Barra
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Por Madson Gama — Rio de Janeiro

Escola é lugar de falar de política? Num cenário de polarização como o que vive o Brasil nos últimos anos, o tema é tão espinhoso que muitos dos colégios particulares procurados para esta reportagem preferiram se abster de comentar o tema. A Secretaria municipal de Educação, por sua vez, respondeu que seu currículo trabalha “interpretação de textos e distinção de fatos e opiniões”; e a estadual, que a grade da rede não tem viés político.

O fato é que, quer se queira, quer não, o viés político está nas salas de aula, seja pela posição da escola, seja pelo monitoramento de muitos responsáveis, que têm acompanhado o que é dito aos filhos de perto, buscando evitar que lhes incutam ideias mais à direita ou mais à esquerda, dependendo de suas inclinações.

Em 2022, este tipo de situação aconteceu, por exemplo, no tradicional Santo Agostinho, uma das escolas que não se furtam a debater a questão. Na unidade Barra, a coordenação precisou atuar para esclarecer as famílias que manifestaram alguma discordância em relação ao que era ensinado.

A escola destaca que sua diretriz pedagógica é baseada em valores democráticos e que aborda a política de forma transversal nas disciplinas, visando à construção de uma sociedade mais justa e solidária.

— Em ano eleitoral, como em 2022, não nos omitimos. Porém, tampouco aceitamos interferência ou posicionamento político. Aproveitamos a amplitude dos ensinamentos que o tema nos oferece. Ensinamos ética, direito ao voto, entendimento dos poderes que delegamos aos nossos representantes, direitos e deveres dos cidadãos e a necessidade de proteger esses direitos, acentuando sempre os princípios que formam a consciência e os valores cristãos — explica o frei Nicolás Luis Caballero Peralta, diretor do Santo Agostinho Barra.

Aula promovida pelo Colégio Santo Agostinho na Vista Chinesa, para alunos do ensino médio da disciplina Laboratório de Humanidades: políticas urbanas em debate — Foto: Divulgação/Santo Agostinho
Aula promovida pelo Colégio Santo Agostinho na Vista Chinesa, para alunos do ensino médio da disciplina Laboratório de Humanidades: políticas urbanas em debate — Foto: Divulgação/Santo Agostinho

Uma das ações desenvolvidas pela instituição em 2022, com os alunos do 6º ao 9º ano, foi a simulação de discussões diplomáticas em torno do drama dos refugiados pelo mundo.

— A atividade explorou a capacidade de argumentação e discussão almejando o bem comum. Foi uma experiência muito rica para os alunos — relata o religioso.

No ensino médio, entrou na grade a disciplina Laboratório de Humanidades, trabalhando a análise de políticas urbanas, com o objetivo de desenvolver diferentes capacidades, como enxergar, refletir e agir diante de diferentes problemas sociais e ambientais:

— O que esperamos da educação para a cidadania é a formação de adultos conscientes e com plena capacidade para conviver em sociedade e geri-la de um modo mais sustentável, gentil, justo e digno para todos.

Contato com formas diferentes de ver o mundo

Na Rede Daltro, a política permeia o programa de ciências humanas, levando ao conhecimento dos alunos conceitos sob variados pontos de vista. Professor de história da unidade do Recreio, Leandro Buffon Machado explica que, durante o processo de formação, os estudantes têm contato com pensadores de diferentes espectros ideológicos, como os que defendem ideias ateias ou ligadas ao cristianismo e críticos e defensores da democracia e do capitalismo.

— Todo programa de história vai abordar política implícita ou explicitamente. É impossível não tratarmos do assunto. Como disse Aristóteles: o homem é um animal político; ele se organiza em sociedade, com normas, leis e valores, para tornar o convívio menos conflituoso. Em sala de aula, falamos de temas como aristocracia, oligarquia, república, revoluções e como esses conceitos se apresentam nos dias de hoje. Tudo pautado na Base Nacional Comum Curricular — detalha, referindo-se ao documento que define os conteúdos essenciais a todos os alunos. — A democracia é tratada o tempo todo, direta ou indiretamente, sobretudo quando estabelecemos debates entre os alunos e destacamos o direito de se manifestar e discordar do outro, desde que haja cordialidade. Nenhum aluno é cerceado ao se posicionar.

O historiador diz que há temas que são especialmente propícios para gerar o engajamento dos alunos.

