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Rio

Escolas em áreas conflagradas do Rio têm notas baixas no Ideb

De 36 unidades municipais nestas regiões, apenas quatro bateram a meta estipulada
Professores e estudantes de escoals municipais do Complexo da Maré fazem um protesto contra a violência após a morte de aluno; unidade da região tem o segundo pior desempenho do Ideb neste ano Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Professores e estudantes de escoals municipais do Complexo da Maré fazem um protesto contra a violência após a morte de aluno; unidade da região tem o segundo pior desempenho do Ideb neste ano Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

RIO — ‘Sempre me pergunto onde errei quando vejo um ex-aluno com uma arma na mão”, diz o professor Felipe ( nome fictício ). “Infelizmente, isso está virando uma rotina”, completa. Ele trabalha na Escola Ministro Lafayette de Andrada, que fica na Cidade Alta, em Cordovil. É a unidade da rede municipal do Rio com a menor nota — 2,7, numa escala de zero a dez — no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), considerando as 314 que oferecem vagas no 9º ano, o último do ensino fundamental.

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Escolas das redes municipais com piores resultados ficam na Baixada Fluminense

O Rio tem 36 escolas municipais com ensino fundamental localizadas em áreas conflagradas, e só quatro delas (11%) bateram a meta de qualidade estipulada pelo Ideb, que leva em consideração o nível de aprendizado, a quantidade de alunos aprovados e reprovados e a evasão das salas de aula. No restante da cidade, o percentual de unidades que alcançaram esse objetivo é o dobro: 23%, que correspondem a 66 de 278 colégios.

O segundo menor Ideb da rede municipal também é de uma escola localizada numa região dominada pelo tráfico de drogas: trata-se da Professor Josué de Castro, na Maré, que tirou nota 2,8 e que fechou oito vezes no ano passado por causa da violência. O desempenho da unidade fica no patamar registrado em colégios de cidades pobres do Norte e do Nordeste como Afuá, no Pará, e Venha-Ver, no Rio Grande do Norte.

— Tenho a certeza de que todos os professores, tanto da Cidade Alta quanto da Maré, se esforçam muito. Mas, nos últimos quatro anos, perdemos espaço para a violência — afirma Felipe, acrescentando que vê aumentar o número de adolescentes envolvidos com o crime organizado.

As unidades municipais situadas em áreas conflagradas fazem parte do programa Escolas do Amanhã, criado em 2009 pela então secretária de Educação Claudia Costin para tentar diminuir o impacto da violência no ensino. A nota média desse grupo no Ideb é 4,26; e a dos 278 colégios restantes (que não ficam em locais de risco), 4,74.

— Essa diferença de meio ponto é relevante, comprova que a exposição a situações de violência prejudica o aprendizado da criança — avalia Olavo Nogueira Filho, diretor de políticas educacionais do movimento Todos pela Educação.

boas instalações

A Escola Municipal Ministro Lafayette de Andrada se empenha para manter seus alunos nas salas de aula. Possui um laboratório de ciências que não deixa nada a desejar, e também conta com uma boa biblioteca, uma ampla sala de leitura, uma quadra poliesportiva coberta e internet de banga larga. Este ano, seu projeto pedagógico tem como tema “respeito”. Nas redes sociais, é possível verificar que há uma relação próxima entre direção, professores e estudantes. Mas o desafio de vencer a violência é difícil.

— A escola é muito boa, mas o tráfico atrapalha. Às vezes, ninguém vai à aula por causa dos tiroteios. A gente não pode submeter os filhos ao risco — lamenta a mãe de um aluno.

A nota da Lafayette de Andrada no Ideb vem caindo. Era 2,8 na penúltima avaliação, feita em 2015. Em 2017, a Cidade Alta viveu dias de terror, por conta de uma disputa entre facções do tráfico. Em maio, depois de cinco meses de guerra, uma das quadrilhas reagiu a uma megaoperação da Polícia Militar incendiando oito ônibus e dois caminhões na Avenida Brasil. No meio disso tudo, a Lafayette de Andrada fechou seis vezes. E este ano, segundo Felipe, cinco de seus alunos decidiram trocar as salas de aula pelas bocas de fumo.

Apesar das dificuldades, o Escolas do Amanhã vem conseguindo bons resultados. Desde que foi criado, a nota média no Ideb das unidades incluídas no programa melhorou 39%, passando de 3,06 (em 2009) para a atual 4,26.

Hoje, a Escola Municipal André Urani, também chamada de Escola Gente (Ginásio Experimental de Novas Tecnologias), na Rocinha, é a que tem o melhor Ideb — 5,5 — entre as unidades localizadas em áreas conflagradas. Além disso, está entre as 30 com melhor avaliação da cidade.

— Quando tem tiroteio na favela, suspendemos as aulas, mas as lições são passadas por computador ou celular. Os professores usam grupos de Facebook e Google Classroom para se comunicar com os alunos. Conseguimos melhorar nossa nota do Ideb com criatividade. Aqui, o ensino não para — diz um profissional da escola.