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Por Paula Ferreira, Alice Cravo e Karolini Bandeira — Brasília

Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco defende que a lei de cotas seja aprimorada para garantir o acesso da população negra ao ensino superior. Em entrevista ao GLOBO, ela argumenta que é preciso ampliar a política para garantir a permanência desses estudantes na universidade. Uma das ideias seria direcionar um auxílio financeiro robusto para incentivar os jovens.

A pouco mais de um mês dos 100 dias de gestão, Anielle Franco também quer entregar como marca de sua gestão estratégias para o combate à fome e à violência, que atingem principalmente a população negra do país. Ao GLOBO, a ministra falou sobre as investigações do assassinato de sua irmã, a vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, e afirmou que meia década após o crime tem perdido as esperanças de ver o caso resolvido.

Sobre a perspectiva de federalização das investigações, ela afirma que antes é preciso entender em que termos isso aconteceria.

Anielle negou que haja constrangimento em dividir a Esplanada com Daniela Carneiro, acusada de envolvimento com milicianos: “Eu não nomeei a ministra, respeito a decisão do presidente”.

A seguir, trechos da entrevista:

O assassinato de Marielle Franco ainda está sem solução. O ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou ser questão de honra solucioná-lo. Antes, a família era contra a federalização do caso. Isso mudou?

O caso da Mari, para além de quase meia década sem respostas, tem uma situação muito grave, que são as tantas trocas de quem está à frente do caso. Essas diversas trocas mexem muito com a gente. Mexem de uma maneira que a gente pensa: ninguém quer ou está muito difícil e não querem resolver. Ou ainda: realmente é um caso que tem alguma coisa que a gente nunca vai saber. Tínhamos muita esperança nas promotoras Simone Sibilio e Letícia Petriz. E aí, quando elas saem alegando interferências – que a gente nunca soube quais eram –, ficamos com uma pulga atrás da orelha e pensamos: “E agora?”. Aí entrou o promotor Bruno Gangoni. Ele era uma pessoa que a gente tinha muito contato, ligávamos para ele, nos encontrávamos quase mensalmente, e depois saiu também.

Seria o caso de federalizar?

É muito desesperançoso, vou te confessar. Na minha opinião, no que a gente puder fazer, seja federalizar ou trazer gente de fora, a gente vai fazer. Esse sempre foi meu posicionamento. Eu entendo a frase do ministro Flávio Dino, mas preciso entender como seria o processo de federalização. Se a gente zera (caso), o que eu sei que provavelmente não (ocorrerá), teríamos que saber de onde voltar para seguir. E é isso que ninguém me responde, nem o próprio Flávio Dino. Eu era contra federalizar naquele momento, com aquele governo, com aquelas pessoas que estavam aqui, mas eu não decido sozinha. Tem o comitê, tem a Mônica, tem a família. A gente nunca teve acesso aos autos, por exemplo. Hoje, se me perguntarem se sou a favor de federalizar, se for para ficar no troca-troca do Rio, vou falar que sim. Mas não opino sozinha.

Há receio de que não haja solução?

Com certeza. Tenho esse medo desde o dia. Eu fui a única pessoa da família que foi ao local do assassinato no dia. Toda vez que lembro desse dia, tenho arrepios. Era muita polícia, muita gente, mas sabe quando você olha ao redor e vê uma rua perfeita para um crime daqueles? Não era algo pensado por pessoas que não sabiam o que estavam fazendo. Foram pessoas que sabiam: a placa fria, a câmera que não estava funcionando, a agenda dela toda pesquisada, o carro que espera e o outro que vem, a casa antiga da minha mãe que aparece nas pesquisas depois. Foi uma coisa toda arquitetada. Já tinha um planejamento e isso que me assusta mais. Eu fico esperançosa de saber quem foi, mas às vezes eu penso que nunca vamos saber quem está por trás.

A senhora assume uma pasta que foi criada após muita reivindicação do Movimento Negro. Quais são as suas prioridades para o Ministério da Igualdade Racial?

A primeira é a fome. O povo preto é quase 70% das pessoas que estão naqueles 30 milhões (de pessoas passando fome). Isso engloba quilombolas, pessoas da favela, engloba várias outras coisas que precisamos dar conta de imediato. A fome é o carro chefe. Essa é uma pauta que não abro mão de jeito nenhum. A gente marcou uma reunião com o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, para discutir sobre isso. Outra discussão que não podemos deixar de fazer é o fortalecimento da lei de cotas. Já sentamos para discutir com o ministro Camilo Santana, (conversa) que foi extremamente produtiva.

Como estão essas conversas?

A gente tem uma secretaria de ações afirmativas dentro do ministério e estamos também em contato com a bancada da Educação (no Congresso). A gente sabe que, ao mesmo tempo que tem um monte de gente que apoia, tem também aquelas pessoas que são contrárias à lei de cotas e, principalmente, às raciais. Estamos discutindo também o que podemos fazer (sobre a questão da segurança), como a discussão sobre as câmeras (nas fardas de policiais), de quem fica e como entra (na polícia), se tem um treinamento. A gente está também muito empenhado (na questão) dos povos quilombolas, sobre a titulação de terras. O presidente Lula já solicitou uma visita a um quilombo, a gente está articulando isso.

Essa visita do presidente a um quilombo já foi desenhada?

Está sendo desenhada. Estamos ainda decidindo, mas provavelmente será um quilombo na Bahia. Mas a gente não quer só visitar, eu quero propor junto com o ministro Paulo Teixeira, e teremos uma reunião com o Incra, para poder falar sobre titulação e investimento para essa comunidade. Eu vejo muitas pessoas falando sobre quilombo, mas poucas falando sobre o que esse quilombo precisa. São ações sociais? Acesso à água? Educação?