— Quando entramos em assuntos que vão do século XVIII até os dias atuais, como a Revolução Francesa, que pregava liberdade, igualdade e fraternidade, as questões políticas e sociais ficam mais evidentes; e o debate político, mais fértil e acalorado, porque os estudantes convivem com esses conceitos. Seja quando uma mulher grita por direitos iguais, quando um LGBTQIA+ luta por respeito ou quando uma pessoa de uma religião de matriz africana defende a liberdade de professar sua fé. Isso porque temos pessoas desses grupos em sala de aula — conta o docente.

O professor ressalta que a divisão política que ganhou força nos últimos anos se reflete cada vez mais na postura dos alunos. Ele tem observado um fenômeno.

— Desde o processo de impeachment da ex-presidente Dilma, em 2016, e com a aparição de Bolsonaro como postulante a presidente, tenho visto um discurso em sala de aula mais voltado para a direita, com estudantes mais defensores das principais ideias dessa corrente ideológica, como o livre mercado e a meritocracia, e críticos de políticas assistencialistas, como o Bolsa Família — pontua. — Quando tocamos em temas mais polêmicos, como nazifascimo e stalinismo, regimes das extremas direita e esquerda que fizeram muito mal à sociedade, com extermínio e censura, os ânimos ficam ainda mais acalorados.

Amanda (sentada) e Alana: Mãe e filha, aluna do Daltro, defendem que debater política na escola é enriquecedor — Foto: Foto de arquivo pessoal
Amanda (sentada) e Alana: Mãe e filha, aluna do Daltro, defendem que debater política na escola é enriquecedor — Foto: Foto de arquivo pessoal

Mãe de duas alunas da Daltro do Recreio — Alícia Cabral, do 6º ano, e Alana Cabral, do 1º ano do ensino médio — a empresária Amanda Cabral, de 39 anos, diz que aprova a forma como a escola aborda a política.

— Eu e minhas filhas temos muitas conversas sobre política em casa. Gosto de dar voz para que elas falem sobre tudo. Na minha época de estudante, não se tratava muito do tema em sala de aula, e, na vida adulta, isso me fez falta; tive que correr atrás para aprender. Por isso, acho importante que a escola aborde esse assunto, para que as crianças aprendam, desde cedo, a fazer boas escolhas — argumenta Amanda. — O Buffon, professor de história da Alana, é excelente. Ela sempre chega em casa comentando os tópicos debatidos na aula e as opiniões que expôs e ouviu.

A mãe relata, porém, que precisou questionar a instituição ano passado, após a filha mais nova se sentir impedida de expressar seus pontos de vista:

— A maneira como a política era abordada em sala de aula era uma forma de induzir a criança a convencer a família a votar em determinado candidato. A professora expunha sua opinião e pronto; não permitia que os alunos se expressassem. Nós somos da arte, e valorizamos muito a cultura e educação, áreas desprezadas pelo antigo governo. E quando Alícia queria comentar sobre isso, por exemplo, era coagida. Isso não teria acontecido se ela tivesse o mesmo posicionamento político que a professora. Comuniquei a coordenação, e isso parou depois.

Alana Cabral, de 15 anos, conta que tem aprendido muito com debates de diferentes temas na escola.

— Eu não tenho um posicionamento político, porque sou muito nova, mas sempre pesquisei sobre isso e conversei com meus pais. Não me sentia muito preparada para lidar com visões diferentes das minhas, rebater e argumentar, mas, na escola, comecei a aprender isso. Gosto muito de como meu colégio trata de política; faço muitas pessoas repensarem suas opiniões, e elas me fazem também — diz. — Muitas vezes os adolescentes escutam os adultos falando de diferentes pautas, como direito e respeito às mulheres, racismo e cotas, e, por não entenderem, não sabem discutir. Por isso acho que a escola deve inserir a políticas nesses temas e discuti-los.

Respeito pelo outro e pela Constituição

O colégio Mopi salienta que trabalha o contexto político de forma apartidária, tendo como pilares do projeto educacional a democracia e os direitos humanos. Coordenador pedagógico da unidade do Itanhangá, Luiz Rafael Silva destaca que a instituição respeita as liberdades individuais de professores, alunos, responsáveis e funcionários, desde que não firam os preceitos democráticos.

