Brasil
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Por Cristiano Romero

Jornalista desde 1990. Formado pela Universidade de Brasília (UnB), trabalha no Valor desde a sua fundação.


Quem frequenta ou frequentou escolas públicas no Brasil sabe que a violência nessas instituições não é episódica, mas, sim, uma característica nacional, inscrita no caráter desta sociedade desde sempre. Não é difícil entender o porquê, ainda que um ou outro caso não se enquadre nas razões que explicam mais uma das nossas tantas chagas sociais.

Quem já frequentou escola pública neste país certamente testemunhou casos de violência envolvendo alunos, professores, funcionários e pais dos estudantes. Trata-se de algo diário, tão cotidiano quanto a sucessão dos dias no calendário escolar.

Educação, aqui, sempre foi para muito poucos

Ora, a maneira como esta sociedade lidou e ainda lida com a educação de seu povo explica quase tudo. Durante a vigência da escravidão, portanto, por quase 400 anos, escravos eram proibidos de estudar. Aos alforriados era permitido frequentar escolas, desde que tivessem renda, propriedades e uma determinada quantia em dinheiro, uma fortuna inalcançável para a maioria dos cidadãos na segunda metade do século XIX. Estados como o Rio de Janeiro proibiam negros e pessoas com doença contagiosa de estudar em suas escolas.

No fim daquele século, os negros, sendo que a maioria absoluta entre eles eram escravos, já representavam o maior grupo populacional do país. Não permitir a alfabetização dos negros era, portanto, um projeto político, e isso ficou ainda mais claro pouco antes da promulgação da Lei Áurea, em maio de 1888.

Quando a classe política percebeu que o movimento abolicionista sucederia, afinal, o Brasil era o único país das Américas que ainda não tinha acabado com a infâmia da escravidão, logo tratou de assegurar seu projeto de poder pós-abolição. E como foi feito isso? O Parlamento aprovou a Lei Saraiva, em janeiro de 1881, instituiu o título de eleitor as eleições diretas para todos os cargos eletivos do Império e a proibição do voto de analfabeto.

Bem, em 1888, apenas 2% da população brasileira era alfabetizada. Este é um dado chocante, mas, visto em perspectiva, é algo que não poderia ser diferente, dada a natureza da sociedade que se forjou aqui desde a chegada dos europeus em 1500. Durante mais de um século, inclusive, depois de instaurada a "República", em 1889, uma minoria de brasileiros, a maioria branca, decidiu os destinos deste país - já passou da hora de colocarmos aspas na palavra República ao nos referirmos ao regime político instaurado nestes tristes trópicos.

A Lei Saraiva foi escrita para manter os africanos escravizados e seus descendentes em seus lugares: à margem da sociedade. Como se sabe, o voto do analfabeto só foi reinstituído em novembro de 1985, quando foram realizadas as primeiras eleições municipais após o fim do regime militar iniciado em 1964.

Aquele foi o marco inicial de um longo processo de mudanças institucionais em direção à construção de uma sociedade menos injusta. A Constituição de 1988 veio em seguida ao inscrever como cláusula pétrea a proibição de qualquer forma de discriminação. Desde então, inúmeras leis foram aprovadas pelo Congresso para dar consequência aos direitos e garantias fundamentais previstos na Carta Magna. Além disso, mecanismos de inclusão e reparação histórica de prejuízos sofridos pela população negra, como a lei de cotas nas universidades públicas, foram adotados em decorrência da permanente luta política empreendida por movimentos negros.

Durante esse período, não foram poucas as tentativas de setores superconservadores da sociedade de dificultar a regulamentação dos capítulos de direitos e garantias fundamentais da Constituição. Esses movimentos eram caracterizados por um silêncio, digamos, obsequioso. Com a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder, em 2019, o silêncio foi rompido.

O médico patologista e doutor em educação Nizan Pereira Almeida estudou a fundo o tema da exclusão dos negros do sistema educacional. Sua tese - “A construção da invisibilidade e da exclusão da população negra nas práticas e políticas educacionais no Brasil” - é esclarecedora. Almeida descobriu a origem da "naturalidade" com que, desde os tempos Império, a exclusão racial passou a ser encarada no Brasil.

Entre a Constituição de 1824, que instituiu o acesso de brasileiros à escola, com exceção dos negros, e a de 1891, promulgada já no período republicano, perdurou sistema escolar que reservava aulas domiciliares aos ricos; escolas públicas aos pobres e livres nascidos no Brasil, ou cursos em seminários católicos, para poucos.

A tragédia da Escola Thomazia Montoro, em São Paulo, teve no racismo a motivação da violência. Obviamente, há outros fatores envolvidos nesse caso. De toda maneira, vivemos uma situação "endêmica", segundo levantamento realizado no ano passado pela “Nova Escola”, quando foram ouvidos 5.300 educadores de todo o país.

Os números são os seguintes: oito de cada 10 professores relatam casos de violência nas escolas onde trabalham; sete percebem aumento na violência nas escolas pós-pandemia, especialmente entre os próprios alunos; entre os educadores que foram alvos, 51,23% relatam terem sofrido violência verbal.

A violência psicológica é relatada por 22,89% dos entrevistados; já a violência física representa 7,53% dos casos. De acordo com os profissionais, 50,46% dos agressores são estudantes. Em seguida, vêm os pais dos alunos - 25,6% do total; 11,4% dos agressores são gestores das escolas e cerca de 9% são os próprios professores.

O racismo é, segundo outra pesquisa da “Nova Escola”, esta realizada em novembro de 2022, com a participação de 1.847 educadores, é uma prática cotidiana nas escolas: 53,2% dos profissionais pretos e pardos declararam ter presenciado situações de racismo em ambiente escolar nos últimos cinco anos; 23,71% dos professores negros alegam que já foram alvo de discriminação.

Cristiano Romero é colunista e escreve às quintas-feiras
E-mail: cristiano.romero@valor.com.br

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