Por Emily Santos, g1 — São Paulo


Escola Municipal Cívico-Militar Maria José de Miranda Burity, em Cabedelo - PB. — Foto: Secretaria de Educação de Cabedelo/Divulgação

Uma das principais bandeiras do governo Bolsonaro na educação, o programa de escolas cívico-militares, em que a parte pedagógica continua nas mãos de educadores civis, mas a gestão administrativa passa para militares, carece de dados específicos sobre eficácia do modelo e desempenho dos estudantes, apontam especialistas ouvidos pelo g1.

Embora tenha investimento maior do que o destinado à implantação do Novo Ensino Médio, o programa não decolou e está presente hoje em apenas 0,1% das escolas brasileiras.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Educação (MEC) não disponibilizou informações sobre metas nem indicadores de aprendizagem. Com a mudança para o governo Lula, a tendência é a de que o programa seja deixado de lado a partir de 2023.

Veja abaixo seis pontos sobre as escolas cívico-militares:

  1. Como funciona o programa
  2. Objetivo
  3. Número de escolas
  4. Investimento
  5. Sem dados sobre eficácia
  6. O que dizem os especialistas

1 - Como funciona o programa

O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) prevê que o Ministério da Educação (MEC), com o apoio do Ministério da Defesa, forneça suporte técnico e financeiro às escolas públicas regulares estaduais, municipais e distritais que desejarem implementar o modelo.

Para aderir, a escola precisa:

  • Atender os anos finais do ensino fundamental e/ou ensino médio;
  • Apresentar avaliação baixa no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb); e
  • Ter alunos em situação de vulnerabilidade social.

Dentro da sala de aula, as escolas têm autonomia no projeto pedagógico. As aulas são dadas pelos professores da rede pública, que são servidores civis.

Fora da sala de aula, militares da reserva atuam como monitores, disciplinando o comportamento dos alunos. Eles não têm permissão para interferir no que é trabalhado em aula ou ministrar materiais próprios.

"Os militares não atuarão em sala de aula, serão apoio no acolhimento e preparo dos alunos na entrada dos turnos, no intervalo de aulas e nos períodos de encerramento dos turnos. Colaborarão também nos projetos educativos extraclasses e na busca ativa dos alunos", explica o site do programa.

2 - Objetivo

Criado em setembro de 2019 por meio de um decreto, o programa começou a ser posto em prática no ano seguinte. Foi proposto com o objetivo de diminuir a evasão escolar e inibir casos de violência escolar a partir da disciplina militar.

Segundo os defensores do modelo no governo, a presença da força militar nas escolas públicas pode resolver os principais problemas da comunidade escolar.

3 - Número de escolas

Até 2021, 127 escolas municipais e estaduais por todo o Brasil haviam adotado o modelo, o equivalente a 0,1% da rede pública.

A expectativa era que outras 89 também implementassem o formato até o fim deste ano, atingindo a meta de 216 escolas. No entanto, procurado pelo g1, o MEC não forneceu dados atualizados.

4 - Investimento

Apesar de representar uma parcela mínima das escolas públicas do país, em 2022, a verba prevista para o Pecim era de R$ 64 milhões. O valor é quase o dobro do montante listado para implantação do Novo Ensino Médio, que era de R$ 33 milhões.

De 2020 a 2022, a fatia do orçamento do MEC destinada ao programa mais do que triplicou. No primeiro ano de funcionamento, a verba era de R$ 18 milhões.

5 - Sem dados sobre eficácia

Apesar do destaque que o governo dá ao programa, especialistas ouvidos pelo g1 ressaltam a falta de dados públicos que comprovem a sua eficácia. Não se sabe, por exemplo, detalhes sobre o desempenho dos alunos que frequentam essas escolas, o que permitiria traçar um paralelo com o período pré-militarização.

O MEC não divulga dados do programa que permitam entender o cenário real nestas escolas. Os sites estão desatualizados e as informações as quais temos acesso são extremamente defasadas
— Gabriel Corrêa, gerente de Políticas Educacionais da ONG do Todos Pela Educação.

Principal termômetro da educação brasileira, a nota do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), por exemplo, não está disponível para parte das escolas que aderiram ao modelo - uma das razões é a quantidade insuficiente de participantes nas provas de língua portuguesa e matemática, segundo o site do Inep.

O g1 pediu ao MEC informações como investimento total no modelo escolar e atualizações sobre meta, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.

6 - O que dizem os especialistas

Controverso, o programa é alvo de críticas de especialistas. Os principais pontos levantados por eles são:

  • O modelo é falho e deveria ser limitado a escolas militares oficiais.

Esse modelo militarizado de escolas deveria ser restrito às escolas das Forças Armadas, para jovens que desejam esse tipo de formação e carreira, com militares que tiveram formação no campo educacional
— Gabriel Corrêa, do Todos Pela Educação.

  • Em algumas regiões, não deixa opção para quem não quiser o modelo.

Corrêa lembra que um dos critérios do programa é atender a escolas com alunos em situação de vulnerabilidade social. No entanto, muitas vezes, elas são as únicas em sua região e aqueles que não quiserem frequentar uma instituição militarizada podem não ter a opção de se transferir, o que pode levar à evasão escolar.

  • Há uma visão distorcida de prioridades.

Segundo Corrêa, "dá-se uma prioridade para um número mínimo de escolas, cria-se uma política, um orçamento específico e uma diretoria específica no MEC para elas, o que mostra uma visão muito distorcida que se tem de prioridades nesse governo Bolsonaro".

  • Risco de militares sem preparo atuarem no ambiente escolar e de interferência no projeto pedagógico trabalhado em sala de aula.

O MEC promete treinamento para os militares que atuam nas escolas, mas, na prática, o que vemos é um sistema de censura a conteúdos considerados políticos e de 'esquerda' -- entre aspas mesmo --, além de uma verdadeira doutrinação militar que não deveria acontecer neste ambiente
— Alex Gonçalves, organizador do Movimento Edu+

O temor é confirmado por uma professora de uma escola estadual que segue o modelo em Ibirité, Minas Gerais. A docente, que pediu para não ser identificada por medo de represália, conta que os colegas evitam tratar de certos conteúdos por medo de serem interpretados como "esquerdistas", incluindo análises sobre o Brasil Colônia, democracia e segurança pública.

Ela também aponta a falta de formação adequada dos militares enviados à escola. Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) negou que as situações relatadas pela professora tenham acontecido.

"A SEE/MG informa que [os relatos] não procedem. Ressaltamos que as diretrizes do Pecim não preveem interferência dos militares nas atividades pedagógicas e que todas as unidades escolares do Estado seguem as diretrizes e competências previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e no Currículo Referência de Minas Gerais (CRMG)", diz em nota.

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