Brasil

Entidades veem retrocesso na política de educação especial de Bolsonaro

Segundo especialistas, decreto publicado nesta quinta-feira retoma modelos ultrapassados, com incentivos a escolas especiais e outras formas de segregação
O presidente Jair Bolsonaro assina decreto que institui a Política Nacional de Educação Especial Foto: Carolina Antunes/PR
O presidente Jair Bolsonaro assina decreto que institui a Política Nacional de Educação Especial Foto: Carolina Antunes/PR

BRASÍLIA —  Publicada em forma de decreto presidencial nesta quinta-feira, a Política Nacional de Educação Especial gerou reação de entidades e especialistas ligados ao tema. Segundo eles, a nova diretriz retrocede no avanço à educação inclusiva para alunos com deficiência ao incentivar o retorno de escolas especiais. A oposição na Câmara anunciou um projeto de decreto legislativo para derrubar a norma.

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Os pontos mais criticados do decreto, anunciado pelo governo em tom de comemoração, é a previsão de escolas especiais, voltadas apenas a alunos com deficiência. O modelo havia sido superado na última política federal para a área, de 2008, que preconizava a matrícula em turmas regulares, com apoio complementar especializado dependendo de cada caso.

O foco inclusivo foi completamente retirado da norma atual, embora o texto mencione brevemente que a educação especial deve ser "preferencialmente na rede regular de ensino", apontam estudiosos e militantes da área.

— Essa nova política de educação especial valida as matrículas em escolas especiais, além de possibilitar segregação dentro da própria escola regular, com as classes especiais previstas — diz Luiza Correa, uma das coordenadoras do Instituto Rodrigo Mendes.

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Outro ponto que acendeu o alerta entre especialistas é a previsão de uma espécie de aconselhamento para que a família decida sobre as melhores alternativas, considerando os impedimentos e barreiras a serem eliminadas ou minimizadas. Aliado a isso, o decreto fala em definição de critérios para repasses financeiros da União no âmbito da política.

— Vai ficar muito fácil as famílias optarem pela escola especial porque a escola comum precisa de investimentos: formação de professores, redução de barreiras. Perderemos, com a nova política, essa possibilidade de investimento, porque querem investir em segregação. Ao mesmo tempo, ao insinuar a vinculação de recursos, estados e municípios vão se ver constrangidos a aderir ao modelo, porque precisam do dinheiro — completa Correa.

Antonio Carlos Sestaro, presidente da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, afirmou que o decreto é "um retrocesso de uma luta de 30 anos" pelos direitos das pessoas com deficiência. Ele conclamou a sociedade civil a se unir pela derrubada da norma e chamou atenção para o teor do texto.

— Nas 'doces palavras' desse decreto está o veneno amargo da exclusão. Está a manutenção de uma sociedade capacitista, uma sociedade que discrimina, uma sociedade preconceituosa. Somente com a convivência de pessoas com deficiência é que poderemos ter uma sociedade inclusiva— afirma Sestaro.

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País tem cerca de 1,2 milhão de alunos com alguma deficiência, mostra Censo Escolar

O Brasil tem cerca de 1,2 milhão alunos na educação básica com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades, segundo dados do Censo Escolar 2019. Desse total, 87% estão em classes comuns, o que representa uma vitória da educação inclusiva.

Em 2006, por exemplo, esse grupo somava apenas 700 mil alunos, dos quais menos da metade (46,4%) estava nas turmas regulares, convivendo com colegas sem deficiência, e a maioria (53,6%) frequentava classes especiais ou escolas especializadas, consideradas menos inclusivas.

Esse avanço está sob risco com o novo decreto, diz o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em nota, o grupo destaca que o decreto visa "terceirizar a Educação Especial, alocando recursos públicos em instituições privadas, em detrimento da continuidade e da ampliação dos investimentos na escola pública comum".

"A revogação do referido decreto, criado com base em interesses outros de pessoas e instituições que, certamente, não atuam em real benefício das pessoas com deficiência, precisa ocorrer por uma questão de justiça social e de ascensão do país a níveis mais elevados de civilidade, algo que todos merecemos", diz a nota.

De acordo com o grupo da Unicamp, o decreto fere a Constituição, obrigações internacionais assumidas pelo Brasil em relação à inclusão de pessoas com deficiência e ainda ignora estudos sobre as vantagens do modelo agora flexibilizado. "A 'nova' política de educação especial de nova só tem a data e o nome, pois o que defende se configura como mera reforma, trazendo de volta práticas outrora fracassadas e inconstitucionais", diz o comunicado.

As entidades da sociedade civil criticam ainda o fato de não terem sido ouvidas na formulação da política. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, publicou nas redes sociais foto da cerimônia de assinatura do decreto, com a ministra Damares Alves, da Mulher, Família e Direitos Humanos, e o presidente Jair Bolsonaro. O ato foi fechado.

" O @govbr @JairBolsonaro, por meio do MEC e @DHumanosBrasil, lança a nova PNEE, que alcançará mais de 1,3 milhão de educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Assim flexibilizamos os sistemas de ensino possibilitando classes e escolas comuns inclusivas, classes e escolas especiais, classes e escolas bilíngues de surdos, segundo as demandas específicas dos estudantes", escreveu Ribeiro.

A deputada Maria do Rosário (PT-RS) disse que apresentou um projeto de decreto legislativo (PDL) para derrubar o texto do governo. "Em coautoria com o deputado e presidente da CDHM na Câmara, @heldersalomao, ingressei com PDL na Câmara para barrar este retrocesso que se impõe à educação e às pessoas com deficiência. A Educação brasileira precisa ser inclusiva e democrática, justamente a antítese deste governo", escreveu a parlamamentar nas redes sociais.