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Carolina Videira

Escolas podem perpetuar desigualdades

Assim como fazemos com empresas, devemos cobrar uma atuação inclusiva

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Carolina Videira

Educadora, é mestre em neurologia, especialista em inclusão para diversidade e fundadora da OSC (Organização da Sociedade Civil) Turma do Jiló

Percebo que grande parte das pessoas está mais consciente das mudanças que precisamos fazer na forma como vivemos para diminuir a desigualdade no mundo. Movimentos na internet cobram mais responsabilidade social e ambiental de marcas, empresas e governos. Isso é ótimo! Mas olhar a questão apenas pela perspectiva do consumo e do assistencialismo não é o bastante para mudar o mundo. Por exemplo, quando falamos sobre a escolha da escola do seu filho, você observa e exige a mesma postura consciente e inclusiva que procura nas marcas de produtos que consome?

Queremos que nossos filhos tirem notas altas —que garantam vaga em uma boa universidade— e que conquistem um bom lugar no mercado de trabalho. Estimulamos uma competição que emula separar os bem-sucedidos dos fracassados desde a tenra idade, nivelando todos com uma régua torta e negando a uma boa parte dos alunos o direito de desenvolver suas habilidades. Nossa concepção de escola é exageradamente meritocrática, o que não nos permite perceber como a educação básica é essencial para a verdadeira mudança.

A escola e a família devem ser o primeiro lugar onde as noções de justiça, inclusão e diversidade precisam ser aplicadas para que os jovens cresçam com bons exemplos para replicá-los conscientemente em sociedade. Nenhuma criança é igual a outra; cada uma delas, invariavelmente, vai apresentar facilidades e dificuldades diferentes, e é papel das escolas valorizar e integrar as diferenças para que elas consigam superar seus próprios desafios. Olhar com atenção para essa questão é também uma forma de combater a desigualdade. Uma educação de qualidade precisa ser a base da vivência desse futuro melhor que queremos construir, formando cidadãos conscientes de seu impacto no mundo.

Fora do Brasil, vemos experiências bem-sucedidas com estudantes conectados com a realidade social, exercendo trabalhos voluntários como parte do aprendizado de novas competências, como empatia e solidariedade. Em muitos lugares é currículo obrigatório, além de contar pontos para as melhores universidades. No Brasil, a ​BNCC (Base Nacional Comum Curricular) já adotou habilidades socioemocionais para os currículos, mas ainda é problemático como isso se aplica nas escolas. A verdade é que os educadores têm pouco conhecimento sobre o assunto, e praticamente não existe um processo ou estímulo à formação continuada para apoiar os profissionais de educação a adquirirem métodos e habilidades a fim de inovar na educação, principalmente na esfera pública.

Não podemos deixar de reconhecer os profissionais da educação que se esforçaram todos os dias para que a maioria não fosse deixada sem ensino durante a pandemia. Tem sido um trabalho heroico, mas não podemos romantizar as péssimas condições de trabalho, que ficaram evidentes. Precisamos olhar para toda a estrutura que chamamos de escola e agir no coletivo para transformar positivamente as relações interpessoais, trabalhistas e curriculares, de forma a levar mais justiça e igualdade de oportunidades para todos. Não há desenvolvimento real se não nos desenvolvermos todos juntos.

Em 2020, vimos um sistema de educação bastante frágil e desigual sendo abalado. Precisamos agir agora para mitigar consequências e equilibrar oportunidades, reinventando as maneiras de aprender e ensinar. Caso contrário, continuaremos a ver um futuro que repete o passado sistematicamente.

Acredito que integrar e transformar a comunidade escolar junto aos nossos filhos, construindo modelos equânimes desde a base, seja o melhor caminho para uma mudança social profunda e urgentemente necessária.

Tenho esperança, mas não no sentido de esperar que as coisas mudem —e sim no agir para ser a mudança, como sabiamente nos ensinou Paulo Freire.

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