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Especialista: não há motivo para financiar escolas privadas com dinheiro público do Fundeb nos ensinos fundamental e médio

Nalu Fernandes, presidente de associação de pesquisadores especializados em financiamento, critica liberação do repasse de até 10% de matrículas para colégios confessionais, comunitárias e filantrópicas nessas etapas
Escolas terão novos gastos, como ácool em gel, a partir de 2021 Foto: Pedro Teixeira/17.11.2020 / Agência O Globo
Escolas terão novos gastos, como ácool em gel, a partir de 2021 Foto: Pedro Teixeira/17.11.2020 / Agência O Globo

RIO - Presidente da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (Fineduca), a professora da UFRGS Nalu Fernandes afirma que a regulamentação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) falhou ao liberar recursos públicos para instituições privadas, especialmente no ensino fundamental e médio.

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O texto, aprovado na Câmara na última quinta-feira e que entrará em debate esta semana no Senado, libera o repasse de até 10% de matrículas nestas etapas financiadas com dinheiro do Fundeb  em colégios sem fins lucrativos de três tipos: confessionais (religiosos), comunitárias e filantrópicas.

— É totalmente inaceitável esse repasse. Atualmente, elas têm 0,57% das matrículas no fundamental e 0,3% no médio. Ou seja, se a proporção atual de estudantes nessas escolas não chega a 1%, os 10% de limite são motivo para ampliar e não uma trava  — argumenta a especialista, integrante do Núcleo de Estudos de Política e Gestão da Educação da UFRGS

Como a senhora avalia a regulamentação  do Fundeb?

O que a gente viu no texto aprovado na Câmara desvirtua certos avanços do Fundeb aprovado no meio do ano. Um deles é o financiamento de matrículas em escolas privadas. O fundo tem como um dos seus pontos estruturais a valorização da educação pública. Já havia situações em que eram admitidas matrículas com escolas conveniadas sendo financiadas pelo Fudeb, mas em situações excepcionais. É totalmente inaceitável que sejam incluídas matrículas no fundamental e no médio.

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Por que?

Atualmente, essas escolas conveniadas têm 0,57% de matrículas no ensino fundamental e 0,3% do médio. Qual o motivo para se admitir o financiamento de até 10% das matrículas ? Se a proporção hoje é muito baixa, só se for para aumentá-la. Se a proporção atual não chega a 1%, os 10% são estículo e não uma trava. Nessas etapas, o atendimento é majoritariamente público e consegue dar conta. Não há motivo para contemplar essas escolas. É um contrasenso.

Então dinheiro público não pode, de forma alguma, financiar escolas privadas?

Isso poderia ter ficado apenas na creche e na formação por alternância na educação especial até que a prefeitura conseguissem dar conta de toda a demanda. O que aconteceu nessa semana foi o inverso disso. Em vez de limitar o uso, houve uma ampliação, o que vai ser desfavorável em aspectos estruturantes do Fundeb. Outro contra senso aprovado na regulamentação foi a liberação de verba do Fundeb para o Sistema S, para financiar o  ensino profissional articulado ao médio. Eles tem uma receita de 0,3% do PIB Brasileiro. Por que precisam dos recursos do Fundeb? Não existe motivo. Esse dinheiro deveria ir para os institutos e federais e para os colégios estaduais oferecerem esse serviço.

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Apesar desses pontos incluídos na regulamentação, o novo Fundeb ainda é melhor do que o antigo?

Sim. A complementação da União (quantidade de dinheiro do governo federal que vai para estados e municípios) mais do que dobrou. Passou de 10% para 26%. Isso é algo fundamental. Um segundo ponto a destacar é que a distribuição vai se dar pelo sistema híbrido. Assim, ela continua para os estados mais pobres, mas também vai chegar nos municípios que tem receita menor em estados mais ricos e hoje não recebem complementação. Isso vai fazer muita diferença. São vários pontos que representam grandes avanços.