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Acesso de jovens pobres a universidades corre risco? Entenda mudanças feitas por Bolsonaro no Prouni

Governo editou medida provisória que altera parâmetros do programa criado para facilitar acesso de estudantes à educação superior
A sede do Ministério da Educação, em Brasília Foto: Agência Brasil
A sede do Ministério da Educação, em Brasília Foto: Agência Brasil

BRASÍLIA— O Programa Universidade Para Todos (ProUni) foi criado por lei em 2005 para ampliar o acesso de brasileiros de baixa renda ao ensino superior. Uma das marcas do governo Lula, a política foi alterada nesta terça-feira por meio de uma Medida Provisória (MP) assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, para viabilizar o benefício a estudantes de escolas privadas

O ProUni oferece a estudantes de baixa renda bolsas de 50% ou 100% no ensino superior privado.Neste ano, um levantamento feito pela Frente Parlamentar Mista da Educação mostrou que o país ofereceu o menor número de vagas no ProUni desde 2013. Nos dois semestres de 2021, foram oferecidas 296.351 vagas no programa, número bem menor que as 420.314 oferecidas em 2020.

De acordo com especialistas, as alterações feitas por Bolsonaro podem acabar aprofundando desigualdades no acesso ao ensino superior do país. O argumento do governo para promover a alteração foi o alto número de vagas ociosas.

Um levantamento feito pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior No Estado de Sao Paulo (Semesp), com base em informações do Sisprouni, mostrou que em 2020 cerca de 19% das bolsas integrais do ProUni e 56,8% da bolsas parciais ficaram ociosas. O GLOBO solicitou ao Ministério da Educação (MEC) os dados de vagas não preenchidas no programa, ano a ano, desde sua criação, mas a pasta não forneceu as informações.

Em outubro deste ano, no entanto, o MEC não realizou chamadas para vagas remanescentes do ProUni e argumentou que o processo do programa tinha sido aprimorado.

O texto foi publicado nesta terça-feira no Diário Oficial da União (DOU). Uma medida provisória tem validade imediata, mas precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado no prazo de 120 dias para virar uma lei. Os parlamentares podem fazer alterações no texto.

Alguns dos pontos da MP, no entanto, só terão efeitos a partir de 1º de julho de 2022, como a flexibilização nos critérios de entrada no programa.

Modalidades de Bolsas

Como era: A lei previa concessão de bolsas de 25%, 50% e 100% em instituições privadas de ensino superior.

Como fica: A partir de agora, só serão concedidas bolsas de 50% ou 100%.

Público-alvo do ProUni

Como era: Antes da emissão da MP, o ProUni era destinado a estudantes que cursaram todo ensino médio em escola pública ou alunos da rede privada com bolsa de 100%. Além deles, pessoas com deficiência e professores da rede pública em atividade na educação básica.

Como fica: Com a alteração proposta, o governo permite que estudantes que cursaram ensino médio na rede privada com bolsa parcial ou mesmo sem nenhum tipo de bolsa também possam se candidatar ao programa.

Renda

A MP não altera os critérios de renda estabelecidos pelo programa. Segundo a lei, estão aptos a receber bolsas parciais do ProUni estudantes cuja renda familiar mensal per capita seja de até três salários mínimos.

No caso das bolsas integrais, podem se candidatar estudantes cuja renda seja familiar mensal per capita seja de até 1,5 salário mínimo.

Cotas

Como era: Antes, o número de bolsas concedidas era calculado com base na soma do percentual de negros, indígenas e pessoas com deficiência na população

Como fica: A MP propõe que a distribuição considere o percentual isolado de pessoas autodeclaradas pretas, pardas ou indígenas; e o percentual de pessoas com deficiência.

Há críticas, no entanto, sobre a falta de clareza desse ponto.

Desregulação de instituições beneficentes

Um dos pontos mais críticos  citados pelos especialistas nas alterações propostas pelo governo é que a MP excluiu trecho da lei do ProUni que regulamenta entidades filantrópicas.

Como era: O programa previa que as instituições só poderiam ser consideradas beneficentes quando houvesse a concessão de, no mínimo, uma bolsa integral a cada nove estudantes. Além disso, a instituição deveria aplicar anualmente 20% de sua receita bruta na promoção de gratuidade, além de receita vinda de aplicações financeiras e outras fontes.

Como fica: A MP do governo retira essas especificidades e deixa o caminho livre para essass instituições.

Ao GLOBO, o MEC afirmou que a medida atende a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020, que declarou o dispositivo ilegal.

O que diz o MEC

Em nota, o Ministério da Educação rejeitou as críticas de que as alterações geram desigualdade no programa. A pasta sustentou que "as medidas não tornam o programa desigual, uma vez que os critérios de renda exigida para obter bolsas do Prouni não foram alterados."

A pasta afirma que será utilizada uma ordem de prioridade para distribuição das bolsas:  primeiro, aluno que tenha estudado em escola pública; depois, quem tenha estudado em escola privada na condição de bolsista; e, por fim, quem tenha estudado em escola privada na condição de pagante.

"Como no momento da classificação haverá prioridade para estudantes de escola pública, quando comparados àqueles que estudaram em escola privada na condição de bolsista e de pagante, a referida crítica não procede", diz a nota, acrescentando:

"Pelo contrário, como a medida distribui um peso maior para o critério de renda da família, para efeito de participação no processo seletivo, ela repara uma distorção, que era observada quando o estudante migrava de escola privada para a pública, mas era impedido de participar do Prouni, mesmo sua família tendo renda igual ao de um estudante de escola pública"