muito fortes — avaliou Cruz.

A presidente-executiva do Todos Pela Educação alerta, ainda, que a omissão do MEC na articulação de uma política nacional de retomada das aulas, respeitando o quadro epidêmico de cada região, trará graves consequências ao país:

— Nesse momento, crise mais grave que a educação pública já viveu na história da República, é uma omissão que vai custar vidas, oportunidades, crescimento futuro, melhoria de indicadores de segurança pública, capacidade de reagir a futuras pandemias. Isso deve ser veementemente rechaçado pela sociedade, não só pela sociedade civil organizada, mas pela população brasileira. Nesse momento em que o país está passando por tanta dificuldade, é aceitável simplesmente ter a postura de dizer que o MEC não tem nada a ver com isso?