Rio

Escola onde Maria Eduarda morreu volta a enfrentar problemas de violência e evasão

Desde que foi reaberta, no início do mês, unidade já fechou as portas duas vezes

Carteiras vazias. A sala de aula onde Maria Eduarda estudava: depois da morte da menina, 16 alunos pediram transferência da Escola Municipal Jornalista e Escritor Daniel Piza, que, antes da tragédia, já enfrentava uma debandada
Foto: Agência O Globo
Carteiras vazias. A sala de aula onde Maria Eduarda estudava: depois da morte da menina, 16 alunos pediram transferência da Escola Municipal Jornalista e Escritor Daniel Piza, que, antes da tragédia, já enfrentava uma debandada Foto: Agência O Globo

RIO - Reaberta no início deste mês, após passar 33 dias fechada por conta da morte da aluna Maria Eduarda Alves Ferreira, de 13 anos, a Escola Municipal Jornalista e Escritor Daniel Piza, em Acari, já fechou as portas duas vezes devido a situações de violência. A unidade ganhou novos ares com um grande retrato da estudante pintado em um muro, mas os problemas de seu entorno não acabaram. Na quarta-feira da semana passada, por exemplo, dois caminhões de lixo foram usados para bloquear os acessos à escola e, consequentemente, à rua que fica atrás dela, onde produtos de duas carretas roubadas eram descarregados por bandidos.

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- No último dia 10, faríamos uma reunião para decidir os procedimentos de avaliação dos alunos após a tragédia (a morte de Maria Eduarda). Quando cheguei à escola e vi aquela cena (dos acessos bloqueados), imaginei que poderia acontecer o pior. Se a polícia chegasse, haveria uma grande possibilidade de ocorrer um confronto. Liguei para a 6ª Coordenadoria Regional de Educação e perguntei se teria um espaço, lá, para o nosso encontro. Havia, mas o estacionamento não comportaria os veículos dos professores. Também tentamos ir para uma escola próxima, mas decidimos ficar (na E.M. Daniel Piza), mesmo sabendo do risco. No entanto, devido à apreensão de todos, encerramos os debates ao meio-dia, bem antes do previsto. Saímos e fechamos a escola - contou o diretor da unidade, Luiz Menezes.

No dia seguinte, novo fechamento. O diretor viu uma outra carreta atrás da escola, foi informado que uma segunda estava sendo levada ao Morro da Pedreira (perto da unidade) e ficou ainda mais preocupado ao notar que um veículo blindado da PM se aproximava.

- Essa é a nossa rotina. Consultei algumas pessoas, e todas concordaram que era melhor retirar os alunos e fechar a escola. Não havia condições, muita gente ainda está assustada (com a morte de Maria Eduarda). O risco de um tiroteio ocorrer era enorme. Mandamos os alunos rapidamente para casa e trancamos as portas - lamentou Menezes.

A retomada da rotina ainda parece estar distante. Do dia 30 de março - quando Maria Eduarda foi morta a tiros no pátio da E.M. Daniel Piza - até esta quarta-feira, 16 pais pediram a transferência de seus filhos. E, antes mesmo da tragédia, a unidade já enfrentava uma evasão de alunos: um levantamento da Secretaria municipal de Educação mostra que, em um ano, houve um aumento de 55% no número de casos de desligamento da escola. Em 2016, 76 estudantes deixaram o colégio, contra 49 em 2015.

Imagens: Gustavo Goulart
Imagens: Gustavo Goulart

A secretaria informou ainda que, este ano, 318 escolas da rede municipal tiveram de fechar as portas pelo menos uma vez, o que tirou 103.007 alunos das salas de aula. A quantidade de unidades afetadas pela violência representa 20% do total de escolas da rede municipal - 1.537. E ontem, devido a confrontos entre PMs e traficantes na Cidade de Deus, em Jacarepaguá, 20 colégios fecharam, o que deixou cerca de 5 mil estudantes em casa. Um adolescente de 16 anos, que, segundo a polícia, estava com uma arma de brinquedo, foi morto.

Na E. M. Daniel Piza, a evasão não se deve apenas a tiroteios. O diretor da unidade, Luiz Menezes, contou que a mãe de uma aluna de 13 anos pediu a transferência da filha porque traficantes que ficam perto da escola estavam assediando a menina.

- A aluna contou à mãe que, um dia, alguns deles a seguiram até sua casa. Ficamos tristes com a saída de qualquer criança. Mas a situação dessa família, com uma menina que precisava passar por aqueles rapazes para chegar à escola e voltar para casa, realmente era muito difícil. A mãe não tinha tempo para trazê-la e buscá-la. Precisamos entender - disse Menezes.

Maria Eduarda Alves da Conceição, que morreu baleada dentro de escola Foto: Reprodução do Facebook
Maria Eduarda Alves da Conceição, que morreu baleada dentro de escola Foto: Reprodução do Facebook

A frequência nas salas de aula da E. M. Daniel Piza é motivo de grande preocupação. A direção vem discutindo o assunto com professores, e mudou critérios para tentar evitar que estudantes percam o ano por faltas ou atrasos.

- Temos nos debruçado sobre um cenário de frequência oscilante. O horário de entrada era 7h30m, com tolerância de 15 minutos. Agora, estamos permitindo a chegada de alunos até as 8h. Temos tido muitas faltas, as turmas não estão cheias como deveriam. Pais vêm evitando mandar seus filhos à escola com regularidade, e isso prejudica a todos - afirmou Menezes, manifestando uma outra preocupação: - Aí, no fim do ano, chega a Prova Brasil para medir o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). É claro que não conseguiremos atingir a meta estipulada, 4,4. Em 2015, quando foi feita a última prova, chegamos a 3,9, com uma meta de 4,1.

A escola funciona de manhã e à tarde com alunos do 6º ao 9º ano. Não há recreio: faltam inspetores para tomar conta das crianças. Segundo Menezes, ninguém se inscreve para trabalhar na E. M. Daniel Piza. A refeição é servida em dois horários: às 11h40m, para os alunos que estão saindo; e às 12h40m, para os do segundo turno. Nesta quarta-feira, um estudante de 11 anos gostou tanto do almoço - picadinho com abóbora, arroz e feijão, além de mamão de sobremesa - que tentou repetir, mas isso não é permitido. Ouviu de uma funcionária um conselho: "Volte amanhã! Vai ter mais".