Qual será a proposta da pasta para a discussão sobre a revisão da lei de cotas?

São políticas de ações afirmativas que dão certo e estão dando certo. A gente tem inúmeros dados. Eu acho que não vou dar nem margem para pessoas que se aproximem e falem "acho que não deve ter cotas raciais". Não pretendo participar desse tipo de discussão, porque para mim é meio óbvio. Mas ainda assim a gente sabe que no país temos que ajudar, explicar, porque ainda existem pessoas que acham que lei de cotas é mi mi mi. O acesso e permanência é o que eu pretendo pautar muito, porque eu, enquanto estudante da UERJ, os R$ 300 me salvavam muito. Hoje, está em R$ 400, já tem alguns anos que me formei. A gente não teve uma mexida nessa parte da lei, que é primordial, seja para pegar um transporte, pagar uma xerox.

Como estão as discussões da pasta sobre lei de cotas junto ao MEC?

Quando conversamos com Camilo, também falamos sobre o fato de o MEC não ter um sistema atualizado para que possamos saber onde esses alunos estão, o que estão fazendo um ou dois anos depois. Não existe isso. E ele afirmou que estabeleceria um grupo de trabalho para discutir sobre isso. E agora já temos. Estou em contato com a deputada Dandara (Tonantzin), que vai ser relatora do tema no Congresso, para ficar ciente do que está acontecendo. A gente vai ao Congresso para conversar. Sei que vai ser difícil com algumas pessoas, mas sabemos que é importante dialogar com quem pensa diferente da gente.

Já há uma estratégia para reduzir o assassinato da população negra do Brasil?

A primeira discussão que queremos fazer é em relação às câmeras nos uniformes da polícia. A gente sabe que a nossa pasta por ser muito transversal, precisamos desse apoio e criar mesmo que seja um grupo de trabalho para debater. Esse GT (em parceria com o Ministério da Justiça) já está trabalhando. A gente vai relançar o Plano Juventude Negra Viva. Esse vai ser uma das prioridades para os 100 dias de governo. Desse grupo de trabalho vai sair esse plano. O Juventude Negra Viva vai ser a prática concreta do enfrentamento ao genocídio da população preta.

Em relação ao combate à fome, há uma proposta?

Quando tivemos a campanha do Lula no Complexo do Alemão pensamos em fazer o gabinete de periferias. A nossa ideia é que a gente comece através de líderes que estavam conosco ali no Rio e transmita para outros lugares a distribuição de cesta básica. Tem lugar que a gente não acessa. O que a gente pretende fazer, junto com o ministro Wellington Dias, é chegar nesses líderes de favela e ajudá-los a distribuir em locais que estavam com defasagem.

A senhora chegou a enviar uma lista de currículos para a ministra Simone Tebet, mas nenhum secretário negro foi escolhido. Como ampliar o número de negros no próprio governo?

Quando lançamos o banco de currículos, muitas pessoas pediram. Tem uma discussão de a gente sempre ter esse banco de currículos de pessoas negras disponível para comprovar que os pretos são capazes em todas as áreas. Paralelo a isso, estamos trabalhando no decreto junto à Casa Civil e ao Ministério da Gestão para trazer mais pessoas negras para cargos superiores, que hoje temos 1,3% (de negros). Isso vai ser uma briga.

Quais foram os principais frutos colhidos na viagem aos Estados Unidos?

A Desirée (Cormier Smith, representante Especial de Estado para Justiça e Igualdade Racial do Departamento de Estado dos EUA) vem para cá em maio, vamos ter a primeira reunião do Japer (Plano de Ação Conjunto em parceira com os Estados Unidos para eliminar a discriminação racial), que está parado desde 2008, sem ter nenhuma reunião, nada que pudesse avançar. A gente já tem desenhado um plano de bolsa de estudo para jovens negros de favela que a gente vai lançar a partir do Japer. Inicialmente serão 150 bolsas.

Como o ministério pode contribuir para reduzir os casos de ódio contra a população negra?

Acho que tem uma escalada de ódio como um todo, infelizmente tem muita coisa direcionada ao povo preto. Estamos acompanhando uma série de mortes que eu acho que ninguém vai esquecer, desde o Genivaldo até a Agatha. Tem sido muito duro acompanhar casos de racismo no esporte, segurança que espanca dentro de mercado… acho que uma das coisas mais importantes que precisamos fazer cada vez mais é aprender a se comunicar. É muito difícil combater fake news, lidar com pessoas que propagam o ódio, que incitam violência como vimos no dia 8. Estamos pensando em uma campanha muito grande de racismo no esporte, com associações de torcidas organizadas.

A senhora divide a esplanada com a Daniela do Waguinho, que recentemente a imprensa mostrou que tem relação com milicianos no Rio de Janeiro. Isso gera incômodo?

Não gera incômodo em mim. Eu não nomeei a ministra Daniela do Waguinho, eu respeito a decisão do presidente Lula e a trajetória dela, eu não a conheço pessoalmente para poder julgá-la. Muitas pessoas têm me atacado em relação a isso, me chamaram de miliciana. O que posso falar é por mim: eu não tenho nenhum envolvimento com a milícia e nenhum outro tipo de ligação com pessoas relacionadas à milícia. Eu prezo muito por um ambiente de trabalho saudável. Eu a cumprimento, nunca tivemos nenhuma conversa. É uma ministra que está no mesmo governo que eu. A mim não gera incômodo nenhum, porque eu sei da minha índole, eu sei o que eu tenho, eu sei o que eu faço e de onde eu venho.

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