— O Mopi é um escola política. Com isso, queremos dizer que vivenciamos todo o processo político, com um projeto pedagógico relacionado com o que versa a Constituição brasileira, mas não tomamos partido. A abordagem dos professores em sala de aula é sempre neutra, respeitando a diversidade cultural e de opiniões — explica. — Fomentamos entendimentos como o que é a proposta política do nosso país, diferentes temas sociais, como escravidão, e histórico do processo eleitoral até o que vivemos hoje, a democracia, sempre dialogando com nosso dia a dia. Temos um itinerário formativo para ensino médio que trata da Constituição e dos direitos fundamentais.

Alunos do ensino fundamental do Mopi reproduzem o processo eleitoral: “A escola é política”, diz coordenador — Foto: Divulgação/Mopi
Alunos do ensino fundamental do Mopi reproduzem o processo eleitoral: “A escola é política”, diz coordenador — Foto: Divulgação/Mopi

No ano passado, diferentes projetos que tratavam direta ou indiretamente de política foram desenvolvidos na escola. Um deles foi uma simulação do processo eleitoral, com alunos do 2º ao 5º ano que se candidataram e tiveram que fazer campanha nas salas de aula.

— O tema do ano passado foi Ubuntu, uma filosofia de alguns países africanos. A partir disso, explicamos o processo histórico de construção do nosso país, as dores dos negros escravizados e como devemos uma reparação a esses indivíduos — conta o coordenador. — Muitas pessoas acham que tratar de política é ficar falando de direita e esquerda. Política é o nosso dia a dia. Quando abordamos o tema, entendemos o contexto em que estamos inseridos e como promovemos sua transformação ou manutenção.

Guilherme e Carol: Para estudante do Mopi e sua mãe, é inevitável discutir política na escola — Foto: Foto de arquivo pessoal
Guilherme e Carol: Para estudante do Mopi e sua mãe, é inevitável discutir política na escola — Foto: Foto de arquivo pessoal

Mãe de Guilherme Ribas, aluno do 9º ano do Mopi do Itanhangá, a figurinista Carol Li, de 51 anos, vê com naturalidade a abordagem política em sala de aula, mesmo não achando possível os professores se manterem neutros.

— Acho que a escola tem que discutir temas da atualidade, e isso leva a discussões políticas. Meu filho está estudando geopolítica em geografia; é inevitável que esses debates aconteçam. Assim como é impossível que os professores não se posicionem de alguma forma, até porque os próprios alunos provocam — opina. — O legal é que o Mopi se põe num lugar de escuta, em que os alunos podem questionar as coisas.

Ela relata, no entanto, uma situação que a desagradou no ano passado:

— Uma professora falou que a vacina contra a Covid não deveria ser obrigatória. Num primeiro momento, fiquei chateada, questionando como um educador poderia se posicionar como antivacina em sala. Até pensei em reclamar com a escola, mas desisti, porque isso acabou gerando um debate enriquecedor para a turma. E é importante criar esse lugar de democracia, em que se levantam temas tanto de direita quanto de esquerda, com espaço para a conversa.

Guilherme, de 13 anos, detalha como a turma se comportou após a manifestação da professora.

— Respondi que para que haja uma imunidade generalizada todos precisavam tomar vacina. Eu e meus colegas pesquisamos dados da Organização Mundial da Saúde que traziam a comprovação científica da importância da vacinação e levamos para a sala de aula. Em certo momento, o assunto foi para o uso da cloroquina e sua ineficácia no tratamento da doença — conta. — Gosto de assuntos relacionados a política. É interessante porque você descobre outras visões, não fica restrito ao que pensa. Isso pode fazê-lo considerar outros valores. Mesmo que você não mude de ideia, é um bom exercício.

Especialista: só não vale política partidária

Professora da Faculdade de Educação da Uerj, Ana Karina Brenner defende que é papel da escola tratar de política.

— A ideia de que na escola não se discute política é absolutamente infundada. Ela é lugar de trocas sobre modos de ver o mundo — pontua. — Todos os ambientes de convivência e interação entre seres humanos são espaços de política, e a escola produz essa socialização; é lugar de transmissão e troca de conhecimentos, guiado por normas, valores e regras da história e da cultura de uma sociedade.

Para ela, não há maneira mais ou menos correta de tratar do tema.

— Entendo que um caminho não preferencial é criar uma disciplina específica para tratar de política. E devemos diferenciar o agir político da política institucionalizada, que se faz através dos partidos. Escola não é lugar de política partidária.

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