EDUCAÇÃO

Por Gilvana Giombelli, Mariah Colombo, g1 PR — Curitiba


Especialistas em educação avaliam que transferir administração escolas para iniciativa privada não vai melhorar Ideb — Foto: Divulgação/Seed

Especialistas em educação ouvidos pelo g1 se posicionaram de maneira contrária ao modelo proposto pelo Governo do Paraná em edital que seleciona empresas para auxiliar na gestão educacional de 27 escolas estaduais a partir de 2023.

Segundo a Secretaria Estadual de Educação (Seed), as escolas foram escolhidas por conta do baixo aproveitamento no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

Dados divulgados pelo Governo Federal em outubro indicam que ensino médio do Paraná atingiu a maior média do país no Ideb de 2021– 4,6. As escolas selecionadas para essa mudança de gestão, segundo dados do INEP, registraram notas entre 3,7 e 5,0.

Conforme edital, a empresa escolhida vai cuidar do gerenciamento da área financeira, da distribuição de merenda, da manutenção da infraestrutura e supervisão na gestão pedagógica. Veja outros detalhes do edital mais abaixo.

Entretanto, para Daniela de Oliveira Pires, professora do Departamento de Planejamento e Administração Escolar do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o principal efeito da decisão será a submissão da escola pública aos interesses de setores privados.

"Com o discurso da melhoria da qualidade da educação e da gestão escolar por meio das parcerias do poder público com instituições privadas, acaba fazendo com que o setor privado imponha a sua lógica de mercado na gestão escolar pública", afirmou Pires.

Conforme edital, a empresa escolhida vai cuidar do gerenciamento da área financeira, da distribuição de merenda, da manutenção da infraestrutura e supervisão na gestão pedagógica. — Foto: Aen/Divulgação

Assim como ela, a professora e doutora em educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) Janete Ritter acredita que a medida não irá auxiliar nos índices de aproveitamento do Ideb.

"A questão do baixo aproveitamento do Ideb não resolve somente com alterações na gestão. Cada núcleo de educação tem os coordenadores pedagógicos, que acompanham o técnico que acompanhou essas escolas. Qual é o trabalho pedagógico que esse pessoal, que não está na sala de aula, e está no núcleo ou na própria Seed, estão realizando junto à escola?", questionou Ritter.

'Contramão da autonomia pedagógica'

O diretor da Secretaria Estadual de Educação, Roni Miranda Vieira, afirmou em entrevista à RPC que o processo não se trata de uma privatização, mas que, como indica o edital, o estado e a empresa "integrarão uma equipe". O objetivo, segundo o documento, é reduzir a burocracia e tirar obrigações da Secretaria da Educação.

Nesta quinta-feira (27), a Secretaria Estadual de Educação afirmou em nota que os colégios que irão participar do projeto terão total autonomia pedagógica "uma vez que são os processos referentes à gestão administrativa e à infraestrutura que ficarão a cargo da instituição parceira".

A secretaria disse ainda que os diretores da rede estadual serão mantidos e que desta forma poderão focar na parte pedagógica.

Além disso, a nota diz que o projeto promoverá a valorização de professores e funcionários "pois aqueles que forem contratados pela empresa parceira deverão, obrigatoriamente, receber um salário igual ou superior ao que recebiam no Estado", diz trecho.

Governo do Paraná abriu edital para contratar empresas para gestão educacional de 27 escolas estaduais — Foto: Reprodução/RPC

Além disso, a Seed afirmou que a seleção de empresas privadas para auxiliarem na gestão educacional "é uma prática consolidada no mundo e também no Brasil".

Para Daniela, no entanto, a população está diante de um processo de "promoção da educação pública, para satisfazer interesses privados" que vai na contramão da autonomia pedagógica.

"Quando afirmamos isso, não significa que a escola será vendida, a escola continuará sendo pública, mas os processos internos, sua rotina e administração, ficarão a cargo de uma instituição privada e, que está na contramão da autonomia pedagógica, financeira e administrativa da escola, um dos pilares da gestão democrática", afirmou Pires.

Ela acredita também que o edital é a expressão de um contexto no qual instituições privadas estabelecem as diretrizes e definem os parâmetros de eficiência e qualidade para serem incorporados na realidade das escolas públicas.

