Escolas dão reforço para alfabetizar adolescentes com déficit de aprendizagem

Mapear corretamente as defasagens e motivar alunos para frequentar aulas de reforço estão entre as dificuldades

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Por Rafael Burgos

Após superar alguns atrasos históricos nas últimas décadas, o Brasil saiu da pandemia com novos desafios no campo da alfabetização – como o aumento do número de jovens de 11 a 14 anos com déficit nesse aprendizado. Isso tem levado gestores públicos a pensar estratégias voltadas ao ensino fundamental 2.

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Como lembra Fred Amancio, secretário de Educação de Recife, na volta às aulas, muitas escolas se depararam com uma surpresa negativa. “São crianças que, no passado, tiveram deficiências que, normalmente, eram corrigidas até o 4º ou 5º ano. A pandemia retardou esse processo de recuperação, que, em alguns casos, está se prolongando até o 6º, 7º ou 9º ano, com déficits na capacidade de interpretar um texto ou uma frase”, diz.

Segundo Beatriz Abuchaim, gerente de Conhecimento Aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, há um efeito cascata nas dificuldades desses alunos. “Como a criança vai aprender história se é incapaz de compreender um texto daquela disciplina?”

Com a ausência de dados para medir o tamanho do problema nos alunos mais velhos, escolas têm se apoiado no diagnóstico dos professores para buscar alternativas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Bons exemplos

Com a ausência de dados para medir o tamanho do problema nos alunos mais velhos, escolas têm se apoiado no diagnóstico dos professores para buscar alternativas – que vão desde o reforço no contraturno até atividades incorporadas ao próprio calendário regular de aulas. Nesse caso, opta-se por priorizar determinados tópicos do currículo, garantindo horas livres para a recuperação da alfabetização sem prejuízo do aprendizado daquela etapa.

“Em tese, o contraturno é sempre melhor. Mas, principalmente com os alunos mais velhos, há sempre o desafio de garantir a presença deles. Isso exige um trabalho junto aos pais, por exemplo”, afirma o secretário. Na rede municipal de Recife, a alternativa tem sido garantir o almoço a esses alunos para que eles retornem às suas casas somente após a aula de reforço à tarde.

Já a cidade de Ferraz de Vasconcelos, região metropolitana de São Paulo, tem atuado com diagnóstico e intervenção, num projeto executado em etapas. Na primeira, é realizada uma avaliação das turmas. A partir daí, os resultados são tabulados e encaminhados ao professor para que ele tenha um conhecimento efetivo sobre cada estudante. O resultado ainda serve de base para que os cursos de formação de docentes contemplem exatamente as defasagens mapeadas. Por fim, é feita uma avaliação para mensurar os avanços obtidos.

Os alunos dos anos finais identificados com lacunas significativas na alfabetização têm frequentado atividades de reforço com professores dos anos iniciais, que têm experiência no tema. “A gente precisa ter esse olhar apurado, saber quem são esses estudantes e fazer um trabalho diferenciado a partir de cada dificuldade”, explica Paula Trevizolli, secretária de Educação de Ferraz de Vasconcelos. “Pretendemos reverter esse quadro de analfabetismo. Não queremos deixar nenhuma criança pra trás.”

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Efeitos

Com uma das piores notas na edição 2021 do Estudo Internacional de Progresso em Leitura (Pirls), que avaliou o desempenho de mais de 400 mil estudantes do 4º ano em 57 países, o Brasil (que ficou em 52º) colhe os efeitos dos anos de pandemia, que impuseram aos estudantes o desafio de se alfabetizar longe da escola.

Isabel Frade, que é pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que o ensino a distância durante a alfabetização traz uma série de prejuízos à vivência das crianças, já que o processo alfabetizador vai muito além dos exercícios para relacionar letras e sons.

“A alfabetização passa pela interação olho no olho. Durante a pandemia, Estados e municípios enviaram tarefas de casa, mas isso não resolve a situação, pois isola todos os contextos, as histórias partilhadas, tudo o que as crianças vivenciam de forma coletiva na escola. Isso, inclusive, cria repertório para os próprios professores trabalharem a alfabetização.”

Mais docentes

Quando se fala em alfabetizar crianças de 11 a 14 anos, que se aproximam da transição para o Ensino Médio, um dos principais gargalos está na formação de professores, já que os docentes dos anos finais do Fundamental são preparados para lecionar disciplinas específicas.

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“Esse professor não consegue dar conta, pois (na alfabetização) há conhecimentos específicos de metodologias”, lembra Isabel, que vê a necessidade de se pensar em abordagens diversificadas e adaptáveis a alunos dos diferentes anos.

“Por mais que as tecnologias estejam disseminadas em smartphones, a pandemia mostrou que estamos muito longe da equidade nas oportunidades educacionais”, diz ela.

A pesquisadora defende a criação de um observatório nacional voltado ao compartilhamento das experiências de recuperação das aprendizagens – por serem um fenômeno novo, essas estratégias ainda carecem de dados robustos.

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Fred Amancio, que vivenciou a pandemia como secretário de Educação do Estado de Pernambuco, defende a contratação de mais professores alfabetizadores e, para isso, um papel ativo do Ministério da Educação. “Contratar professores tem um custo grande, especialmente para municípios pequenos, onde estão as maiores dificuldades desse pós-pandemia.”

Desigualdades

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o porcentual de crianças de 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever no País aumentou 66,3% entre 2019 e 2021, passando de 1,4 milhão para 2,4 milhões.

O prejuízo foi especialmente maior entre crianças pobres (de 33,6%, em 2019, para 51% em 2021), além de pretas e pardas (respectivamente, de 28,8% e 28,2%, em 2019, para 47,4% e 44,5% em 2021).

“Tenho visto pouca discussão em relação a qual alfabetização é essa e para quem, como se estivéssemos numa situação corriqueira. E não estamos. Precisamos de uma política de acompanhamento, que funcione por pouco tempo, mas que dê conta desses desafios específicos do pós-pandemia”, afirma Isabel Frade, da UFMG.

Em última instância, o grande objetivo, como País, é fazer com que, daqui a alguns anos, essa discussão não seja mais necessária. “Os desafios históricos se somam a um compromisso com essa geração, que foi muito prejudicada. Mas, como gestor público, falar em geração perdida é algo proibido”, diz Fred Amancio.

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