Escolhido por ser pastor, Milton Ribeiro fez gestão ideológica no MEC

Áudio revelado pela Folha mostrou Milton Ribeiro falando em priorizar os amigos de um dos pastores a pedido de Bolsonaro; ele foi exonerado na tarde desta segunda-feira (28)

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Brasília

Nomeado como ministro da Educação por sua formação religiosa, o pastor Milton Ribeiro foi exonerado em março, após denúncias de privilegiar pastores em um esquema informal de obtenção de verbas do MEC (Ministério da Educação). Nesta quarta-feira (22), ele foi preso pela Polícia Federal.

Áudio revelado pela Folha mostrou o ministro falando em priorizar os amigos de um dos pastores e que isso seria um pedido do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ribeiro chegou para comandar a pasta em 10 de julho de 2020, em aceno de Bolsonaro à ala evangélica que apoia o governo.

Pastor da Igreja Presbiteriana Jardim de Oração de Santos, litoral de São Paulo, e teólogo, Ribeiro foi escolhido para substituir Abraham Weintraub, depois que a indicação de Carlos Alberto Decotelli para o cargo não vingou por inconsistências no currículo.

Autoridades aparecem de pé à frente de dezenas de pessoas em um auditório. Eles são na maioria homens, de ternos escuros, há uma mulher à esquerda de rosa
Pastores que negociam recursos do MEC em evento na sede da pasta com o presidente Bolsonaro, no dia 10 de fevereiro de 2021. Pastores Gilmar Santos e Arilton Moura estão à direita de Milton Ribeiro - Reprodução

O apoio do hoje ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) André Mendonça foi crucial para o convite feito a Ribeiro, apesar de sua falta de experiência em políticas públicas. Na época, Mendonça, que é pastor presbiteriano, era ministro da Justiça.

Ribeiro chegou ao MEC em um cenário crítico em meio ao fechamento das escolas devido à pandemia de Covid-19 e, quando assumiu, sequer conhecia a dimensão da pasta.

Foi visto como um ministro decorativo nos primeiros meses de sua gestão, privilegiando viagens e agendas com o presidente Jair Bolsonaro sem relação com a área. Até então, pouco tinha se envolvido nos temas do MEC.

Com o passar do tempo, Ribeiro foi se aproximando de políticos do Centrão e intensificando o discurso ideológico, marca do bolsonarismo na área da educação. ​

Em junho de 2021, Ribeiro disse que pretendia analisar pessoalmente as questões do Enem para fazer um filtro ideológico no exame. Após repercussão negativa, recuou.

Mas, uma semana mais tarde, quis criar um "tribunal ideológico" do exame. O MEC preparava a criação de uma comissão permanente para revisão ideológica do Enem.

Uma portaria do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) falava em não permitir "questões subjetivas" e atenção a "valores morais". Na Comissão de Educação da Câmara, entretanto, Ribeiro mentiu ao dizer que a iniciativa nunca teria existido.

Sua gestão também foi marcada pela omissão do MEC no apoio a estados e municípios durante a pandemia de Covid-19, sem uma coordenação federal para garantir, entre outras coisas, conectividade para alunos e plataformas educacionais. ​

Coube ao Congresso derrubar o veto do presidente Jair Bolsonaro a um projeto de lei que previa o repasse de cerca de R$ 3,5 bilhões da União para que estados melhorassem a internet e a conectividade de escolas públicas do ensino básico, durante a pandemia.

A única iniciativa efetiva do MEC na educação básica foi o incremento de cerca de R$ 600 milhões no programa que repassa dinheiro para as escolas, em apoio à volta às aulas, depois de mais de seis meses do fechamento das instituições.

Falhas em transferências também marcaram a gestão de Milton Ribeiro à frente do MEC. Em março de 2021, o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) repassou equivocadamente R$ 766 milhões do Fundeb (principal mecanismo de financiamento da educação básica), causando prejuízo aos cofres da União.

Três estados e respectivos municípios receberam dinheiro a mais do que lhes eram devidos e, seis, a menos. Isso causou uma perda para o FNDE de, ao menos, R$ 1,3 milhão, segundo documentos obtidos pela Folha. Pelas redes sociais, Ribeiro minimizou a falha.

O caso sobre o balcão de negócios no MEC, que, segundo prefeitos, seria operado pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, não é a primeira suspeita envolvendo o nome de Ribeiro e de outros evangélicos.

Em maio de 2021, a Folha revelou que o ministro atuou a favor de um centro universitário privado suspeito de fraude no Enade 2019 (exame de avaliação do ensino superior). A Unifil, de Londrina (PR), é presbiteriana, assim como o ministro. Ribeiro protelou o envio do caso à Polícia Federal, como preconizava a área técnica do MEC.

Em nome do ministro, o secretário-executivo da pasta, Victor Godoy Veiga, teria dado um recado a lideranças do Inep de que haveria demissões caso chegassem à PF indícios de fraude na faculdade ligada a pastores aliados.

Na época, a informação foi confirmada à Folha por três pessoas do alto escalão envolvidas com o tema.

As polêmicas não pararam por aí. Em janeiro deste ano, Ribeiro foi denunciado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) ao STF (Supremo Tribunal Federal) pela prática do crime de homofobia. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Ribeiro disse que a homossexualidade não seria normal e atribuiu sua ocorrência a "famílias desajustadas".

O então ministro chegou a se desculpar pelas declarações, mas posteriormente ironizou o processo. Não foi a única vez que Ribeiro expôs opiniões que associam negatividade à comunidade LGBTQIA+ ​. O pastor já disse também que não ia permitir "ensinar coisa errada" nas escolas ao mencionar questões de gênero.

Ribeiro é o terceiro ministro de Bolsonaro a deixar o cargo em meio a crise e críticas por ter realizado poucas ações à frente do ministério.

O pastor substituiu Abraham Weintraub, que foi demitido por Bolsonaro em junho de 2020, após atacar ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e chamá-los de "vagabundos". O presidente resistiu a demiti-lo. Weintraub também foi alvo do inquérito das fake news, que tramitou no Supremo, e ainda de uma investigação no tribunal por racismo por ter publicado um comentário sobre a China.

Antes dele, o MEC foi comandado pelo colombiano Ricardo Vélez Rodrigues que ficou no cargo por apenas quatro meses. Indicado por Olavo de Carvalho, Vélez foi demitido após meses de paralisia na pasta e disputas internas entre seus nomeados. Sua passagem pelo ministério foi marcada por polêmicas, como uma carta encaminhada às escolas para que filmassem os alunos cantando o hino nacional e enviassem o vídeo para o MEC.

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