Ainda segundo a especialista, o movimento está sendo adotado por vários estados da federação e, no caso do Paraná, se aprofundou durante a gestão do governador Ratinho Junior (PSD).

O Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato) afirmou em nota na quarta-feira (26) que a decisão trata-se da "terceirização completa da educação para a iniciativa privada" e que, com a escolha, a comunidade será excluída da participação das decisões escolares.

Além disso, a APP-Sindicato afirmou que estuda medidas cabíveis para acionar a Justiça.

Alternativas

Para a especialista Janete Ritter, uma alternativa à transferência da administração de escolas estaduais para iniciativa privada seria o investimento na formação e capacitação dos professores da rede pública.

Além disso, Ritter destaca a troca de conhecimento entre professores da própria rede estadual de ensino.

"Nós temos excelentes referência pedagógica no estado do Paraná, a Seed poderia olhar para dentro dos seus núcleos e trabalhar com esse seu pessoal que tem trabalhos de referência. Por que não utilizar essa sua experiência? Essas escolas que são, por exemplo, referência ali no Ideb, que tiveram boas médias, boas práticas pedagógicas, o que elas estão fazendo? Não podemos colocar esses gestores dessas chamadas boas escolas, em contato com as outras para ver o que podemos avançar?", sugeriu Ritter.

Em nota, a Secretaria da Educação afirmou que investe na troca de conhecimento entre os Núcleos Regionais de Educação por meio de programas, como o Programa de Desenvolvimento de Liderança e o Formadores em Ação, e encontros regulares para troca de boas práticas.

Para realização do Ideb, são consideradas as taxas de aprovação escolar e as médias dos estudantes em português e matemática — Foto: Raul Santana/Fiocruz

Para realização do Ideb, são consideradas as taxas de aprovação escolar e as médias dos estudantes em português e matemática. O índice mede a qualidade do aprendizado em todo o país e estabelece metas para melhorar o ensino.

Evolução do Ideb no Paraná
Fonte: IDEB 2021, INEP

No gráfico a linha vermelha indica as notas do estado do Paraná no índice desde 2005. Em verde estão as metas projetadas, definidas em 2005 e aferidas a cada dois anos pelo Ideb.

A nota máxima no Índice é de 9.9.

'Desvalorização dos professores'

O edital publicado pelo Governo do Paraná define que a empresa contratada não poderá interferir no quadro de professores e servidores concursados.

Entretanto, os profissionais contratados pelo Processo Seletivo Simplificado (PSS) poderão ser contratados pela empresa, desde que com a mesma remuneração do estado, uma vez que a empresa não pode pagar menos que a rede estadual de ensino.

Apesar disso, para Ritter a terceirização promove a desvalorização dos profissionais.

"Nessa terceirização os professores permanecem sendo do estado. Eles não vão receber tanto quanto recebe um professor na rede privada, por exemplo. Então é duplamente uma desvalorização do professor, porque ele vai trabalhar na vertente da privatização e da terceirização, contudo o salário permanece ligado ao estado, sem aumento, sem valorização", afirmou a especialista.

Edital e atribuições

Conforme edital, a empresa escolhida vai cuidar do gerenciamento da área administrativa, financeira e estrutural e da supervisão e apoio na gestão pedagógica, como fornecer e distribuir merenda aos alunos e funcionários, com supervisão de uma nutricionista.

Além disso, a empresa irá fornecer uniforme aos alunos, prestar serviços de limpeza, manutenção da infraestrutura, disponibilizar um profissional especializado em gestão educacional e garantir internet com boa velocidade.

Confira a quantidade de escolas selecionadas por cidade:

Segundo o edital, as inscrições vão até 3 de novembro e podem participar empresas da área da educação que tenham cinco mil alunos, e média acima de 550 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

O critério para a escolha da empresa será a melhor nota no Enem entre as candidatadas para cada escola. A licitação não segue o critério de menor preço, porque, segundo a Seed, a remuneração será fixa de R$ 800 por aluno matriculado pelo ano letivo.

O documento exige que a empresa cumpra metas e resultados definidos pela Secretaria da Educação.

Governo prevê mudança para 27 escolas estaduais, a partir de 2023

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